Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

10 de fevereiro de 2011

Exercer as preferências, exercitar a crítica

Uma das propostas iniciais do blog era ser um espaço para discutir questões de gosto, sem reservas. Exercer as preferências, exercitar a crítica. Pra começar, na sequência da postagem anterior, coloco em debate: qual a melhor versão* de Reza (Edu Lobo/Ruy Guerra)?
Edu Lobo http://www.youtube.com/watch?v=6c8WU9-PGV0&feature=fvw
Quarteto em Cy http://www.youtube.com/watch?v=Wf3SQpDorTE
Elis Regina http://www.youtube.com/watch?v=n5EtYfZVYM4
*Além das que postei aqui, há outras. Os comentadores ficam desde já convidados a incluí-las, se possível com o respectivo link.

8 de fevereiro de 2011

Persistência premiada

Assim como muitas canções populares, que podem demorar anos entre o momento da composição e o primeiro registro em disco, alguns artigos escritos por um pesquisador também podem "rodar" um bocado até que, por uma razão ou outra, sejam publicados. Tive, outro dia, a grata surpresa de descobrir que um artigo do qual já tinha até esquecido iria ganhar páginas impressas (especialmente agora que muitos periódicos estão passando a existir apenas em formato digital). Verdade que o apresentei, em versão resumida, no encontro regional da ANPUH/MG em 2008. Mais curioso foi constatar quantas voltas a vida deu desde que o escrevi, em 2007, e ainda dava aulas no UnilesteMG. De lá sai naquele mesmo ano, fiquei os 2 anos seguintes sem lecionar, mas pesquisando muito, em 2010 mudei de cidade, saí do Museu em que trabalhei por 8 anos e fui parar em Governador Valadares para uma breve mas marcante passagem pela Univale, em outubro do mesmo ano assumi na UFMG e agora, já de volta a BH, vou receber a cópia da revista em meu novo endereço! Ufa! Bem, e afinal de contas, era sobre o que mesmo o artigo?
Segue o resumo, do jeito que escrevi em 2007...

“Vou cantar para ver se vai valer”: a configuração da categoria MPB no repertório das intérpretes (1964-1967)

A proposta deste artigo é investigar a configuração da categoria MPB através da análise de práticas musicais e escolhas estéticas realizadas por cantoras que participaram do momento de sua elaboração inicial, ocorrido num contexto de importantes transformações na história da música popular brasileira: a revisão crítica do projeto modernizador lançado pela bossa nova e a efervescência dos embates em torno do “nacional” e do “popular”. Para tanto, considero a sigla MPB, criada em meados dos anos 1960, como signo em aposta (SAHLINS), que deve ser abordado no contexto de sua elaboração e uso, e não como expressão sinônima de “música popular brasileira”. Um exame do repertório em disco de cantoras como Nara Leão, Elis Regina, Maria Bethânia, Flora Purim e Gal Costa, entre 1964 e 1967, mostra um leque de escolhas que revela intercâmbios e ajuda a entender o ecletismo que cerca o emprego da emergente categoria.