Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

25 de junho de 2017

“Violas: o fazer e o tocar em Minas Gerais” – um evento para ficar na memória


Por Hudson Públio (Bolsa Iniciação Científica PRPq-UFMG)



Minha primeira contribuição para o blog é a breve descrição do evento que me marcou tanto como pessoa quanto pesquisador de música popular. Organizado por violeiros, pesquisadores, e outros envolvidos com o instrumento na linha da proposta de transformá-lo em patrimônio imaterial do estado e, também, nacional, o IEPHA em parceria com o BDMG cultural promoveu o seminário “Violas: o fazer e o tocar em Minas Gerais” nos dias 16 e 17 de Maio de 2017 [programação completa, aqui]. 

Informalidade – Essa palavra, utilizada aqui de forma positiva, é como melhor poderia ser descrito tal evento. Com o auditório do BDMG quase todo ocupado, composto por curiosos, passando por vários ouvintes vindos dos vários rincões de Minas, e alguns até de fora do estado, até os pesquisadores que estão lá para acrescentar aos seus trabalhos e/ou contribuir para a transformação da viola em patrimônio, desde o início percebi que aquele seminário seria diferentes dos tantos outros a que estou acostumado no ambiente acadêmico. No lugar das falas rebuscadas, carregadas de teorias e metodologias de pesquisa, aqui encontrei um ambiente destinado não só aos músicos, mas também a quem se interessa pelo tema presente. Violas, berrantes, rabecões, chapéus e demais vestuários típicos, entre outros, estiveram presentes junto com os ouvintes que ali estiveram. Não faltou música, é claro: antes de começar as mesas e nos intervalos, sempre houve vários dedilhando suas violas e arriscando interpretações de clássicos da música caipira. A informalidade que aqui coloco esteve presente também entre os palestrantes. Das três mesas do dia 17, somente a do turno da manhã se destinou a apresentações de pesquisas. Mas mesmo assim foi deixado de lado o rigor acadêmico, dando lugar a fala simples e coloquial dos palestrantes. Enquanto as do turno da tarde foram verdadeiras roda de conversa, onde as experiências pessoais contavam muito mais que os saberes científicos. Era o momento do encontro dos seis “fazedores de viola” na primeira roda, e dos violeiros consagrados na segunda: Téo Azevedo e Índio Cachoeira.

Improvisação – Sempre após os seminários/mesas (três no dia 17), o público presente se deleitava com canjas de viola. Muitas delas, fora da programação oficial, eram feitos em tom de improviso. Os violeiros do seminário da manhã resolveram cantar e tocar em conjunto a canção “Calix Bento”, adaptada a partir de um canto folclórico de Folia de Reis por Tavinho Moura, outros simplesmente puxavam o microfone para si e subiam ao palco para dedilhar e arriscar algumas canções. O que emocionou em todos esses momentos foi o fato dos violeiros se sentirem “em casa”, percebendo que aquele era seu espaço e que o público presente eram os seus típicos ouvintes do interior. João Raposo foi um deles: sua voz era pouco compreensível em sua canja improvisada, sem ensaio e aviso antecipado que iria tocar e cantar, mas isso não diminuiu sua apresentação. Pelo contrário, o que mais me emocionou e surpreendeu foi o seu desejo de contribuir não só com sua arte em fazer violas, mas também por mostrar que, mesmo sem dominar a “música”, faz parte desse universo que cada dia mais caminha para ser transformado em patrimônio estadual e nacional. E “improviso” também seja a melhor expressão pra explicar como o seminário “Violas: o fazer e o tocar em Minas Gerais” terminou: nas últimas canjas do dia todos foram convidados a participarem na plateia com suas vozes. Nesse momento foi apresentada para muitos ali presentes (eu, inclusive), a versão folclórica de Cálix Bento, chamada “Deus te salve casa santa”, com os tocadores e cantores parecendo que estavam em um típico cortejo de Folia de Reis. E nada melhor que terminar as canjas com uma canção composta por Téo Azevedo a partir de trechos do “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, e que foi extraída de uma compilação em disco chamada “Guimarães Rosa – Mineirada Roseana”.                                                            

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Nota do editor:
Para complementar a postagem, um pouco de música, claro!

TÉO AZEVEDO e a dupla VALDO e VAEL e a ORQUESTRA MINAS E VIOLA, apresentação no TEATRO BRADESCO



 Linda versão da maravilhosa dupla Pena Branca & Xavantinho para Cálix Bento:



Finalmente, uma versão telúrica de Deus te salve casa santa na voz de Clementina de Jesus: