"[...] A canção, como já dissemos, é um meio privilegiado para transações culturais, uma vez que a voz proporciona a apropriação da outra sonoridade, da outra voz. Toninho Horta e Fernando Brant demonstram este argumento de maneira muito própria em Falso Inglês (Wonder Woman) [LP Terra dos Pássaros. EMI, 1979]:“(...)Gene Kelly/canta e dança sem eu entender(...) Beatles, Dylan, / eu tinha que inventar um jeito de falar inglês(...) Todos se encantaram com meu falso inglês/ Oh, wara ai ri iu se, uana guet folou mi rear (...)” A pronúncia do inglês, afetada pela dicção do português, torna-se o próprio centro da composição. A parte final da letra é um encadeamento de palavras e sonoridades que remetem ao inglês. Elas não têm sentido na seqüência textual da frase, embora se adeqüem perfeitamente à seqüência musical. Isto resume e resolve a canção, uma vez que o objetivo do sujeito (cantante) não era aprender inglês, e sim “inventar um jeito de falar”, criar seu próprio “falso inglês” para cantar e encantar.As transações culturais não se dão em espaços neutros, em tempos vazios. Podemos, por isso, ir ainda mais fundo na identificação do papel de mediação cultural exercido pela voz. Ocorria então uma forte penetração da música pop de origem anglo-saxã, e o surgimento de conjuntos e intérpretes que compunham e cantavam em inglês a fim de participar da maior fatia do mercado fonográfico. Falso inglês discute de forma inequívoca tal penetração, identificável aos meios de comunicação de massa: o cantante fala de estrelas de cinema (Gene Kelly), dos músicos que ouviu no rádio (Paul Anka, Bill Haley), da televisão (seriado Wonder Woman, Mulher Maravilha). No entanto, sua prática é diametralmente oposta a dos músicos que fingiam ser ingleses ou americanos. Seu inglês é assumidamente falso! Sua vontade não é copiar, mas sim reinventar através de sua própria interpretação da sonoridade daquela língua". (GARCIA, 2007, pp. 195-196)