Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

31 de janeiro de 2012

A estrela de Ringo versão 2012

Ringo Starr lançando seu novo álbum, Ringo2012. Entrevista bem bacana para o USAToday, Ringo descontraído como de costume, fala de sua próxima turnê com a AllStarr Band, do disco, das canções que tem feito sobre Liverpool, de sua forma de compor, de sua defesa dos ideias sessentistas de "paz e amor" e dos Beatles, claro. Entre os destaques, o ponto em que ele menciona a visita de Stewart Copeland (ex-The Police) em um de seus shows no Brasil ano passado e agradece o elogio que o colega baterista fez à banda. Bem legal também quando Ringo menciona a apropriação das músicas dos Beatles pelas gerações mais novas pela internet sem se prederem aos álbuns, e confessa que também fez as suas seleções, já que tem tempo pra isso (risos). Fala ainda de seu processo de criação, sobre o difícil começo com Don't pass me by, naturalmente intimidado no meio dos outros Beatles, e até conta alguns pormenores da composição de Back off, bugaloo. Por fim, explicando suas decisões sobre o novo álbum, mandou uma daquelas frases dele, "when it's me it's me" (quando sou eu, sou eu). É claro que é. 

P.S. 2019
O link original partiu-se. Encontrei outra entrevista da mesma época. Improvável recuperar a anterior.

28 de janeiro de 2012

O burguês e a marchinha

Em pleno aquecimento para o carnaval, uma iniciativa pra lá de interessante, que incluiu uma homenagem pra lá de justa, o Concurso de Marchinhas Mestre Jonas, que vai selecionar as melhores para o baile da Banda Mole em BH, acabou tendo um desdobramento de ordem política. Ontem o compositor belorizontino Flávio Henrique [na foto, ao lado de Juliana Perdigão defendendo a marchinha no concurso] foi obrigado a retirar da internet, sob ameaça de processo por parte do vereador Léo Burguês(PSDB), presidente da Câmara Municipal, sua composição Na coxinha da madrasta(lanche do burguês). Como diz a matéria do jornal Super, "era para ser uma brincadeira de Carnaval". Mas a coisa ficou séria e o compositor recebeu o seguinte recado: "O advogado me disse que a marchinha estava causando dano moral ao vereador". A reação do dito vereador é desmedida e descabida. Afinal de contas, não é o primeiro e muito menos o último político a ser satirizado. Trata-se de tradição salutar que dá fôlego à crítica através de expressões culturais centrais em nossa vida social, a ser defendida sempre. Numa democracia, todo aquele que assume a vida pública (hoje confundida com a deplorável expressão "carreira política") deve estar preparado para o julgamento público e político de seus atos. O assunto de que trata a letra da marchinha já estava plenamente noticiado e o que cabe ver na Justiça é a correção ou não dos atos do vereador, que de acusado quer passar a vítima. Além do mais não há uma menção direta, citação de nomes, nada que permita abrir qualquer acusação. A ameaça não passa de um abuso, digno de repúdio. E o fato é que, infelizmente, o autor não se sente suficientemente resguardado em nossa "atmosfera jurídica", o que mostra que há muito a fazer até que possamos dizer que todos os nossos direitos estão de fato assegurados. Mas não pode haver silêncio, sob pena de dar poder a esse tipo de ameaça sem embasamento. O ônus do vereador deve-se a seus próprios atos, a serem julgados nas devidas instâncias, e pelos cidadãos nas urnas. A música popular, mais uma vez, representou para nós um espaço de liberdade, do qual não podemos jamais abrir mão. O gesto censor, no atual contexto, é autoritário mas também tolo, pois só fará aumentar a repercussão e circulação da marchinha, que aliás é muito bem feita. E essa historieta ainda há de ser contada, com ares anedóticos, começando assim: era uma vez, um certo burguês...quer que eu te conte outra vez?



P.S. 2018 -  

Num tempo relativamente curto os links se quebram, as fontes somem, as imagens se esvaem. Essa fragilidade acaba tornando a internet - aparentemente um arquivo infalível e inesgotável - um prato cheio para a prática do esquecimento. Nos últimos anos a atenção pública para este fenômeno aumentou, como demonstram as discussões sobre pós-verdade, fake news, etc.
Numa intensidade diferente isso também representa um problema para a construção dos patrimônios culturais, à medida em que se confie cegamente em digitalizações, nuvens e afins. Estamos, particularmente no Brasil, engatinhando no que diz respeito a preservar para as gerações futuras o que é significativo de algum modo para compreender nosso tempo e foi criado e circula em meio digital.
Sempre penso nisso quando busco alguma postagem antiga do meu blog, como ia fazendo agora.
Quis recuperar a postagem - uma das que mais foi vista dentre todas que já fiz, "O burguês e a marchinha" - motivado pelo carnaval e também pela lembrança ao nosso agora saudoso Flávio Henrique, autor de várias pérolas e também dessa inesquecível marchinha, que justamente venceu o concurso [aqui]. Sua relevância no contexto de transformação do carnaval de rua em BH nessa década é inconteste. Apesar dos links 'caídos', o texto está intacto. Tentei recuperar ou substituir o que foi possível.

