Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.
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28 de abril de 2013

Sabe essa? O repertório de jazz em ação (Na estante especial)

Absolutamente fascinante a leitura de El jazz en acción (edição em espanhol de "Do you know...? The jazz repertoire in action" 2009, + infos. da editora aqui) do renomado Howard S. Becker (piano) e do também bem credenciado Robert R. Faulkner (trumpete), ambos acadêmicos e jazzistas com décadas de atuação nos palcos da vida. Nada melhor para reativar a coluna "Na estante" em edição especial, imaginando uma série de postagens com trechos do livro, comentários, e, obviamente, muito jazz. 
O texto flui como um disco de vinil cujos sulcos são profundos e deixam passar suavemente o cristal da agulha sem que a rotação tenha qualquer alteração, e dessa forma o tempo passa num outro ritmo enquanto o leitor se deixa ficar envolto na atmosfera dos clubes noturnos, no embalo das ondas do rádio, nas paisagens sonoras pintadas com habilidade de dois conhecedores do ofício, que combinam suas próprias experiências com as que recolheram através de entrevistas com 50 músicos. De quebra, seguramente uma fonte para enriquecer o repertório dos leitores, dada a quantidade espantosa de referências que surge com imensa naturalidade. É como se estivéssemos sentados com os autores em uma mesa de bar, ou então como se acompanhássemos, de camarote, intermináveis jam sessions e virtuosos improvisos.  O grande defeito desse livro é não ter sido publicado 10 anos antes, quando teria me influenciado decisivamente na escrita da dissertação (risos). De fato eu conhecia o Art Worlds do Becker, mas aqui encontrei concatenadas e expressas de uma forma brilhante várias percepções que me ocorreram sobre como os músicos populares fazem música mas que não tive como expressar para além de algumas mal traçadas linhas. Esse livro, que espero seja em algum momento publicado no Brasil, já nasceu indispensável para quem se interessa por música popular, e, evidentemente, jazz. Mas, igualmente, para cientistas sociais, historiadores, ensaistas e críticos que terão aqui a possibilidade de ser atingidos em cheio por seus inúmeros "insights" metodológicos. É por essas virtudes todas que o livro será debatido em seções quinzenais do Centro de Convergência de Novas Mídias, grupo de pesquisa da UFMG do qual faço parte.
Uma passagem que particularmente me interessa, no contexto em que discute as diferentes formas de apreensão do repertório por parte dos músicos, diz assim:

A música gravada, bem como a música impressa, permite conservar os temas e recuperá-los. Enquanto o objeto físico  (partitura ou gravação)  segue existindo, um músico empreendedor poderia encontrar o tema, aprendê-lo, tocá-lo e ensiná-lo a outros. Assim conservada, sempre pode entrar no repertório vivo dos outros. 

A tradição portanto adquire sentido na medida em que é apropriada, usada, e obviamente, modificada por novas performances, novos arranjos, novas interpretações. A cultura faz das coisas sempre outras coisas, e o que está conservado ao circular ganha sentido e se transforma, necessariamente deixando um estado "estático", "morto", para ser posto em movimento. Me ocorreu imediatamente a forma como nos aproximamos de repertórios e artistas a partir da forma como estão reapropriados numa obra que já é nossa conhecida. Teria aqui exemplos mil. Mas parei os olhos na menção que Becker faz à canção "Memphis in June" de Hoagy Carmichael, cantautor que conheci primeiro graças à primorosa versão de George Harrison para a sua Baltimore Oriel, com letra preciosa de Paul Francis Webster. 


Memphis in June 


Baltimore Oriel, interpretada por Barbara Lea 


Baltimore Oriel, com George Harrison

8 de janeiro de 2012

Confirmado o título do novo álbum de Paul McCartney

[Paul confirms brand new album title and reveals full tracklisting and artwork]
O site oficial divulgou ainda a lista de faixas e a arte da capa (acesse aqui), trazendo ainda a explicação para o título, tal como já havia dado aqui no blog (ver aqui ou here). A novidade é a aparição de Baby's Request (provavelmente em nova gravação), como um dos bonus na edição de luxo, justamente uma das suas composições que mais dialogam com o repertório escolhido para o disco. Adoro, pena estar meio escondida no obscuro "Back to the egg", derradeiro LP dos Wings...Esse filminho acho divertido, foge do óbvio.

28 de dezembro de 2011

Título em pauta: uma pequena investigação

Definitivamente, os instintos de um historiador nunca entram em férias. Quando recebi de meu amigo e grande conhecedor dos Beatles Guilherme Lentz a notícia de que o novo álbum de standards de Paul McCartney se chamaria Kisses on the bottom, fiquei curioso. Ainda mais pelas conotações que tal título poderia ter, muito inusitado em se tratando de alguém tão zeloso em ser politicamente correto como o Paul. Como não estou muito ocupado mesmo por esses dias resolvi fazer uma pequena investigação. Matei a charada: o título é extraído da letra (de Joe Young) da 1a. canção do repertório do disco, I’m Gonna Sit Right Down and Write Myself a Letter. Numa leitura ingênua trata-se do verso (bottom) da carta, mas a canção foi banida em alguns estados norteamericanos em 1936, quando foi gravada pelas Boswell Sisters (trio vocal de irmãs criadas nos arredores de Nova Orleans) [para ver a postagem que consultei, aqui]. O Westrow Cooper, do blog que encontrei, atenta para o emprego do duplo sentido nas letras dos musicais da Broadway. Basta lembrar o Let's do it do Cole Porter. O Pedro Munhoz já tinha comentado isso, quando falamos das alterações moralistas feitas pelo Sinatra. No que será que McCartney estava pensando?
Outra curiosidade, a escolha do título do álbum -uma verdadeira arte, diga-se de passagem- foge das fórmulas mais óbvias, e me recordou imediatamente de um outro sacado dessa mesma maneira pelo Paul, Flowers in the dirt(de um verso da canção That Day Is Done), que aliás é dos melhores títulos de disco dele.
(english version)
Em tempo, a versão das irmãs Boswell, provavelmente a gravação que ele ouviu na infância: Link

22 de dezembro de 2011

Paul e os standards da canção norteamericana

Impressionante, independente de alguns tropeços eventuais, a vitalidade e produtividade de Paul McCartney. Hoje foi lançada My Valentine, uma das duas autorais que se juntarão a outras várias versões de canções que Paul ouvia na infância e faziam parte do repertório do grupo local em que tocava seu pai. Com esse novo álbum, ainda sem título (leia mais aqui) , que sairá em fevereiro de 2012, uma faceta bem marcante da personalidade autoral do McCartney será mais bem iluminada, essa ligação com standards da canção norte-americana, com artistas como Sinatra e Fred Astaire. Outro detalhe que promete é a abordagem na gravação, inédita, pois ele só (só?) canta! Participações relevantes de Diana Krall, Stevie Wonder e Eric Clapton (solando na faixa divulgada).
Pra dar um gostinho do que vem por aí...
My Valentine - Paul McCartney by PaulMcCartney Essa foi justamente dedicada a Fred Astaire. Shall we dance?
Essa Paul compôs pensando em nada mais nada menos que Frank Sinatra, mas dizem que "The Voice" a rejeitou por causa do título...