Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

29 de setembro de 2017

Bolacha completa - Refavela (1977) - Gilberto Gil

Aproveitando o ensejo do show de reapresentação do álbum Refavela de Gilberto Gil, por ocasião dos 40 anos de sua gravação, insiro aqui a entrevista que meu parceiro Pablo Castro concedeu à Rede Minas comentando o discos como um todo e suas canções.


É uma ambição antiga produzir conteúdo em vídeo para este blog, o que por enquanto tem se mostrado inviável, mas essa carona veio muito a calhar. 








Como sempre a sessão Bolacha Completa traz o link para a audição do disco, informando que não detém direitos nem hospeda conteúdos, ficando totalmente à disposição para atender qualquer determinação dos respectivos proprietários.

27 de setembro de 2017

A canção e o humor contra a violência

Entre os dias 2 e 4 de outubro próximo, na Escola de Arquitetura da UFMG, acontecerá o Colóquio Internacional O humor contra a violência na cidade. Juntamente com a colega Miriam Hermeto, do Departamento de História da UFMG, coordeno a sessão A canção e o humor contra a violência [todos os detalhes aqui]. 


Uma versão resumida da apresentação:
A canção popular se define basicamente na refinada coordenação entre música e letra, imbricadas a ponto de configurarem um ente único. Nas relações entre o formato-canção e o meio urbano, definem-se espaços de produção, circulação e consumo, estabelecendo as ligações entre seus artífices, os mediadores culturais e o público. Assim, a canção tem sido tratada como um híbrido: produto de mercado, obra de arte, expressão de representações sociais e elemento catalisador de sociabilidades. Sempre foi uma forma de pensar o social e seus conflitos, inclusive a violência, desenvolvendo uma tradição crítica marcada por recursos expressivos, como o humor, em suas diversas tonalidades: a farsa, a ironia, o sarcasmo, a sátira, o humor negro, a paródia, o nonsense, entre outros. Ressalta-se que o recurso da crítica, na linguagem cancional, emerge não apenas nas palavras, mas na relação entre texto e elementos sonoros, como melodias, ritmos, timbres, ruídos, harmonias, arranjos, citações, etc.


Procurando sair um pouco da rotina dos formatos tradicionais de eventos acadêmicos, decidimos montar uma sessão que partisse do princípio de que dedicaríamos um tempo maior para a audição e debate, após apresentações mais curtas dos 4 convidados:


As sonoridades do humor, com Guilherme Castro, Doutor em fundamentos teóricos aplicados à produção musical pela UNICAMP e Mestre em sonologia/música e tecnologia pela UFMG. Professor do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix e da UEMG. Compositor, guitarrista, vocalista e produtor musical.

A canção como mediadora dos conflitos sociais, com Makely Ka, Poeta, cantor, violonista, produtor cultural e compositor.

À la lanterne: humor e violência na Paris sob a Revolução de 1789, com Allysson Lima, Mestre e graduado em História pela UFMG.

“Nós vamos invadir sua praia”: violência social e marginalização geográfica na cidade do Rio de Janeiro, com Bruno Vinícius de Morais, Doutorando, mestre e graduado em História pela UFMG.
Só pra dar o gostinho montei aqui uma lista com algumas das canções que iremos debater na sessão:









P.S. Síntese do evento:

Corri pra não perder o ônibus e chegar em tempo na Escola de Arquitetura para coordenar junto com Miriam Hermeto a sessão musical do colóquio O humor contra a violência na cidade, contando com uma escalação de prima na mesa com Guilherme Castro Allysson Lima Bruno Vinícius de Morais e Makely Ka, o prestimoso apoio da Maria Letícia Ticle e demais colegas da organização. Com a proposta de fugir, ainda que parcialmente, do lugar comum das mesas acadêmicas, promovendo a coloquialidade, passeamos por diversas épocas, contextos e gêneros, ouvimos de tudo um pouco, de marcha revolucionária francesa a rock brasileiro e samba de breque, falou-se de Mozart a Rincon Sapiência, cantou-se alguma coisa, de introdução de Bohemian Rhapsody a refrão de pagode. Que esse ecletismo não engane os desavisados. Análises argutas puseram a nu os conflitos sociais, as querelas estéticas, as disputas políticas, demonstrando como a canção tem enorme energia centrípeta, capturando em seus termos os embates e deles participando tantas vezes exercendo pelo humor formas de mediação que sugerem acomodações mas também alguma forma de violência, que pode ser do tipo que demole as convenções e os mitos, dessacraliza os grandes e dá voz aos silenciados. Esse humor que é um recurso indispensável para a vida democrática, hoje tão ameaçada.

24 de setembro de 2017

Navegação errática #1

Sempre me pego praticando esse tipo de Navegação Errática, pescando um link aqui, uma referência ali, indo parar onde menos espero nas praias do oceano digital. Resolvi criar uma série com os resultados desse tipo de exercício de flanagem digital.
Por enquanto não vou ficar elaborando muito, só enfileirar o que encontrei.



A trilha do dia começou com uma passeada pela obra de Assis Valente, motivada pela inevitável lembrança de E o mundo não se acabou, na inconfundível e inimitável interpretação de Carmen Miranda.



Minhas postagens de Assis Valente motivaram ao amigo pesquisador Magno Córdova a lembrança da gravação de Bethânia e Nara Leão para Minha embaixada chegou em "Quando o carnaval chegar"



Acabei caçando uma cópia do filme [aqui] e de um pulo parei num outro, que já me escapou o título mas cuja trilha me intrigou. Descobri que era do quinteto de excelentes instrumentistas brasileiros Mandala [Roberto Sion - Flauta, Sax Luiz Roberto Oliveira - Sintetizador, Violão Zeca Assunção - Baixo, Voz Nelson Ayres - Piano Zé Eduardo Nazário - Bateria, Percussão], que em 1976 gravou o disco homônimo:




Daí o algoritmo do You Tube abriu um monte de discos na barra lateral, e me fisgou pelo título o disco Belorizonte (1983) da banda Aum, da minha terra natal, que eu realmente não conhecia. Algumas informações aqui e aqui. Disco independente gravado no nosso cheio de história estúdio Bemol. Na sequência bati um papo online com meu amigo Tito Flávio Aguiar, professor da UFOP e colega nas desventuras de doutorado, e como eu imagine ele não só conhecia a banda - José Paulo Mesquita (Baixo) ; Leopoldo Mesquita (Bateria); Marcio (Frango) (Guitarra); Betinho (Teclados); Taquinho (Guitarra) - como tinha ido a um show dos caras. Como eu já suspeitava o nome era referente ao mantra hinduista Om.