26 de janeiro de 2012

Ebony and Ivory, Certas Canções e encontros da música popular

A parceria entre Paul McCartney e Stevie Wonder, reavidada agora no novo álbum do primeiro (ver matéria), rendeu o marcante hino anti-racista Ebony and Ivory, há 30 anos. Bela faixa que fecha o lado B de Tug of War, um dos melhores discos da carreiro solo de McCartney, tem como uma de suas particularidades o fato de que tudo na gravação foi executado pelos dois (Paul canta, toca baixo, guitarra, percussão, piano e sintetizadores; Stevie canta, toca piano elétrico, sintetizadores, bateria e percussão). Coisa de músicos com M maíusculo. Foi dessa mesma forma que Paul gravou The ballad of John and Yoko com Lennon em 1969. Lembro  de ver o "videoclip" de Ebony and Ivory quando foi lançada em 1982, acredito que seja um dos primeiros de que eu me recorde com nitidez.
 
Numa entrevista dessas que a gente lê quando está pesquisando e lê absolutamente tudo que possa ter alguma coisa que ver com o que a gente pesquisa, li um comentário do Milton Nascimento sobre essa canção. Ele conta que quando a ouviu pensou na hora "como não pensei nisso?! Ébano e marfim, as teclas do piano juntas, e nós não...". E dessa sensação nasceu Certas canções, parceria dele com Tunai (gravada no mesmo ano no álbum Ânima) que começa assim...



"Certas canções que ouço Cabem tão dentro de mim
Que perguntar carece
Como não fui eu que fiz?"

Assim é feita a música popular, de encontros que atravessam o tempo e o espaço.

25 de janeiro de 2012

Reflexões: Parcerias improváveis ou a química misteriosa de c...

"Grandes momentos do rock nasceram de parcerias improváveis. Conflitos de ego e estilo resultaram em uniões tensas, mas que conseguiramfazer trabalhos memoráveis e me fazem pensar sobre a química que ali existiu.(...)"
 Excelente texto no blog de meu amigo Renato Ruas, confiram lá!
Reflexões: Parcerias improváveis ou a química misteriosa de c...

Como nasce um disco...McCartney's "Kisses on the bottom"

Paul McCartney e o produtor Tony LiPuma contam como nasceu o disco "Kisses on the bottom", novo trabalho de Paul. Eles falam da concepção original, da escolha do repertório, dos músicos e do processo de gravação. A conversa gira em torno da ideia de não seguir à risca os clichês de álbuns de standards que foram gravados recentemente por outros artistas, enfatizando uma abordagem mais espontânea. Obviamente, isso é pra quem pode. Um dos pontos que o relato destaca é a atuação de Paul essencialmente como intérprete, envolvendo nisso sua relação com os outros músicos, com o produtor e o modo com que abordou as canções e até como se relacionou com "o microfone de Nat King Cole". Muito relaxado, McCartney conta que chegou a dizer a Diana Krall, durante as gravações, que estava se sentindo "em férias". Ouvindo o disco o ouvinte também se sente assim! Segue o vídeo:

24 de janeiro de 2012

A música segundo Tom Jobim

Maestro soberano, para Tom Jobim homenagens serão sempre insuficientes. Difícil imaginar o que seria a música brasileira e mundial sem a sua marca. Como ainda não fui ver o filme (aqui site oficial) vou só adiantando que pelo Tom, pelos comentários e pela direção (Nelson P. dos Santos, tendo ao lado Dora Jobim) é mais que recomendado. Pelo que entendi não há diálogos, ou texto, apenas a música alinhavada a partir do fio condutor da carreira de Tom Jobim, proposta instigante que foje do esquema de documentários com depoimentos. Depois que ver prometo encrementar a postagem com uma resenha completa, enquanto isso que for vendo pode ir comentando aqui.

As voltas que a história dá...

Já faz um tempo que não posto nada sobre revistas, essa fonte tão importante para o pesquisador da música popular. Trabalhei com muitas durante minhas pesquisas, desde semanários como Veja, Visão, Isto é, que em algum ponto da década de 1970 começaram a trazer seções com resenhas de discos, e de quando em vez alguns artigos. Publicações que já eram tradicionais e tinham público amplo, como O Cruzeiro, ou direcionadas a um público restrito e intelectualizado, como Civilização Brasileira e Cultura Vozes. E depois, as voltadas mais diretamente para música popular, como NME ou Rolling Stone. Um dia descobri que também encontraria alguma coisa em revistas do tipo Fatos & Fotos, e até Tititi, com muitas imagens e pouco texto, com a ressalva que é preciso triar muito no meio de bastante baboseira, fofocas, etc. E hoje me aparece essa capa de Capricho...

Caminhos da inspiração: literatura e música popular

A literatura é uma grande fonte de inspiração para a música popular. No Brasil essa conversa se aprofunda, de tanto que se emaranham os caminhos da inspiração entre as duas. Chico musicou um trecho de Morte e vida severina... Milton e Caetano fizeram A terceira margem do rio...
E eu fiz a letra dessa música do meu parceiro Pablo Castro, inspirada na história protagonizada pelo Capitão Ahab e a baleia branca. Como o livro, a canção se chama Moby Dick. Se deixar vou passar fácil dos "dois dedos de prosa", mas hoje não tem como me demorar.Depois voltarei ao tema com tempo mas fica aqui o espaço para quem quiser contribuir lembrando de mais alguma música inspirada em livros, peças, poemas, etc...

