Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

20 de março de 2012

Lendo jornal e dando notícia

Enquanto o tempo escasso não permite maiores arremetidas em direção ao solo das palavras, vou lendo jornal e dando notícia. 

Na Ilustrada, notícia sobre o site lançado pelo Instituto Moreira Salles para hospedar "(...) músicas, partituras e documentos que marcarão a contagem regressiva para a comemoração, no ano que vem, dos 150 anos de nascimento de Ernesto Nazareth (1863-1934), compositor e pianista que, por meio do choro, foi um dos arquitetos da identidade da música brasileira" (aqui).

No português Público, uma reportagem muito interessante sobre a fita cassete no cenário fonográfico atual. (aqui). Um trecho de uma das entrevistas:  "(...) Fazíamos o que se faz agora com o mp3. Era uma forma de partilha. (...) Rui não sabe se há um "ressurgimento" da cassete, se será "o novo vinil" — "se calhar nenhum deles morreu" —, mas considera que tem tudo a ver com a "relação emocional ao objecto" e com a forma como hoje se consome música. "O digital é uma forma de conhecer, mas depois quem tem instinto de coleccionador... compra." Com o mp3 perdeu-se a noção de álbum, "do lado A e do lado B". Conceptualmente, diz, a "rugosidade" e as "arestas" do som da cassete agradam à vaga mais experimental de músicos que recuperam os sintetizadores."

18 de março de 2012

Elis, pimentinha nada: era fogo!


Por razões que não precisam de explicação, Elis Regina foi não só a melhor, mas também a mais importante cantora da história da MPB. Mas se fosse tentar explicar, diria que nela estão constelados, numa intensidade sem igual, os elementos que permitem chegar a esse juízo: sua voz, sua técnica e sua musicalidade, sua presença de palco e seu desempenho no estúdio, sua interpretação "de corpo inteiro", sua ousadia e personalidade, seu sucesso espetacular, sua atuação política, a formação de seu repertório e os compositores que lançou, o modo como contruiu sua carreira e sua obra, e poderia continuar indefinidamente. O apelido "pimentinha" lhe caia bem, mas ela, de fato, era fogo! 
Difícil decidir por onde começar na hora de homenageá-la. O bom do blog é que é possível ir acumulando links, textos e documentos em vários tipos de mídia, e foi isso que resolvi fazer.

 1)Idealizada a partir de entrevistas com homens músicos, produtores, compositores e, sobretudo, falantes, “Eles & Ela – Tributo a Elis" é uma série em três episódios que destaca alguns dos mais importantes aspectos da carreira da cantora;
 2) Íntegra da entrevista concedida por Elis a O pasquim em 1969. Íntegra da entrevista de  Elis ao Folhetim em 1979; 
 3) Link para o blog Memória Elis, muito bem feito;
 4) Entre tantos encontros de Elis com Milton e o Clube da Esquina, um momento marcante foi a participação dela no disco Os borges (1980) cantando Outro Cais, escrita pelo Marilton e pela Duca Leal (a história tá contada no livro do Márcio Borges).


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Num pequeno arroubo de nostalgia, lembrei das primeiras linhas que escrevi sobre Elis como pesquisador. Estava entre surpreso e chocado ante o impacto da leitura do Balanço da bossa, em que Augusto de Campos literalmente detona Elis. Foi tarefa difícil entender e contextualizar sua crítica, situando-a nos embates daquele tempo. Mais difícil encontrar uma forma de desmontá-la sem recair em argumentos esquematizantes, ou deixar vazar o incômodo que tinha motivações altamente subjetivas. Creio que fui bem sucedido na primeira tarefa, mas na segunda não fiz mais do que tangenciar alguns pontos já indicados em outros trabalhos e pinçar o traço elitista que só muito tempo depois consegui explorar com mais consistência. Vivendo e aprendendo a jogar...

