Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

21 de maio de 2017

Luiz Henrique Rosa, um xará com muito balanço

Por essas coisas que a gente nem sempre sabe porque, certos nomes às vezes passam ao largo da nossa atenção. Definitivamente não é fácil dar conta de tantos talentos, tanta produção discográfica, tantos grupos, compositores, instrumentistas. Considero que assumir essa limitação é antes de mais nada uma necessidade, para que não percamos a dimensão do desconhecimento que faz parte da vida, ainda mais no ofício da pesquisa. Sobra, por outro lado, a certeza de que sempre outra descoberta, uma nova vertente de alguma coisa, uma obra que ainda não se ouvi ou um disco que ainda não se conhecia. Esse pequeno prazer tive hoje depois que o amigo Greg Caz,  DJ novaiorquino que conhece muito de música brasileira (entre outras) colocou numa postagem minha de facebook sobre o tema dos aniversários uma versão de Parabéns pra você do LP Popcorn que Walter Wanderley dividiu com Luiz Henrique, meu xará. Embora o nome não me fosse completamente estranho (rsrsrs) me dei conta que não tinha maior noção sobre esse violonista e compositor catarinense, que desde a juventude na praieira Florianópolis já enveredava pelos caminhos da música e pelas ondas do rádio. No início dos anos 1960 migrou para o Rio e como tantos músicos populares da época, encontrou no balanço da bossa o veio para sua musicalidade. Como tantos dessa geração, partiu num voo para as terras do jazz, tocando e gravando com feras tanto de lá quanto de cá. Maiores informações podem ser obtidas no site oficial ou nessa matéria de 2014. Lamentavelmente faleceu precocemente, num acidente automobilístico. Como tantas vezes acontece, e até um depoimento nessa matéria de TV feita na ocasião deixa marcado, o reconhecimento às vezes não atinge o criador em vida. E finalmente, para ter um panorama mais amplo de sua vida e obra, felizmente há o documentário No balanço do mar, dirigido por Ieda Beck. Tem aí pelos menos duas histórias que ainda merecem maiores incursões na historiografia da música popular brasileira, uma a que possa avaliar de forma mais abrangente a força centrípeta exercida pelo Rio em relação a outras regiões brasileiras nesse período do auge da bossa (para Minas sei que existe os trabalhos de pesquisa coordenados pelo caríssimo Adalberto Paranhos  inclusive a monografia da querida colega pesquisadora Sheila Diniz Castro). Outra é essa verdadeira leva de músicos brasileiros, de grandes estrelas a anônimos batalhadores que foram enfrentar essa aventura de conquistar espaço nos EUA, empreitada corajosa e cheia de percalços, como dá pra sacar pelo depoimento que a Flora Purim dá no documentário, por exemplo. Cheguei a pensar um capítulo sobre isso na minha tese, para o qual reuni até um material que a assessoria da Flora e do Airto Moreira me enviou, mas acabei sendo obrigado a reduzir o assunto a uma incursão rápida sobre os trabalhos feitos por Milton Nascimento por lá até o final dos anos 1970. 

Por fim, separei essa faixa aqui que me pegou de jeito, Jandira, de seu último LP gravado em 1975, significativamente denominado Mestiço. Sonzaço!