23 de janeiro de 2012

Rita Lee, uma desbravadora

Acabo de ler a notícia da aposentadoria em shows de Rita Lee. O momento é digno de registro. Roqueira pioneira, grande compositora, intérprete de estilo inconfundível e forte presença de palco, conquistou com todos os méritos o posto de "rainha do rock brasileiro". Levou, até agora, a vida pessoal conturbada condizente com o título. Já faz algum tempo que não lança disco de inéditas e sua parada parece mesmo ser oportuna. 
Como aqui venho colocando material relativo ao ano de 1976, separei alguma coisa dela deste período, quando era acompanhada pela banda Tutti Frutti. Uma apresentação na extinta TV Tupi, uma faixa do LP Entradas & Bandeiras, lançado naquele mesmo ano, com um trecho da letra da canção, Corista do rock (R.Lee/L.Carlini)

"Disseram que o palco não é mais aquele lugar
Mas do jeito que a gente me olha de frente
Como eu vou parar?
Pois eu sou corista num grupo de rock
Que tem pra valer
Um ponto de vista que não se limita
De ser ou não ser
Prefiro ser os dois(...)"


e pra fechar uma versão de Para Lennon e McCartney (Lô Borges/Márcio Borges/Fernando Brant), do show homônimo do disco. Ave Rita Lee!

21 de janeiro de 2012

Famigeradas listas e a questão do gosto

Ah...as famigeradas listas. Estão sempre por aí...quando o assunto é música então, nem se fala. Confesso que não me apetecem muito, embora eu tenha mudado um pouco meu humor a respeito depois de assistir Alta fidelidade algumas vezes. Preguiça total só daquelas estilo billboard, "as mais mais", "parada de sucesso", top 10 disso ou daquilo, no rádio, na televisão, etc. Mas são dados importantes para se fazer um raio-x do gosto num mundo de meios massivos, como comecei a perceber principalmente depois dos primeiros contatos com a obra do sociólogo Simon Frith. Aliás, para quem quiser estudar música popular recomendo, especialmente, Performing rites. Uma das coisas que mais atrai no trabalho de Frith é que ele conciliou a vida acadêmica com a atuação como crítico em jornais então seus textos articulam muito bem esses dois campos de experiência. 
Uma palhinha dele:
"A música constrói nosso senso de identidade através das experiências que oferece do corpo, do tempo, da sociabilidade, as quais permitem que nos posicionemos em narrativas culturais imaginativas" (p.275)
Por sinal, é justamente um dos caras responsáveis por tornar a música popular um objeto de estudo levado à sério na academia. Mas nada de levar tudo tão à sério. Encontrei, por exemplo, essa lista "As mais tocadas no rádio em 1976" (ainda bem que alguém se deu ao trabalho de fazê-la) mas confesso que estou sem paciência para extrair alguma coisa dessa aí...mas vale pela curiosidade que as listas, mesmo as mais famigeradas, despertam.

Cálice na Phono 73 e hoje

Pois é, já que estava justamente pensando na re-significação das canções...Com essa história de embarreirar a internet muita coisa vem à cabeça. Numa visão simplista parece que há dois lados, quando se trata de interesses políticos e comerciais que estão articulados de forma complexa e que, se estão em momentâneo desacordo, poderão estar novamente acomodados no futuro. Não quero com isso negar os conflitos que decorrem das possibilidades oferecidas pela rede mundial de computadores, mas refletir sobre o que estão de fato a defender certos "arautos" da liberdade como Google ou Facebook. Lembrei-me de quando pesquisava a censura no Brasil da ditadura e li num trabalho de fins da década de 1970 sobre o assunto:
“Atualmente a censura é feita sobre a letra, o que não causa prejuízo financeiro como antes quando a música gravada era censurada. Para chegar até essa situação foi necessário que as gravadoras interviessem e demonstrassem os prejuízos financeiros que sofriam.” 
[ALVES, Magda M. Autoritarismo e censura no Brasil: notas preliminares de pesquisa(póstuma). Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, Mestrado, 1978. p.90]
Assim, como eu escrevi na minha dissertação a "(...)censura deveria ainda compatibilizar sua função política com o interesse do regime no crescimento dos meios de comunicação de massa e garantir o lucro de seus donos privados nacionais e estrangeiros". Dialeticamente, era justamente isso que garantia aos músicos populares espaço para o enfrentamento da censura e do regime de modo mais amplo, não sem desgastes de toda ordem. Ou seja, em resumo, por mais que tentem, não podem de fato calar a boca das pessoas. É disso que nos fala Cálice (G. Gil/C. Buarque), canção composta inicialmente para a Phono 73 (confira notas de Humberto Werneck , Jairo Severiano/Zuza H. de Melo e Heloísa Tapajós). Apesar de já conhecer os relatos, o impacto maior veio quando assistia (graças a mais um generoso compartilhamento da minha orientadora - valeu Lena!) ao DVD e ouvi os CDs lançados em 2005, quando fazia a pesquisa do doutorado (matéria da Ilustrada sobre o evento e o lançamento do DVD/CD). Assim, tomo de empréstimo as palavras e a música de Gil e Chico, e sua performance emblemática, pra dizer que os donos do poder e do dinheiro não irão calar, não irão impedir quem quiser curtir e compartilhar, seja como e onde for, senão "arroz à grega laialaraiá"...