"(...) Usando como exemplo a cantora Elis Regina, [Augusto de Campos] condena o canto melodramático e exagerado. Para ele, tal postura estaria contrariando o ideal de concisão e precisão da interpretação joãogilbertiana. Para um crítico favorável a Elis, a ênfase gestual e o excesso de efeitos vocais empregados pela cantora procuravam imprimir às canções uma alta dose de emocionalismo, aí identificados ao cantar “popular”, “autêntico”. Seria um elogio ao canto afro-brasileiro de “força primitiva” que “o disco e o rádio negaram valor artístico”[1]. A questão da interpretação tornara-se um ponto chave dos embates estéticos, e alguns emepebistas estavam aí rompendo claramente com as proposições bossanovísticas. Esta “teatralização da canção”, executada de modo a apresentar letra e voz combinados a gestos e ações, tornara-se comum em peças teatrais e programas de televisão, operando como uma “coreografia do engajamento”[2]. O fino da bossa e outros do gênero serviram assim como espaço de adaptação da MPB ao público de massa, testemunhando a transição do intimismo ao épico[3]. Esta discussão ressalta por contraste um certo elitismo que pairava nas colocações do poeta concretista, que rejeitava então procedimentos vinculados exclusivamente à cultura popular. De fato, no projeto da vanguarda não cabiam as concepções então vigentes do nacional-popular."



[1] “Fino da Bossa”. Realidade, São Paulo: Abril, n º 5, ago. 1966, p.10.
[2] Ver, por exemplo, a análise da fusão dos aspectos visuais e sonoros na interpretação de Maria Bethânia para a canção Carcará, em CONTIER, Arnaldo. op.cit., p.36.
[3] PELEGRINI, Sandra Cássia Araújo. Ação cultural no pós-golpe: um destaque à produção musical contestadora. in: História e Cultura. Ponta Grossa: UEPG/ANPUH-PR, 1997, pp.49-64.

15 de março de 2012

Recordações de pesquisa: lendo o Pasquim...

Pesquisa é uma aventura. É um roteiro sendo reescrito com o filme em andamento. Um pequeno passeio ou uma longa jornada. Um mergulho numa cachoeira ou atravessar correntezas. Sair de casa com pressa de chegar e voltar porque esqueceu de trancar a porta. Sobrevoar uma cidade alagada num helicóptero ou ficar sem gasolina num jipe no meio do deserto. Andar dias a pão e água, e de repente jantar numa mesa servida a marajás. Estar certo de que surgirão dúvidas, e duvidar de todas as certezas (inclusive a que diz respeito às dúvidas). 
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Enquanto se escreve uma dissertação ou tese, nos deparamos às vezes com a dura tarefa de evitar certas investidas que parecem justamente as mais interessantes, mas que podem nos desviar do rumo e causar perdas de tempo que não teremos como recuperar. Mas tem hora que isso pode ser justamente o que o atarefado pesquisador está precisando, por razões mil que ele próprio desconhece. Em dose moderada, tais leituras podem ser pausas importantes para retomar o fôlego, ou mesmo guardar inspirações inesperadas. Ou mesmo ser aquele tempo que se perde quando precisamos recobrar a perspectiva e lembrar que nem tudo gira em torno da bendita pesquisa. Como era "difícil" pesquisar n'O pasquim, em que absolutamente tudo era interessante e divertido. A tentação para esquecer um pouco o tema, as entrevistas com os músicos, e dar uma sapeada em tudo era enorme. E quantas vezes tive que conter, na verdade tive que sufocar o riso que queria brotar em meio ao silêncio da hemeroteca... e outras vez, humanamente, não consegui e veio a risada, meio abafada, ou eventualmente solta quando não havia nada além de mim e pasquins.
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Em tempo, o site Memória Viva está disponibilizando as primeiras páginas de várias edições do jornal, confiram aqui.
 
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P.S. 2020
Que salto estupendo deu a digitalização de documentos no Brasil nesses anos que se passaram. Hoje o site da Biblioteca Nacional já disponibiliza todas as edições digitalizadas de O Pasquim e ainda conta com um motor de busca para refinar a pesquisa: aqui

11 de março de 2012

Caetano muito bacana: a formação de um músico popular

Trecho do especial 4a. Nobre (Rede Globo) de 1973 (o original tem 42 min.), belas imagens da Bahia e entrevista bacana com Caetano Veloso e depoimento de parentes, vizinhos... Entre tantas coisas, ele fala de Santo Amaro, Salvador e São Paulo. Uma fala interessante, logo no início, é a que aborda a importância do rádio em sua vida e formação como músico. Lembrei imediatamente do 2° capítulo da minha tese (GARCIA, 2007) [para baixar e ler, aqui], na parte em que comparo os anos de formação através de relatos auto-biográficos de Caetano, Gil, Chico, Edu e Milton. 
Transcrevo de lá algo sobre o assunto, com algumas citações incorporadas das leituras que pesquisei à época:


"(...) Sendo todos eles advindos dos extratos médios da sociedade brasileira, e mesmo tendo alguns deles vivido em cidades interioranas até a juventude, há alguns elementos recorrentes nas descrições que fazem das manifestações da música em seu ambiente doméstico. A presença de eletrodomésticos responsáveis pela transmissão e reprodução musical, como rádios e vitrolas, traz à lembrança de Edu Lobo todo um repertório sonoro:

“Agora estou me lembrando de uma vitrola. (...) Lembro muito de ouvir Frank Sinatra, que tinha na minha casa. As músicas de George Gershwin, Cole Porter, Irving Berlin, os compositores americanos da época. E brasileiros, muitos: Aracy de Almeida cantando Noel, as canções do Caymmi, as canções do Herivelto Martins, do Lupicínio [Rodrigues], as cantoras todas, a Nora Ney.” (NAVES, COELHO & BACAL, 2006: 226)

O mesmo vem à tona na fala de Chico Buarque:

“(...) eu ouvia muito rádio. E tocava na época [adolescência] música francesa, muita música latino-americana, muita música americana. E brasileira, especialmente na época de Carnaval, em que tocavam aqueles sambas, aquelas marchas.(...) E depois a primeira safra do rock, com Elvis Presley, Little Richard e aquela gente toda (...)” (NAVES, COELHO & BACAL, 2006: 165)

Milton Nascimento também pontua uma série de referências a partir do acervo discográfico de sua casa: “(...) a gente tinha os discos de operetas, música clássica, temas de filmes (...) os discos das cantores de jazz com grandes bandas... Então, lá em casa, sempre ouvi de tudo (...)” [Entrevista concedida a Márcio Borges para encarte do CD coletânea de Milton Nascimento produzido pela revista Seleções em 2002, p.27.]

Fosse pelo rádio ou pelo disco, o que se ouvia representava um espectro razoavelmente grande da canção popular nacional ou de outras procedências. Tanto Chico quanto Caetano Veloso viriam a se valer, anos depois, do vasto conhecimento do repertório da música popular brasileira anterior à bossa nova adquirido através destes meios, quando participaram do programa televisivo Esta noite se improvisa. Em Verdade Tropical, Caetano recorda-se das horas gastas ao piano da sala de sua casa em Santo Amaro “(...) no qual tirava de ouvido canções simples aprendidas no rádio (...)”, ainda que as harmonias fossem massacradas pelas limitações de sua percepção (VELOSO, 1997: 28).

6 de março de 2012

Capas da 1a. versão da Rolling Stone edição brasileira

O site Memória Viva, que há muitos anos disponibiliza documentação digitalizada altamente relevante para a história cultural brasileira está colocando as capas da 1a. versão da edição brasileira da revista Rolling Stone. Em 1972 um exemplar custava CR$2,00. Ícones da contracultura, astros do rock e nomes importantes da música popular brasileira estampavam a capa da publicação.
 Confiram aqui.