P.S. Cálice 2014
Acabei de assistir o vídeo do show da Joan Baez - figura de proa da canção engajada estadunidense e mundial - de tantas formas emblemático agora, com tudo que acontece por esses dias, pela premência de questões políticas, pela amarga efeméride de 50 anos do golpe,  considerando o fato de que seu show anterior no Brasil, à 33 anos, foi cancelado pela arbitrária ditadura que então assolava o país [ver matéria da Folha S.P.; de O Globo]. Ao vê-la dividindo o palco e o canto com Gil e Milton, só posso pensar que esse encontro de vozes e trajetórias é forte no que assinala no passado e no presente, que é o poder das canções, muitas vezes para além do momento de sua feitura, de tanger as cordas do violão do mundo e fazê-lo vibrar. Assista aqui 

P.S. Cálice por Gilberto Gil [de sua página no facebook]

"A Polygram queria fazer um grande evento com todos os seus artistas no formato de encontros, e foi dada a mim e ao Chico a tarefa de compor e cantar uma música em dupla.

"Era semana santa e nós marcamos um encontro no sábado no apartamento dele, na Rodrigo de Freitas (a lagoa referida, aliás, por ele na letra). Eu pensei em levar alguma proposta e, um dia antes, no fim da tarde, me sentei no tatame, onde eu dormia na ápoca, e me pus a esvaziar os pensamentos circulantes para me concentrar. Como era sexta-feira da Paixão, a idéia do calvário e do cálice de Cristo me seduziu, e eu compus o refrão incorporando o pedido de Jesus no momento da agonia. Em seguida escrevi a primeira estrofe, que eu comecei me lembrando de uma bebida amarga chamada Fernet, italiana, de que o Chico gostava e que ele me oferecia sempre que eu ia a sua casa.

"No sábado não foi diferente: ele me trouxe um pouco da bebida, e eu já lhe mostrei o que tinha feito. Quando, cantando o refrão, eu cheguei ao 'cálice', no ato ele percebeu a ambiguidade que a palavra, cantada, adquiria, e a associou com 'cale-se', introduzindo na canção o sentido da censura. Depois, como eu tinha trazido só o refrão melodizado, trabalhamos na musicalização da estrofe a partir de idéias que ele apresentou. E combinamos um novo encontro.

"Ele acabou fazendo outras duas estrofes e eu mais uma, quatro no total, todas em oito decassílabos. Dois ou três dias depois nos revimos e definimos a sequência. Eu achei que devíamos intercalar nossas estrofes, porque elas não apresentavam um encadeamento linear entre si. Ele concordou, e a ordem ficou esta: a primeira, minha, a segunda, dele; a terceira, minha, e a última, dele.

"Na terceira, o quarto verso e os dois finais já foram influenciados pela idéia do Chico de usar o tema do silêncio. O termo, alías, já aparecia na outra estrofe minha, anterior: 'silêncio na cidade não se escuta', quer dizer: no barulho da cidade, não é possível escutar o silêncio; quer dizer: não adianta querer silêncio porque não há silêncio, ou seja: não há censura, a censura é uma quimera; além do mais, 'mesmo calada a boca, resta o peito' e 'mesmo calado o peito, resta a cuca': se cortam uma coisa, aparece outra. "Aí, no dia em que nós fomos apresentar a música no show, desligaram o microfone logo depois de termos começado a cantá-la. Tenho a impressão de que ela tinha sido apresentada à censura, tendo-nos sido recomendado que não a cantássemos, mas nós fizemos uma desobediência civil e quisemos cantá-la."

20 de janeiro de 2012

You belong to me - uma canção, vários tempos

Acompanhar uma canção através do tempo, tendo contato com diversas gravações e intérpretes, além de ser um exercício instigante, é um estímulo à sensibilidade musical e histórica. Contrastando versões, é possível aprender muito sobre mudanças nos estilos de interpretação, nas concepções de arranjo, nas tecnologias de captação de som, e como estão relacionados a uma dada época, a um contexto específico que influencia a produção, a circulação e a recepção da canção em questão. Algumas delas passam de geração em geração, e mesmo que evoquem sentimentos parecidos, são sempre re-significadas diante de situações novas, e lhes dando, como disse meu caro amigo Pedro Munhoz (colaborador dessa postagem), novo fôlego. Uma singela canção como essa - You belong to me ( Pee Wee King, Chilton Price, and Redd Stewart) - atravessou mais de meio século, nas vozes de artistas tão diferentes quanto Sue Thompson (a 1a. a gravá-la em 1952), Jo Stafford (versão de maior êxito comercial, chegando ao topo das paradas nos EUA e Reino Unido, ainda em 1952),  Patsy Cline, Bob Dylan, Judy Garland, Ella Fitzgerald, Ringo Starr, Carla Bruni e Rose McGowan (que a canta na abertura do filme Planeta Terror, de Robert Rodrigues).
Embora a canção seja do início dos anos 1950, o Pedro comentou que o ápice da carreira da Jo Stafford foi durante a Segunda Guerra (ela chegou a cantar para os soldados, explica). Daí percebi que a letra remete a um enredo de aventura, exploração, viagem, que é bem a 2a. Guerra mesmo (vista por um prisma romantizado, lógico) como se a cantora falasse para o soldado, você está ai, vendo o mundo, mas lembre-se, você pertence a mim. Basta ler os 1os. versos:

See the pyramids along the Nile
Watch the sun rise on a tropic isle 
Just remember darling all the while
You belong to me

Resolvi apurar, porque muitas vezes a canção pode ser composta num momento e gravada depois. Na mosca. Descobri que a autora original foi Chilton Price, que trabalhava numa rádio do Kentucky, junto com King e Stewart. O título então era "Hurry home to me" (a métrica é a mesma) e era justamente um pedido para o amado soldado voltar pra casa. Enquanto Price era uma compositora amadora, os outros eram músicos já estabelecidos mercadologicamente. Não fica claro pelas fontes se chegaram a realizar mudanças, apenas que não deve ter sido nada digno de nota, e que os créditos vieram por terem se ocupado da divulgação da canção, como se depreende do depoimento da autora ao Cincinatti Post em 2002. Price não guarda mágoa, relatando que os outros dois lhe proporcionaram um alcance que não teria sozinha. Sua postura generosa, no entanto, não abona a incorreção que é preciso corrigir, e também revela um dos grandes vícios da indústria fonográfica quando se trata de autoria. Esse é um padrão generalizado, inclusive em tintas bem mais turvas, como ocorria na compra de alguns sambas.
Seja como for, modificada a canção fez sucesso nos anos 1950. Vale considerar que a partir daí os EUA mantiveram tropas estacionadas em todo o globo em razão da Guerra Fria. Mas parece mais justo entender que a letra poderia ser apropriada fora do momento que a inspirou. Podemos imaginar como essa canção foi passeando "de ouvido em ouvido". Da leitura country da Patsy Cline, por exemplo, pode ter derivado a versão do Dylan, sugere o Pedro. Eu a conheci cantanda pelo Ringo, num momento em que me interessava muito mais o repertório dele do que essa arqueologia das gravações esboçada agora. Outro caminho passa pelo cinema, já que ela foi definitivamente incorporada ao repertório de Hollywood... além de Planeta Terror, Pedro recorda que a versão do Dylan está em Assassinos por Natureza, do Oliver Stone, e por aí vai. Interessante que a versão do Ringo busca "atualizar" a canção, no início dos anos 1980, enquanto a cantada por McGowan tem uma arranjo "retrô", mas insere altas doses de sensualidade, uma vez que sua personagem era uma stripper (numa espelunca, lógico). Para encerrar, não inseri todos os vídeos aqui para não sobrecarregar, basta clicar no nome do intérprete que o link fará o resto (ao menos por enquanto...).


19 de janeiro de 2012

Elis e Milton, juntos em Caxangá (grandes encontros IV)

Já estava nos planos colocar na série "grandes encontros" alguma coisa sobre Elis e Milton, e aproveitando o ensejo faço também homenagem na ocasião em que se completam 30 anos da morte dela. Muita coisa a ser dita sobre cada um desses dois, e dos dois juntos outro tanto. Caso sério. Mas uma história curiosa, que o Milton vira e mexe conta nas entrevistas, é de quando se cruzaram nos corredores da TV Excelsior, durante o festival Berimbau de Ouro, ele timidamente passou sem falar com ela e Elis vira e dispara "Escuta mineiro, não tem educação não?", e depois da carraspana o convida para ir à casa dela tocar uma canção dele que o ouvira tocar numa festa alguns anos antes. Milton se espanta quando ela começa a cantar a tal canção (Aconteceu) e diante disso ela explica "Memória, meu caro, memória". Uma história amena, mas que diz muito da personalidade dos dois e também marca o pontapé inicial de uma dobradinha que deu vários frutos.
Um desses foi a gravação de Caxangá, canção que cruzou os anos 70, mudando de letra e sendo censurada (depois vou contar melhor essa história). Esse vídeo, de um especial de televisão, foi gravado em 1976:

18 de janeiro de 2012

Acesso a arquivos e música popular

O acesso a arquivos é crucial para ampliar nosso conhecimento e apreço pela música popular.  Com a cortesia de meu caro amigo Renato Ruas, seguem os links para notícias sobre a digitalização de parte do acervo pessoal de Paul McCartney (aqui) e da abertura dos arquivos do Rock and Roll Hall of Fame (aqui). Além de serem fontes importantes para a história de um artista único ou um gênero musical, representam um patrimônio a ser preservado, divulgado e pesquisado. Embora a digitalização seja uma ferramenta importante que agrega novas possibilidades de consulta e estudo, acredito que a consulta aos acervos físicos guarda possibilidades cognitivas e afetivas relevantes e deve continuar a ser promovida por governos, instituições, pesquisadores, colecionadores e apreciadores em geral.



16 de janeiro de 2012

Gracias a la vida, Volver a los 17 em 1976

Em 1976 o espetáculo “Falso Brilhante” [o LP foi remixado pela Trama em 2007], de Elis Regina, com recorde de público, foi considerado “o show do ano”. Um dos maiores sucessos de sua carreira, permaneceu por um ano e meio em cartaz no antigo Teatro Bandeirantes. Uma das canções do repertório era Gracias a la vida, mais uma obra-prima de Violeta Parra consagrada na voz de Mercedes Sosa, mas que na de Elis também encanta.

 Aliás, não por acaso, foi em 1976 que Mercedes Sosa tornou-se mais conhecida no Brasil, ao gravar Volver a los 17 em um maravilhoso dueto com Milton Nascimento no disco "Geraes". Adiante falarei mais desse encontro e também desse disco importantíssimo na carreira de Milton e na história da música popular lationoamericana. Por agora basta o prazer de assisti-los...

Hermetismos pascoais - documentary on Hermeto Pascoal

Documentário despretensioso, bastante divertido e que a gente assiste sem sentir que o tempo está passando. Momentos muito singelos e curiosos nesse pequeno mergulho na "rotina imprevisível" de Hermeto Pascoal, o cara que, como diz em algum ponto o Guinga, seria o emissário da Terra se fosse necessário enviar apenas um represetante de nossa musicalidade para um contato com inteligências interplanetárias. Vale como pequena excursão ao mundo do criador livre daquilo que ele mesmo define como "música universal". Salve Hermeto Pascoal! [produzido pela STV]


Unpretentious documentary, amazing to watch, you'll feel time is not passing away. Simple and curious moments in this close look at the " unpredictable routine" of Hermeto Pascoal, the guy who, as pinpoints Guinga, would be Earth's emissary if it would be necessary to send only one representative person of our musicianship to make contact with interplanetary intelligences. Worth as a short excursion into the world of the free creator of what he calls "universal music". Long live Hermeto Pascoal! [produced by STV/Brasil, with english subtitles]

15 de janeiro de 2012

Grandes encontros na música popular III

Muitos e bons frutos rendeu a parceria entre Chico Buarque e Francis Hime. Entre tantas vale citar  Pivete, Atrás da porta, Vai passar, Trocando em miúdosPassaredo e Meu caro amigo, as duas últimas além de tudo gravada justamente em 1976, figurando no ótimo LP Meus caros amigos, em que Hime participou ativamente, como compositor, arranjador e pianista. Escrita como uma carta cantada endereçada ao teatrólogo Augusto Boal, então exilado em Lisboa, a canção descasca com argúcia e ironia o cotidiano de quem por aqui "segurava o rojão" da ditadura militar. Como o próprio Chico afirma numa entrevista concedida a Geraldo Leite na rádio Eldorado em 1989, "(...) a luta contra a censura, pela liberdade de expressão, está muito presente nesses cinco discos dos anos 70. São discos com a cara dos anos 70". Outro destaque na letra são os versos finais, extremamente pessoais. No todo, uma bela obra, muito bem arranjada e executada.



Destaque final, o depoimento de Chico no DVD Meu caro amigo, antes das imagens de arquivo, revela que foi com Francis que ele aperfeiçou suas habilidades como parceiro, pois até então considerava difícil por a letra em música alheia.

Um ano bom - 1976

O difícil de manter um blog é que às vezes as ideias para postagens se sucedem muito mais rápido do que a capacidade que temos de produzi-las. É enganadora a aparente agilidade que se tem de escrever, agregar arquivos de áudio, vídeo, textos alheios (com as devidas referências), etc. Meus planos para o "Massa Crítica MPB", enquanto estou em férias, eram e continuam ambiciosos. Aperfeiçoei muita coisa, melhorei o visual, incorporei ferramentas como o mapa de visitantes e agora a nuvem animada de marcadores. Mas a retrospectiva 2011 que queria fazer acabei adiando indefinidamente. Veio meu aniversário e por esses dias a moda de encontrar as músicas que estavam nas paradas no dia do nascimento das pessoas. Aí recebo um link com a classificação das paradas brasileiras desde 1904 (confesso que não tenho como estabelecer as fontes usadas pelo blog que elaborou, mas vale pela diversão). Enfim, a curiosidade de historiador (aquela que não tira férias...) foi me levando de volta a 1976, ano em que este que vos escreve veio à vida, e a uma série de materiais e temas para postagens.
Começo dizendo que em 1976, parece mentira mas Chico Buarque tocava mais que Roberto Carlos ("O que será" em 4°, "Meu caro amigo" em 5°, enquanto o 'rei' estava em 15°),  e a versão de "Olhos nos olhos" (apontada a melhor do ano no Globo de Ouro) de Bethânia era 22° enquanto a do Aguinaldo Timóteo (acredite se quiser) estava em 53°.

12 de janeiro de 2012

Primeiras gravações de som da história são recuperadas

Redação do Site Inovação Tecnológica - 11/01/2012 
Os primórdios da fonografia 
"Os discos Volta - gravados no Laboratório Volta entre 1881 e 1885 - são o resultado dos primeiros experimentos de gravação de sons, realizados por Alexander Graham Bell, Chichester Bell e Charles Sumner Tainter. São os precursores do fonógrafo, que seria inventado em 1877, e que, com pequenas modificações, sobreviveu até poucas décadas atrás, com os discos de vinil e os toca-discos. Ao final dos experimentos, os cerca de 200 discos foram cuidadosamente empacotados e doados ao Museu Smithsoniano - e, com poucas exceções, nunca foram tocados de novo." (...) "Essas gravações foram feitas usando vários métodos e materiais, como borracha, cera de abelha, vidro, folhas de estanho e latão, à medida que os inventores tentavam encontrar um material que mantivesse o som gravado," explica Carlene Stephens, que ajudou a decodificar os sons.
A restauração
"Os cientistas tiveram que desenvolver um toca-discos especial, uma espécie de robô, chamado Irene, capaz de girar os discos com cuidado e na velocidade adequada aos equipamentos de captura das imagens. A técnica óptica cria uma imagem de alta resolução de cada um dos discos que, a seguir, é processada para gerar um mapa topográfico da superfície, com seus sulcos e ranhuras. Um programa especial calcula o movimento de uma agulha - como as usadas para tocar discos de vinil - movendo-se entre as ranhuras do mapa digital. O resultado é um arquivo de som digital padrão. Como esperado, a qualidade do áudio experimental é muito baixa - assim como a retórica dos inventores: as gravações dizem coisas como: "Maria tinha um pequeno carneiro", "Hoje é 11 de março de 1885" e "Barômetro". Os pesquisadores agora planejam usar os equipamentos desenvolvidos durante a pesquisa para recuperar as gravações dos demais discos históricos, assim como de outras coleções de áudio mantidas por museus.

10 de janeiro de 2012

Os números da indústria da música e as formas de consumo

Não sou propriamente um pesquisador ligado em números, mas também não posso dizer que os ignoro por completo. Acabei de dar uma sacada no relatório da Nielsen e da Billboard para 2011, verdadeiro raio-x da indútria fonográfica no período, ainda que se deva considerar que é cheio de viéses, com sua lógica centrada nos padrões norte-americanos de consumo e sucesso (tudo está organizado em top ten, por exemplo, e geralmente no patamar dos milhões). Meu interesse foi despertado por essa pequena nota no Estadão (Venda de músicas volta a crescer), cujo tópico central é a superação das vendas de álbuns digitais em relação aos álbuns físicos. "Do total de álbuns vendidos, 50,3% são digitais. A venda de discos digitais atingiu 1,2 bilhão de unidades, um aumento de 8,4% em relação a 2010".  Outro dado notável é o aumento das vendas em vinil, atingindo 3,9 milhões. Nesse suporte o disco mais vendido foi Abbey Road, e o artista mais vendido a banda Radiohead.  A campeã dos números foi a cantora Adele (deixando para trás Lady Gaga e Justin Bieber), com 5,8 milhões de álbuns vendidos, sendo 1,8 em versão digital, a maior vendagem até hoje. E teve também 16 mil cópias vendidas em vinil. Sua canção  Rolling In The Deep obtve 5,8 milhões de downloads.  Outro dado interessante é que o aumento percentual maior é para os álbuns de catálogo "profundo" (os que estão há mais de 3 anos à venda).  O consumo de faixas digitais aparece claramente concentrado, na divisão de vendas por década, na música  produzida neste século (86%).  

Só com esse dado podemos ver que o consumo digital aponta para a lógica da faixa e não do álbum, mas os números mostram crescimento da venda de álbuns, incluindo digitais. Extrapolando o contexto do relatório, vale notar que as gravações chamadas de independentes no Brasil, que muitas vezes circulam por meio da internet, recorrem bastante a esse formato. Assim, o conceito de álbum ainda tem peso cultural entre quem produz e ouve música popular, resta saber até quando...

9 de janeiro de 2012

Alquimistas do som

 Um documentário sobre o experimentalismo na música popular brasileira, co-produção da TV Cultura e da TVPUC-SP, com direção de Renato Levi, roteiro de Fernando Salém e consultoria de Fernando Faro. Entremeando depoimentos atuais e imagens de arquivo, traz a palavra de músicos como Tom Zé, Egberto Gismonti, Arrigo Barnabé, Júlio Medaglia, Arnaldo Antunes e Lenine, comentando opções estéticas, obras, referências artísticas, contextos históricos e percepções sobre o tema. Além de seus méritos como material de consulta, especialmente pelas imagens históricas e depoimentos consistentes que agrega, destaco as reações dos músicos ao material de vídeo que iam assistindo à medida em que eram entrevistados. Lembra um pouco o formato do "Ensaio" (daí a mão do F. Faro), que é bem interessante. Agora, faço eco a alguns dos comentários que estão no YouTube, criticando seu caráter "paulistocêntrico/baianocêntrico" e algumas negligências (como ao Clube da Esquina) que para mim decorrem da reprodução do já desgastado discurso laudatório da bossa e do tropicalismo promovidos dentro da famigerada ideia de "linha evolutiva" da MPB. Mesmo com essa objeção, recomendo assitir:

8 de janeiro de 2012

Confirmado o título do novo álbum de Paul McCartney

[Paul confirms brand new album title and reveals full tracklisting and artwork]
O site oficial divulgou ainda a lista de faixas e a arte da capa (acesse aqui), trazendo ainda a explicação para o título, tal como já havia dado aqui no blog (ver aqui ou here). A novidade é a aparição de Baby's Request (provavelmente em nova gravação), como um dos bonus na edição de luxo, justamente uma das suas composições que mais dialogam com o repertório escolhido para o disco. Adoro, pena estar meio escondida no obscuro "Back to the egg", derradeiro LP dos Wings...Esse filminho acho divertido, foge do óbvio.

JazzMan!: Biografia conta trajetória da diva do jazz Nina Si...

Biografia conta trajetória da diva do jazz Nina Simone: livro descreve a turbulenta existência da cantora desde seu início como menina prodígio no interior da Carolina do Norte até sua morte no no sul da França em 2003.
 Publicado em Exame.com 04/01/2012
Texto de Carlos Gosch, da

Quando a MPB ocupava o horário nobre

Em outros tempos, a MPB ocupava o horário nobre da TV brasileira. Pode-se até dizer, sem medo de errar, que a MPB tornou-se o que é entre outras coisas por sua grande articulação com a televisão brasileira, da explosão dos festivais às trilhas de novelas, da presença constante de seus grandes nomes em programas musicais, infantis, especiais, de entrevistas, e por aí vai. Para mim parece claro que o afastamento entre MPB e TV, da década de 1980 em diante, tem consequências evidentes na mudança de seu patamar de mercado e do perfil de seu público, distanciando-a do caráter massivo que assumira em meados da década de 1970.
Como documento significativo daquele momento posto trecho do show que Gilberto Gil e Caetano Veloso fizeram em março de 1972 no Teatro Municipal do Rio, ao retornarem do seu exílio londrino. A apresentação foi gravada e exibida pela TV Globo dentro da faixa "Sexta Nobre". Gil mostra ao público uma canção então inédita, Expresso 2222, que daria nome ao seu próximo disco.

5 de janeiro de 2012

De volta ao acústico

Enquanto preparo uma fornada de postagens mais densas, vou colocar umas coisinhas pra manter o blog "com ritmo de jogo". Nessas voltas que a internet dá, ou que a gente dá na internet, encontrei essa versão acústica do clássico Roundabout do Yes. Isso trouxe à tona duas lembranças significativas. A 1a. é de quando ouvi a música pela primeira vez, quando era criança, numa fita k7 do meu pai. Era uma coletânea com várias bandas e gêneros diferentes. Para ouvir a faixa de novo, tinha que rebobinar a fita até o ponto certo...Hoje ouvi num computador, assistindo um vídeo que "carrega" em poucos segundos. Dá o que pensar sobre as experiências proporcionadas por diferentes suportes tecnológicos. A segunda é da década de 1990, quando apareceram gravações de músicos populares que geralmente utilizavam instrumentação eletrificada no formato "acústico". Antes disso virar grife, modismo, ser banalizado e praticado sem qualquer critério, vieram à tona grandes trabalhos como o de Paul McCartney, o de Eric Clapton e o de Gilberto Gil. Naquele momento, no meio de tanta zoeira eletrônica e metaleira, essas gravações surgiram como sopros de novidade, despojamento e suavidade. Evidentemente, com imediatos desdobramentos mercadológicos. Poderei retomar isso mais adiante quando voltar a falar da retomada atual do repertório da 1a. metade do século XX. Enquanto isso, deleitem-se...

  
Yes,Roundabout

 
Gil, Palco
 
 McCartney, Be bop a lula

Clapton, Walkin' Blues

3 de janeiro de 2012

Grandes encontros e histórias de compositores: afro-sambas

Instigado pelo Marcelo Gloor, vou tratar do grande encontro de Vinícius com Baden Powell. Lembro com nitidez o momento exato em que descobri, numa das entrevistas do Pasquim, revisitadas durante a pesquisa do doutorado, um detalhe que escapa de muitos relatos (inclusive dos protagonistas!) sobre a história dessa reunião espetacular. Segundo Baden [O Pasquim, n°35, 09-15/02/1970, p.15], Berimbau foi composta por volta de 1960, e só posteriormente incorporada por Vinícius no conjunto dos “afro-sambas”, que seriam reunidos no LP Os Afrosambas (Forma, 1966).




Outra pista apareceu numa fala de Edu Lobo em mesa de debate promovida no n° 4 da Revista Civilização Brasileira, em 1965:
“(...) Mas nossa música não parou aí. Surgiram variações da bossa nova original, que só atestam sua riqueza. Até que surgiu Baden Powell que introduziu o elemento afro, no caso, o samba negro, com batida (‘Berimbau’ é um exemplo) e com influência de Villa-Lobos (...)”

Muito poderia ser dito a partir desse trecho, inclusive sobre o sentido que tinha então o termo "afro", certamente diferente do atual. Mas interessa aqui é constatar que os afro-sambas não podem ser interpretados como mero desenvolvimento dentro da bossa nacionalista de meados dos anos 1960, pois rompem com alguns de seus padrões, especialmente na sua concepção rítmica e execução violonística. Por outro lado não podem ser percebidos como projeto de ruptura total, uma vez que não foram criados ou recebidos assim no contexto de sua produção e recepção inicial. Por fim, vale ressaltar que as discussões sobre o nacional e o popular daquele momento foram acirradas e geraram muitos desdobramentos historica e esteticamente relevantes para a música popular brasileira. Os afro-sambas são prova disso e mereceram inúmeras regravações, dentre tantas maravilhosas destaco o disco primoroso de Mônica Salmaso e Paulo Bellinati: