Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

25 de maio de 2013

Grandes encontros da música popular: desencontros

Quantos de nós já não embarcamos em longas especulações sobre como seria se baixista "x" tocasse com o baterista "y", se "aquele" compositor fizesse uma parceria com um "outro" tão bom quanto, ou se um intérprete "tal" gravasse um disco só com canções de "um certo" autor. Algumas vezes esses exercícios, verdadeira operação colecionista em plano imaginário - análoga, por exemplo, à criação das mais incríveis seleções de futebolistas que nenhum técnico jamais conseguirá convocar - beiram ou mesmo alcançam o impossível, pois surgem supergrupos inacreditáveis e colaborações condenadas ao reino do fantástico, impossibilitadas pelas limitações do espaço e do tempo, ao menos nessa existência que conhecemos. Porém, certos encontros podem não ter acontecido por um triz, por uma pequena travessura do destino, esse trapaceiro que vive por aí a nos pregar suas peças. Por exemplo, o artigo que motivou essa postagem [aqui] relata que em 1969 Jimi Hendrix  e Miles Davis pretendiam gravar juntos e tentaram, por telegrama (atualmente exposto no Hard Rock Café em Praga), convidar Paul McCartney para ser o baixista numa banda que já tinha simplesmente Tony Williams na bateria. 


Grandes também são os desencontros na história da música popular, e de alguma forma testemunha o quão humana ela é. Além de McCartney estar em férias quando o telegrama chegou, os conflitos internos dos Beatles, questões financeiras e de agenda que afetavam Miles e em seguida o falecimento de Hendrix tonaram esse encontro irrealizável. Mas a mente de qualquer amante da música vai girar num verdadeiro carrossel sonoro só de imaginar o que poderia ter acontecido caso ele ocorresse. 
Convido quem mais tiver devaneado encontros como esse a relatar aqui no blog.  

24 de maio de 2013

"O Instituto Antonio Carlos Jobim disponibiliza a partir desta terça-feira (21) para visualização e pesquisa o acervo do cantor e compositor Milton Nascimento em seu site.Com cerca de 45 mil documentos catalogados e digitalizados, o acervo estará disponível para visualização e pesquisa, sendo possível ver fotos, documentos e vídeos, inclusive ouvir as músicas dos álbuns de Milton."
de Portal EBC.

Futuramente espero fazer uma postagem mais dedicada ao acervo, por enquanto fica o convite aos leitores para que naveguem à beça por lá. O trabalho de digitalização e disponibilização desse tipo de acervo é extremamente importante, pois garante não só a difusão de informação e material relativo à carreira de figuras chave, como é o caso de Milton Nascimento, mas também representa ponto de partida para pesquisas imprevistas, sacadas no meio dessa massa documental por quem sabe procurar agulhas no palheiro.

14 de maio de 2013

Aldir, simples e absurdo

O documentário "Aldir Blanc - dois pra lá, dois pra cá" , "(...) vencedor do 1° DocTv, traça uma biografia afetiva do compositor, poeta e cronista carioca Aldir Blanc, tendo como contexto a Zona Norte do Rio de Janeiro. Dirigido por André Sampaio, Zé Roberto de Morais e Alexandre Octavio Carvalho. Edição de Severino Dadá." (postado por Alexandre Otávio no You Tube).
Trata-se de um documentário muito bem realizado, sobre uma figura de proa da Música Popular Brasileira. Junto aos preciosos depoimentos do próprio Aldir, um desfile de personagens ímpares que marcam sua trajetória, incluindo aí seus principais parceiros João Bosco e Guinga. Aldir merece muito mais atenção por parte de quem conta a história da música popular desse país. Um letrista de achados, um observador do cotidiano, um intérprete do Brasil e de suas idiossincrasias, capaz de produzir pérolas atemporais que são simultaneamente diamantes brutos engastados no instante, no momento. Além de tudo destaco seu engajamento social e político, nas batalhas contra a ditadura, a censura, nas lutas autorais, nos debates políticos e culturais de modo mais amplo. Enfim, vale muito a pena assistir e conhecer um pouco mais esse cara simples e absurdo. 








13 de Maio em Noites do Norte




Nesses tempos de mp3, Ipods e outros "I" alguma coisa, a experiência de ouvir um disco com um conceito, com início, meio e fim, com encadeamentos consequentes entre as faixas, arranjos que dão sensação de conjunto e outros baratos afins, tende a tornar-se rarefeita numa nova atmosfera de escuta. Porém não se dissipa, e ainda guarda sua força de significação, e é ainda essa unidade do disco que serve de baliza à produção, circulação e consumo de uma parte significativa da música popular. Tem discos que a gente vai descobrindo aos poucos, vai até mesmo aprendendo a gostar. Às vezes esquecemos deles e depois quando os colocamos novamente pra tocar esse distanciamento se revela como necessário para voltar a ouvi-lo. Foi assim, para mim, com o CD Noites do Norte de Caetano Veloso. Seu cerne, em letra e música, é um ensaio sobre a história brasileira centrado na questão da escravidão e suas marcas em nossa sociedade, destacando-se aí a canção título, e mais 13 de Maio e a versão de Zumbi (Jorge Ben). Agora até mais do que quando saiu o disco adquire força o trecho de "Minha Formação", de Joaquim Nabuco, musicado por Caetano na canção Noites do Norte:
 
“A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil. Ela  espalhou por nossas vastas solidões uma grande suavidade; seu contato foi a primeira  forma que recebeu a natureza virgem do País, e foi a que ele guardou; ela povoou-o como se  fosse uma religião natural e viva, com os seus mitos, suas legendas, seus encantamentos;  insuflou-lhe sua alma infantil, suas tristezas sem pesar, suas lágrimas sem amargor, seu  silêncio sem concentração, suas alegrias sem causa, sua felicidade sem dia seguinte... É ela  o suspiro indefinível que exalam ao luar as nossas noites do norte"
De um lado devemos evitar qualquer romantismo que guarde a imagem da escravidão, o que se deve fazer contextualizando o discurso de Nabuco em seu tempo e entendendo que Caetano o retoma a partir de sua própria experiência, inclusive como leitor . De outro é fascinante justamente a sua habilidade em conferir à prosa um sentido melódico e uma trama cancional, dotando-a de uma estrutura consequente, de modo que mesmo em sua irregularidade conseguimos como ouvintes identificar uma narrativa condutora, capaz de integrar os aspectos textuais e musicais criando um corpo, uma inteireza. Imagino que tal feito traduz, de alguma forma, uma interpretação do Brasil e um projeto político com o qual se identifica Caetano,  "(...) a idéia de que a escravidão tinha organizado -ou desorganizado! - a vida brasileira de tal maneira que o Brasil precisaria de muito tempo e muito esforço para desfazer o trabalho da escravidão.É um bordão do pensamento de Joaquim Nabuco, que, neste momento de "Minha Formação",aparece sob a luz do reconhecimento de um sentimento contraditório : aquele que mais lutou pela abolição da escravatura confessa que sentia saudade do escravo. Para mim, essa reflexão pessoal de Joaquim Nabuco já é uma revelação de algo muito profundo que é o Brasil." [aqui a entrevista dele muito esclarecedora sobre o assunto].

P.S. 2019

Para complementar o debate sobre a Abolição, excelente entrevista com o historiador Luis Felipe de Alencastro.





9 de maio de 2013

As 20 mais geniais lados B de Paul McCartney - Parte IV

Lista do Paul (16a.): o contraponto perfeito a Tug of War é Pipes Of Peace, que, inexplicavelmente , nunca entra nos repertórios de seus shows ( em detrimento de bobagens como Calico Skies, Dance Tonight, Mrs. Vanderbuilt, etc) , uma vez que é uma das mais bonitas e inspiradas peças de seu cancioneiro - apesar de o disco que ela entitulou seja provavelmente seu pior, de 1983.

De novo vemos Paul em sua veia doce, discorrendo sobre as virtudes do amor e as vicissitudes da guerra, por meio de metáforas musicais; assim como em Tug of War, que solicitava a batida de outros tambores que não os militares, aqui ele fala nas músicas de alegria, nas flautas da paz*, na igualdade das pessoas, que "um e um é tudo que buscamos ser ". Dessa maneira, é um segundo eco de Imagine que Paul sentiu ser seu dever como compositor refletir. Enquanto é verdade que Paul não chegue às raias da subversão como " Imagine no religions, no possessions, no greed, no hunger" o fato é que tanto Tug of War quanto Pipes Of Peace indicam a mesma direção, e é bom ver McCartney cantando algo maior do que uma pequena narrativa de personagens imaginários, uma música mais universal.

Sobre a anatomia musical dessa canção, Paul usa um gambito muito interessante tanto na forma quanto na harmonia. Uma introdução muito melodiosa que pouquíssimos compositores deixariam de usar como base das estrofes da música, em Mi Maior, dá lugar, subitamente, a Dó Maior, que revela ser o tom principal da música, para as estrofes seguintes. Nessa passagem, há uma modulação rítimica interessante: o que era o tempo de semínimas na introdução de repente se torna, em batidas mais stacatto e em estilo reggae, o contratempo da próxima sessão da música. A quadratura se compõe de clássicos 16 compassos por estrofe, enquanto num intermezzo instrumental, baseado numa estilização da estrofe, temos 6 compassos. Melodia, como de costume, extremamente expressiva e consequente, entre saltos precisos e graus conjuntos, revestida de um arranjo pop, com detalhismo de timbres, conduzidos pelo piano de Paul, e que a certa altura inclue uma tabla indiana, além dos indefectíveis backing vocals. No epílogo, temos a volta do prólogo inspirado, e o recado está muito bem dado.

Pipes of Peace

I light a candle to our love
In love our problems disappear
But all in all we soon discover
That one and one is all we long to hear

All 'round the world
Little children being born to the world
Got to give them all we can ‘til the war is won
Then will the work be done

Help them to learn songs of joy instead of
Burn baby burn, let us show them how to play
The pipes of peace, play the pipes of peace

Help me to learn songs of joy instead of
Burn baby burn, won't you show me how to play
The pipes of peace, play the pipes of peace

What do you say? Will the human race
be run in a day? Or will someone save
This planet we're playing on?
Is it the only one? (What are we going to do?)

Help them to see that the people here
Are like you and me, let us show them how to play
The pipes of peace, the pipes of peace

I light a candle to our love
In love our problems disappear
But all in all we soon discover
That one and one is all we long to hear



*Há um duplo sentido na tradução de "pipe", que também pode ser cachimbo, e em português a expressão 'cachimbo da paz' talvez seja mais usada, mas no caso trata-se mesmo de flautas que remetem à sonoridade das bandas marciais. O vídeo clip retrata um fato da 1a. Guerra Mundial. "No Natal de 1914 tropas britânicas e alemãs decidiram decretar trégua por conta própria em pleno campo de batalha, na França. Durante a véspera e o dia de Natal eles não combateram. Além disso celebraram a festa em conjunto bebendo, fumando, trocando presentes e até jogando futebol" (da postagem de videomakersp no You Tube) (n.e.)

Paul sempre se ressentiu da perda do parceiro John, por vários motivos afetivos mas também artísticos, já que Lennon salgava o doce do companheiro. Esse equilíbrio foi decisivo para o alcance artístico dos Beatles, pois a universalidade de sua obra se baseia muito na completude dos opostos. A Décima-Sétima da lista do Paul é a interessante Don´t Be Careless Love, em parceria com Elvis Costello [que assina Declan MacManus, n.e.]. Paul encontrou nessa época em Costello um contraponto semelhante ao que John lhe proporcionava, uma certa acidez e incisividade que contrastava belamente com a doçura de Paul. Juntos eles compuseram 4 músicas do disco Flowers in the Dirt , e o próprio nome do disco sem dúvida faz referência a esse contraste*.

Há ótimas canções dessa parceria no disco como o hit beatley My Brave Face, You Want Her Too ( que parece tirada do próprio disco Help, com Costello cantando os contrapontos como se fosse John), mas a mais inusitada é essa canção cujo enredo me lembra muito "Não Sonho Mais " , de Chico Buarque. O narrador sonha que algo ruim pode ter acontecido à sua amada enquanto a espera em casa, e vai descrevendo as possíveis terríveis consequências de sua breve separação. Depois dessas ameaças imaginárias, ela volta pra casa, e o narrador culpa a mente da sua amada como responsável por todos esses horrendos devaneios.

A estrofe , em Ré Maior, cadencia para seu segundo grau, Mi Menor, em melodia primorosa, para depois passar pelo acorde surpreendente Dó Sustenido Menor ( ausente do campo de Ré Maior) para o refrão , descendo a Dó com Sétima Maior , Si Menor ( já de volta ao campo de Ré), e desembocando em Fá Sustenido Menor, terceiro grau de Ré. Muito interessante essa passagem, que é também a base para o B, em que Paul canta de voz mais plena, em contraposição às estrofes em quase falsete .

O arranjo, enquanto muito bem sucedido no acompanhamento puramente vocal na introdução, peca por diluir o sentimento da canção em teclados de propaganda de sabonete e bateria cool ; muito despropositada essa solução para um tema tão ardente.
Achei, aliás, uma versão demo de Paul e Elvis cantando que acho bem mais expressiva. Mas a canção, em si, é extraordinária !

Burn the midnight lamp
Down until the dawn,
I'll keep watch until I'm sure your coming home.
Shadows play and flicker on the bedroom wall
They turn into a bad dream overnight,
Something could be terribly wrong.
Don't be careless love,
Don't be careless love,
Don't be, don't be careless.

In my dream you're running nowhere
Every step you've taken turns to glue.
Walking down a spiral staircase
Falling through, falling through,
Don't be careless love,
Be careless love.

The lamp burns down and out
I'm getting pretty tired of this,
I feel so bad something might be going amiss,
I won't be there so look out for yourself
You're getting in deep whatever you do,
Don't let me go back to sleep,
Don't be careless love,
Don't be careless love,
Don't be, don't be careless.

Saw your face in the morning paper,
Saw your body rolled up in a rug
Chopped up into two little pieces
By some thug,
Don't be careless love,
Be careless love.

But in the morning light
When I wake up again
You're by my side and that's the way it's always been,
But in the dark your mind plays funny tricks on you,
Your mind plays funny tricks on you,
Your mind plays funny tricks on you,
Don't be careless love.



* Paul alcança seu pico criativo quando tem a seu lado gente que possa fazer esse tipo de contraponto. Talvez até os creditos devessem ser mais generosos com Costello pois se trata de uma participação que dá o tom do disco como um todo. Para ver uma entrevista em que Paul comenta a parceria: parte 1 e parte 2.

A próxima (18a.) da lista das obscuras de Paul McCartney é Treat her Gently /Lonely Old People, singela balada saída no disco Venus and Mars (1975), que mais uma vez, é uma espécie de "medley orgânico", como a primeira música na verdade volta mais tarde, depois de dar lugar à segunda. Vemos aqui Paul retomando, com mais compaixão e simpatia, o tema de Eleanor Rigby, sobre as pessoas velhas e solitárias. Essa é uma daquelas que conheci mais tarde, e, à primeira audição, não me chamou muito a atenção, mas foi crescendo no meu critério devido, mais uma vez, à incrível naturalidade melódica que é característica de Paul. Pela lentidão afetiva da melodia e do canto, o uso de versos muito simples e elementares, e , por isso mesmo, apropriados para um sem-número de situações, conclui-se que essa compaixão é genuína . Muito tênue e linha entre a compaixão e a pieguice, mas Paul aqui mais uma vez sabe tecer a melodia e a letra de forma a potencializar os sentidos, sem exagerá-los nem caricaturá-los .

A primeira música, Treat Her Gently, no mesmo nível de simplicidade e compaixão , é em 4/4 , em Lá Maior, mas logo transpondo-se para Ré Maior, em cujo tom Lonely Old People ( mais longa) gravita, em sua lenta sequência de baixos descendentes , de Ré , passando por Si menor, e estabilizando em Sol, seu subdominante. Depois temos a cadência também clássica : G7M / Gm6 / F#m / Bm / G / % / D / % , seguida pela ainda mais clássica inclinação ao relativo Si Menor : A / A#o / Bm / E7 , o que nos permite falar : Paul tira leite de pedra ! Quero dizer, depois de Sgt Pepper´s, Paul não mais evoluiu seu vocabulário harmônico , por assim dizer, para além do que tinha feito até ali. É até uma pena que ele não tenha conhecido ou atentado para a Música Brasileira, com seu léxico harmônico muito mais expandido. Mas tal era sua habilidade, que conseguiu ainda surpreender muitos ouvintes com esse limitado leque de acordes, mas conduzidos muito habilmente, sempre usando modulações inusitadas para renovar o interesse.

Treat her gently

Treat her kind
She doesn't even know her own mind

Treat her simply
Take it slow
Make it easy
and let her know
You'll never find another way

Here we sit
Two lonely old people
Eaking our lives away


Bit by bit
Two lonely old people
Keeping the time of day

Here we sit
Out of breath
And nobody asked us to play

- Old People's Home for the day -
Nobody asked us to play

Treat her gently
Treat her kind
She doesn't even know her own mind

Treat her simply
Make it slow
Take it easy
and let her know
You'll never find another way

Here we sit
Two lonely old people etc., etc…..
…….Nobody asked us to play.



A próxima (19a.) da lista do Paul é a enebriante Long Haired Lady, do disco Ram ( o mais Beatle de Paul solo), de 1971, dedicada a e composta com Linda, que , mais uma vez, mostra a sutileza de seu compositor para com a forma, nessa canção que é um misto de influências e momentos diferentes, quase como outro medley. O início da música é um dos mais marcantes, de melodia verticalmente ascendente, com as relutâncias repetidas de "well, well, well, well, well ... " , referência inequívoca à faixa Well, Well, Well de John Lennon. A resposta de garota colegial americana é um barato, que Linda canta com a cobrança virgem de moça que quer casar :" Do You love me like you know you ought to do ?" " Or is this the only thing you want me for ? ", seguida de uma explicação reconfortante do nosso herói : "Well I´ve been meaning to talk to you about it for some time ... sweet little lass you know, my long haired lady " .

Segue-se uma segunda parte mais ritmada e sincopada, em Si Bemol, relativo de Sol Menor, enquanto a primeira parte, embora comece em Mi Menor, é indubitavelmente em seu relativo Sol Maior. Essa parte é também leve, até jocosa, mas é seguida de uma misteriosa melodia para a ponte: Long Haired .... Lady , cuja harmonia flutua da sexta menor Mi Bemol com Sétima Maior , de volta a Sol.

A terceira parte lembra ninguém menos que George Harrison, com seu envolvente e longo chorus em baixo pedal de Sol ( Isn´t it a Pity), com a enigmática frase: love is long. Depois de um pequeno retorno ao marcante inícios, voltamos a flutuar eternamente nesse mantra final, que , supostamente, reflete a consumação mágica dessa amor hipnótico pela moça de cabelos longos.

Uma das músicas mais inventivas de McCartney, com extraordinário arranjo, que contém delicadas passagens de guitarras, metais em abundância, mais uma indefectível linha de baixo e um violão muito bem tocado por Paul.




Well well well well well
Do you love me like you know you ought to do?
Well well well well well
Or is this the only thing you want me for?

Well, I've been meaning to talk to you about it for sometime,
Sweet little lass you know, my long haired lady.


Who's the lady that makes that brief occasional laughter?
She's the lady who wears those flashing eyes.
Who'll be taking her home when all the dancing is over?
I'm the lucky man she will hypnotize.

Long haired lady.


Bees are buzzing about my sweet delectable lady,
Birds are humming about their big surprise.
Who's your favourite person, dear phenomenal lady?
I belong to the girl with the flashing eyes.

Long haired lady.


My love is long, love is long, my love is long
I'll sing your song, love is long, my love is long
And when you're young, love is long, your love is long
When your lips lead into song, love is long, your love is long.



***
N.E. : Ainda sob impacto do show magistral de McCartney no Mineirão em 04/05/13, em que ele sem saber deu mais um ponto na costura dos tecidos urbanos, históricos e musicais que unem de forma misteriosa Belo Horizonte a Liverpool, vou incluir aqui como "bonus  track" a versão ao vivo, em estréia mundial, de Being for the benefit of Mr.Kite. Essa foi talvez a escolha mais surpreendente em todo o repertório do show, pois além de não ser muito conhecida do público mais amplo, é absolutamente identificada a John Lennon, seu autor e intérprete. Aliás Lennon praticamente transcreveu a letra de um cartaz de circo encontrado em uma loja de antiguidades, e a partir da imagem que foi construindo instigou George Martin a realizar um dos mais bem sacados arranjos da história da música popular, simplesmente lhe dizendo que queria "sentir o cheiro do picadeiro". Um dos fatores que pode ter motivado Paul a escolhê-la é a linha de baixo, o grande fio condutor por trás da canção, como muito bem me apontaram o Pablo e também o Vlad Magalhães. Para não deixar na mão quem se interessa por comentários musicológicos mais detidos, deixo o link para as observações de Alan Pollack sobre a canção (aqui).


  

3 de maio de 2013

As 20 mais genias lados B de Paul McCartney - Parte III

Enquanto se aproxima o aguardado show de Paul McCartney no Mineirão, em que ele sem saber irá dar mais um ponto na costura dos tecidos urbanos, históricos e musicais que unem de forma misteriosa Belo Horizonte a Liverpool, vou aqui me preparando ao som de suas obras-primas acompanhado dessa verdadeira anatomia dos sentidos minuciosamente dissecados pelo meu parceiro Pablo Castro.
 ***
A décima-primeira da lista lado B Paul McCartney é a inspirada suíte Little Lamb Dragonlfly, composta e gravada para as sessões do Ram mas só lançada no posterior subestimado disco Red Rose Speedway, de 1973. Interessante que ela se encaixa melhor nesse álbum, cujo lado B inteiro é formado por um grande medley. Paul já vinha desenvolvendo esses procedimentos formais de bricolagem, desde You Never Give Me Your Money (que, na obra dos Beatles, foi ironicamente precedida pela canção de John Happiness is a warm gun) , depois com Long Haired Lady, Uncle Albert / Admiral Halsey , e culminando na clássica Band on the Run e Venus and Mars / Rock Show. É uma subversão particular da forma canção, diferente da proposta pelo rock progressivo, que entremeava as sessões cantadas com longas passagens instrumentais e rupturas de tonalidade e padrão rítimico, numa eloquência sinfônica que na verdade às vezes traía a idéia original da composição (mas às vezes funcionava maravilhosamente, como em Musical Box e Firth of Fifth do Genesis). No caso do medley, sobretudo nessa canção, trata-se, antes , de articular dois temas ou motivos diferentes sob a mesma peça musical, sem que um deles perca sua identidade frente ao outro, como normalmente acontece numa forma cíclica e periódica de canção clássica. Na verdade, esse procedimentos são típicos do gênero musical , com nas peças da Broadway e em filmes musicais, e , também se reportam a sinfonias (a Quinta de Beethoven é um caso paradigmático) , quando dois temas lutam pela predominância numa mesma peça .

A letra versa sobre dois personagens, o carneirinho e a libélula (supostamente duas ex-namoradas do narrador identificadas por esses codinomes) , dois pontos de vista do narrador sobre cada um deles. Com o carneirinho, o sentimento é de compaixão, de consolo, mas também de incapacidade de atingir a alma alheia ( but I cannot help you in ), enquanto com a libélula a narrativa se dá através de um tom de saudade ( palavra inexistente no inglês) e afeição, e consiste na maior parte da música. O primeiro tema começa, instrumental, com violas que se assemelham às violas caipiras brasileiras, a princípio em Ré Maior mixolídio mas que logo se inclina a Dó Maior , e daí, subitamente de volta a Ré por meio de seu relativo Si Menor - note-se nessa parte o Ré Sustenido diminuto ( acorde raro em músicas mccartneyanas) antecipando a resolução em Mi Menor ( segundo grau de Ré) e a sequência Lá com Sétima - Lá Com Sétima e Décima-terceira Menor ( dominante de Ré Menor) resolvendo cromaticamente a melodia em Ré Maior, procedimento típico do jazz e da bossa-nova.

Já o tema da Libélula é claramente em Mi Maior, e mais longo. Destaca-se a surpreendente passagem ( Don't know why you hang around my door ): A / C#m/G# / Em/G / F#m / C#m / % / Em7 / A7 / D / % //: F#m7 / % / B7 :// onde , depois de uma breve modulação de volta a Ré Maior, voltamos ao Mi Maior. Da segunda vez que essa passagem aparece, temos uma breve volta ao tema do Carneirinho, e de volta ao da Libélula. Por fim, uma outra estrofe Dragonfly ( the years ahead will show how little really we know) , e por fim, voltamos ao início, o tema do Carneirinho e sua oscilação perfeita entre Ré Maior e Dó Maior. As melodias, como de costume, desenhos perfeitos, irretocáveis , entre graus conjuntos e saltos precisos . A arquitetura melódica de Paul é tão perfeita que parece fácil. Trabalho de mestre !

A frequente acusação crítica de banalidade de várias músicas de Paul em sua carreira solo , enquanto tem vários exemplos consistentes, deixa , entretanto, de enxergar o quanto há de arquetípico no ato de narrar histórias e articular sentimentos, mesmo que fantasiosos, que estão no coração do ato de cantar : daí as inesgotáveis canções de amor, fabulação de personagens e narrativas que divergem frontalmente das direções que Lennon e Harrison trilharam em suas obras. Ambos buscavam dizer verdades profundas e ocultas ( Lennon mais a respeito de si mesmo e da política contemporânea, e Harrison mais como condenação de atitudes humanas e repreensão dos maus sentimentos e do materialismo) , críticas sociais e elocubrações metafísicas mais sérias, e harmonias mais dissonantes (sobretudo Harrison, com seu uso hábil de diminutos, meio-diminutos, sétimas maiores, e acordes substitutos) , e foram bastante bem sucedidos em seus primeiros trabalhos (Plastic Ono Band e Imagine de John, e All Things Must Pass e Living in Material World, de George), mas era inevitável que esse caminho também se esgotasse , uma vez que a universalidade do repertório de um álbum, conforme consagrada pelas obras-primas dos Beatles, preconizava um equilíbrio de estilos, tons e registros, inclusive do prosaico e do "banal". Tanto que mais cedo do que tarde vemos Lennon fazendo canções "banais" como Woman e Starting Over e George Harrison fazendo Love Comes to Everyone e You.



I have no answer for you little lamb
I can help you out
But I cannot help you in
Sometimes you think that life is hard
And this is only one of them
My heart is breaking for you little lamb
I can help you out
But we may never meet again

La la la la
la la la la

Dragonfly fly by my window
You and I still have a way to go
Don't know why you hang around my door
I don't live here any more
Since you've gone I never know
I go on, but I miss you so

Dragonfly don't keep me waiting
I'm waiting can't you see me I'm waiting
When we try we'll have a way to go
Dragonfly you've been away too long
How did two rights make a wrong
Since you've gone I never know I go on
But I miss you so in my heart
I feel the pain
Keeps coming back again

Dragonfly fly by my window
I'm flying can't you see me I'm flying
You and I can find a way to see
Dragonfly the years ahead will show
How little we really know
Since you've gone it's never right they go on
The lonely nights, come on home
And make it right
My heart is aching for you little lamb
I can help you out
But I cannot help you in

La la la
La la la la la la


A próxima [12a., n.e.] da minha lista de Paul McCartney é a roqueira saudosa Ballroom Dancing, do álbum Tug of War (1982), que, pra mim, do ponto de vista composicional, é talvez o melhor de Paul. Um caso exemplar de como uma fraseologia amarra com perfeição a simplicidade da harmonia, com o predomínio quase total de tônica (dessa vez o raro tom de Si maior, que , no idioma blues/rock sempre vem acompanhado de uma sétima ) e subdominante ( Mi maior ), e pequenas aparições do relativo (Sol sustenido menor) e do dominante modal mixolídio ( Lá) , a faixa apresenta uma estrofe clássica de 16 compassos , mas cuja divisão interna é assimétrica, o que singulariza as sequências de frases melódicas. Assim , a estrofe tem 7 frases melódicas, em vez do mais previsível 8, divididas assim : os 4 primeiros versos ocupam 9 compassos ( um de pausa) , enquanto os últimos 3 ocupam 7 compassos. Veja o ritmo de mudança harmônica dessa estrofe : B7 / % / % / % / E / % / B7 / %/ % / (9 primeiros compassos, 4 primeiros versos) / E / % / %/ G#m / E / B / % / ( 7 últimos compassos, três últimos versos) , inteirando assim a quadratura natural de 16. Trata-se portanto, de um senso muito refinado de quadratura, em que o tamanho assimétrico de duas sessões acaba , somado, completando o arco arquetípico derivado de 2, 4, 8 e 16.

O refrão também é de 16 compassos, dessa vez se compondo de duas metades iguais de 8 compassos, mas cuja melodia Paul canta cada metade em uma oitava diferente, subindo na segunda para efeito de acúmulo de energia.

A letra é uma narrativa sobre a infância, as alegrias e as brigas, as fantasias (navegando o Nilo numa xícara chinesa), e o lugar sagrado do Ballroom Dancing, dança de salão oval, como eram os primeiros lugares onde os Beatles tocavam. Essa visada nostálgica é frequente nas músicas do Paul, mas nunca antes ligada ao rock, como nesse caso. Mesmo assim, é possível notar na levada de piano uma solução rítmica original e não totalmente dependente de uma estilização caricatural do passado, antes lhe dando vida nova. É realmente um desperdício essa música não entrar nos shows recentes de Paul, dada sua vitalidade depois de , apenas , 30 anos de lançada.

Well I used to smile when I was a pup
Sailing down the Nile in a china cup
With the recipe for a lovely day
Sticking out of my back pocket

But it wasn't always such a pretty sight
'cos we used to fight like cats and dogs
Till we made it up in the ballroom

Ballroom dancing, made a man of me
One, two, three, four
I just plain adore your
Ballroom dancing, seen it on TV
I got what I got from ballroom dancing
Big B.D.

Well I used to fly when I was a kid
And I didn't cry if it hurt a bit
On a carpet ride to a foreign land
At the time of Davy Crockett

But it wasn't always such a pretty sight
'cos we used to fight like cats and dogs
Till we made it up in the ballroom

Ballroom dancing, made a man of me
One, two, three, four
I just plain adore
Your ballroom dancing, seen it on TV
I got quite a lot from ballroom dancing
Big B.D

Well it went so fast and we all grew up,
Now the days that passed in the china cup
Are the memories of another day
And I wouldn't want to knock it

But it wasn't always such a pretty sight,
'cos we used to fight like cats and dogs
Till we made it up in the ballroom

Ballroom dancing made a man of me
One, two, three, four
I just plain adore
Your ballroom dancing, seen it on TV
I got quite a lot from ballroom dancing
Big B.D.

Oh!




Vamos lá : a décima-terceira escolhida para o a nossa lista do Paul McCartney é a relaxada Distractions, do álbum Flowers in the Dirt, de 1989. Mais uma vez exercitando uma balada, dessa vez há um quê bossa nova no canto, no violão e na levemente ambígua tonalidade, que oscila entre Ré Menor e Si Bemol Maior. Duas vozes oitavadas sublinham sutilmente o desenho melódico em graus conjuntos, cuja estrofe apresenta a seguinte fraseologia : a / b / c / a / b' , cujos versos somam três, e não quatro, como poderia se esperar. O estribilho tem um arco mais aberto de melodia, com os característicos saltos perfeitos de seu compositor.

A harmonia da estrofe se baseia na seguinte condução : Gm7 / Am7 A7(b13) / Dm7 / Gm / % / Am7 A7(b13) / Dm / % / . O amplo espaço dado ao subdominante Sol Menor (Gm) pode deslocar nossa percepção de tonalidade, e, por outro lado, embora seja claro que o tom da estrofe é Ré Menor, a inclinação a Si Bemol Maior no estribilho, , próximo do campo de Ré Menor mas ainda mais próximo do campo de Sol Menor, que é o relativo de Si Bemol Maior, corrobora essa tênue ambiguidade tonal.

O que é mais notável é o quanto não só a condução harmônica, mas a instrumentação , o arranjo e a forma geral da música proporcionam total adequação ao sentido da letra : poderíamos dizer que Distractions é uma espécie de I´m Only Sleeping de Paul, e poderia ser uma boa trilha sonora para o famoso ensaio O Ócio Criativo, do sociólogo italiano Domenico de Masi; quem dera a humanidade pudesse denominar todos os afazeres do trabalho como distrações, e não imperativos da sobrevivência.

What is this thing in life that persuades me to spend
Time away from you?
If you can answer this you can have the moon
This is the place to be, anyway you can see
There's a lovely view
Why are there always so many other things to do?

Distractions, like butterflies are buzzing 'round my head,
When I'm alone I think of you
And the life we'd lead if we could only be free
From these distractions.

The postman's at the door
While the telephone rings on the kitchen wall,
Pretend we're not at home and they'll disappear.
I want to be with you, tell me what I can do,
Nothing is too small
Away from all this jazz we could do anything at all.

Distractions like butterflies are buzzing ‘round my head.
When I'm alone I think of you
And the things we'd do if we could only be through
With these distractions.

I'll find a peaceful place far away from the noise of a busy day
Where we can spend our nights counting shooting stars,
Distractions like butterflies are buzzing ‘round my head.
When I'm alone I think of you
And the things we'd do if only we could be through
With the distractions like butterflies they're
Buzzing round my head, when I'm alone I think of you
And the life we'd lead if we could only be free
From these distractions.





A décima-quarta canção é Dear Friend (1971), talvez a canção mais triste e solene, quase fúnebre, de Paul McCartney. Direcionada a John Lennon, como tréplica entre as canções Too Many People de Paul, acusando John de proselitismo, e How do You Sleep, em que John comete um assassinato de reputação de seu ex-parceiro, consiste de um único A, com apenas duas estrofes de letra, sem nenhuma sessão contrastante, como uma impossibilidade de desenvolvimento ou argumentação além da pura constatação do fim da amizade, ou do amor ( I´m in love with a friend of mine ) . Entre várias pausas que sinalizam um possível final da canção, a música volta de novo ao mesmo começo , sem possibilidade de saída. Esse caráter obsessivo e inconsolável é distintivo em todo o repertório de Paul, o que indica que é uma canção incomumente pessoal pra ele.

A Harmonia é em Dó Menor, com participação de seu sexto grau, Lá Bemol com sétima maior, e de seus subdominantes Fá Menor com Sétima e Fá Menor com sexta, e com a notável ausência do dominante. A Melodia começa descendente na primeira frase, e é seguida por uma frase ascendente de culminância no dó agudo em falsete, seguida de uma última frase melódica, e é isso.

Dear friend, what's the time?
Is this really the borderline?
Does it really mean so much to you?
Are you afraid, or is it true?
Dear friend, throw the wine,
I'm in love with a friend of mine.
Really truly, young and newly wed.
Are you a fool, or is it true?

Are you afraid, or is it true?



A próxima [15a., n.e.] canção da lista das subestimadas de Paul McCartney não tem letra, e foi composta e gravada ainda durante o período Beatle, em 1967, antes da gravação do Sgt Pepper´s, para a trilha do filme The Family Way, chamada Love In The Open Air. Simples enredo em Ré Menor, oscilando eventualmente para seu relativo Fá Maior, ela segue assim : Dm7 / A7/C# / Dm7/C / Bm7(b5) / Gm7 / C7 / Dm7 / Dm7/C / G7 / C7 / Dm7 / Dm7/C / Gm7 / C7 // e , na segunda parte, chega em Fá e segue em movimento pendular com seu dominante Dó com sétima ( C7 ).

A melodia é baseada em arpejos , mais que graus conjuntos, mas carrega a mesma beleza e inspiração concisa das melhores melodias de seu compositor. Bonito que ele tenha feito com tal delicadeza a trilha de um filme enquanto preparava o disco mais revolucionário da história da música popular.
 

1 de maio de 2013

Reflexões: O gênio vence a ignorância

Reflexões: O gênio vence a ignorância:. (...) Na coleção de discos do meu pai sobrevive uma pièce de résistance que nos remete aos tempos de nossa recente idade das trevas, um compacto duplo da Phillips com as quatro primeiras colocadas no III Festival Internacional da Canção Popular, promovido pela Rede Globo em 1968. Entre elas, duas músicas que protagonizaram uma polêmica e tanto na final nacional desse festival, “Sabiá” de Tom Jobim e Chico Buaque e “Caminhando (pra não dizer que não falei das flores)” de Geraldo Vandré, respectivamente, primeira e segunda colocada da etapa nacional.

Vale uma conferida no texto completo do Renato Ruas, sempre bem feito!

Para não esquecer: o Show 1° de Maio e o atentado do Riocentro


Ver esse pequeno recorte disparou a vontade incontrolável de fazer uma postagem sobre o episódio do Atentado do Riocentro em 30/04/1981, durante a realização da 3a. edição do Show 1° de Maio. Encontrei algum material relevante e vou reuni-lo aqui:

1) Do blog Virtuália, por Jeocaz Lee-Meddi (texto completo, aqui)
"As comemorações do 1° de Maio, proibidas desde 1968, eclodiram por todo o país a partir de 1979, sendo pontuadas com grandes espetáculos reunindo os maiores nomes da Música Popular Brasileira da época. Em 1981, na noite de 30 de abril, um desses grandes shows realizava-se nos palcos do Riocentro, no Rio de Janeiro, quando uma bomba explodiu no estacionamento de carros local. Meia hora depois, uma segunda bomba explodia na casa de força quando a cantora Elba Ramalho fazia a sua apresentação. Além de ícones da MPB, como Chico Buarque, Gal Costa, Gonzaguinha, Zizi Possi e muitos outros, uma platéia de vinte mil pessoas assistia ao espetáculo. A bomba, explodida antes da hora, matou o sargento Guilherme Pereira do Rosário e feriu gravemente o capitão Wilson Machado, portadores dos explosivos. A fatalidade que matou os próprios algozes, evitou que se fizesse mártires dentro da MPB, desmascarando os serviços de inteligência da ditadura militar, encerrando de vez a fase das bombas sobre a abertura. A empreitada terrorista entrou para a história como o Atentado do Riocentro, sem que os seus mentores e envolvidos jamais fossem punidos."

2) Depoimento de Adriano Pilatti, via facebook 
"Há 32 anos fui - como muitos amigos e outras 20 mil pessoas - ao show abaixo no Riocentro, que reunia o melhor da música brasileira, de Gonzagão a Chico, de Clara Nunes a Ney e João Nogueira, e cuja renda era destinada à reorganização autônoma dos trabalhadores. Felizmente voltei vivo, porque naquela noite a canalha sifu. Como todos, sei os nomes de dois dos responsáveis, o que morreu, e o que depois virou professor de história no ensino castrense; sei o nome do comandante da PM que não atendeu a solicitação de policiamento do local pelos organizadores, o mesmo nome do assassino de Carlos Lamarca (coincidentemente, placas de sinalização nas imediações foram pichadas com a sigla VPR, na tentativa de incriminar a organização que nem existia mais); sei o nome de quem chefiava a administração do local e tem de responder pelo fato de as saídas de emergência terem sido trancadas. Sei que uma bomba explodiu sob o palco sem provocar o efeito pretendido, outra falhou tb na Casa de Força, outra explodiu dentro do puma e uma quarta foi fotografada no porta-malas do mesmo. Sei que faltam nomes e fatos nessa história, sei que os crimes contra a humanidade tentados naquela noite foram posteriores à lei de anistia e são imprescritíveis, sei que se passaram 32 anos e ainda não sei quem mandou exterminar 20 mil vidas, incluindo a minha, a única que tenho e no curso da qual ainda espero ver todos identificados e os vivos conduzidos à barra dos tribunais. Não se trata de vingança, pois a maior vingança é estar vivo e bem e poder escrever isto. O que falta ainda é verdade, é justiça."
 3) Do blog Nem às paredes confesso, por Paulo Gonçalo dos Santos(texto completo aqui)
"Estes shows estão cravados na memória de todos que amam a MPB e sobretudo amam a liberdade, dois destes shows foram registrados em audio e lançados no formato “Long Play” (LP) à época e haviam virado nos últimos anos item de colecionadores e frequentadores de sebos Brasil afora. (...) Agora já é possivel ter em casa essas relíquias da MPB graças a reedição em CD pelo selo DISCOBERTAS do grande pesquisador carioca Marcelo Froes, que caprichou na reedição dos dois show neste formato, estão lá parte dos shows de 1980 e 1981, com encarte caprichado cheio dos desenhos criados por Ziraldo para o pôster de divulgação (...)"
Para ouvir uma amostra do áudio e ler sobre os CDs, aqui

Por fim uma lista de vídeos com amostras de várias edições do Show 1° de Maio, aqui

P.S. 2018
Como muitos dos vídeos da lista acima estão "derrubados", fiz uma nova pesquisa e encontrei este de um documentário que traz boa parte das imagens de arquivo restantes do Show.


  

Grandes encontros da música popular - Bob Dylan e George Harrison

Não é sempre que músicos desse porte chegam a se encontrar. Muito menos a colaborar, e menos ainda a se transformar em amigos e parceiros. Foi exatamente isso que aconteceu entre Dylan, considerado por todos os Beatles como grande referência, e George Harrison. Entre parcerias e gravações, colaborações em concertos (com destaque para a participação de Dylan no Concerto para Bangladesh) e a formação da banda Travelling Willburys, muita história pra contar e muita música para ouvir. Numa dessas várias ocasiões encontraram-se no Estúdio B da Columbia records em Nova York, material que justamente foi o motivo inicial dessa postagem. 

Dylan + Harrison Estúdio B (player com 19 faixas)


Artigo Bob Dylan and George Harrison through the years, incluindo p
equena cronologia

Ensaiando If not for you para o Concerto para Bangladesh  




Num dos primeiros takes da parceria I'd have you anytime



Uma belíssima versão de George para Mama You've Been On My Mind, de Dylan.
 

Todos os lados de McCartney

Paul official videos
Essa preciosa compilação que encontrei hoje reune simplesmente 5 décadas da produção de vídeos para canções de Paul McCartney, que são testemunho da imensa imbricação da música popular com a imagem em movimento, na qual os Beatles obviamente configuraram um momento a parte que eventualmente poderá ser motivo de outra postagem. McCartney sempre demonstrou particular interesse por essa linguagem. Sobre os vídeos propriamente, apesar da falta de Ebony and Ivory (parece que por motivos legais foi retirado do You Tube), mostram bem como McCartney deixou sua marca também em cada uma das décadas pelas quais se distribui seu repertório multifacetado, que está inclusive sendo objeto das análises certeiras de Pablo Castro em mais uma de suas listas (que está sendo publicada pelo blog parte I parte II). Alguns são simples registros de Paul executando as canções, acompanhando pelos Wings ou outros músicos, outros são mais pretenciosos e dialogam com o vocabulário cinematográfico e audiovisual disponível no tempo de sua produção, apresentando narrativas e uma estética que merecem nossa atenção para além do evento musical propriamente dito. São, em sua diversidade, um modo de ver todos os lados de McCartney.

Long live the long playing

Excelente documentário produzido pela BBC, destacando o papel do LP na transformação da música popular como forma de arte :

"Between the mid 1960s and the late 1970s, the long-playing record and the albums that graced its grooves changed popular music for ever. For the first time, musicians could escape the confines of the three-minute pop single and express themselves as never before across the expanded artistic canvas of the album. The LP allowed popular music become an art form - from the glorious artwork adorning gatefold sleeves, to the ideas and concepts that bound the songs together, to the unforgettable music itself.

Built on stratospheric sales of albums, these were the years when the music industry exploded to become bigger than Hollywood. From pop to rock, from country to soul, from jazz to punk, all of music embraced what 'the album' could offer. But with the collapse of vinyl sales at the end of the 70s and the arrival of new technologies and formats, the golden era of the album couldn't last forever.

Props and opening music shop shots courtesy of Steve Kelly of Lost Chord Glasgow"


Concerto do Dia Internacional do Jazz

O poder da música para construir pontes além das fronteiras.
Aos 1:33, entram no palco para tocar "Travessia"
Milton Nascimento, Herbie Hankock, Wayne Shorter e Esperanza Spalding.
Esquadrão Classe A.

http://live.jazzday.com/



As 20 mais geniais lados B de Paul McCartney - Parte II

Para esta segunda postagem da lista, compartilho essa apresentação redigida pelo talentoso Paulim Sartori:

Pablo Castro, uma vez mais, interlocuciona conosco através de seu incansável poderio intelectual e aguçada percepção musical elaborando, em razão da iminente vinda de Paul McCartney à capital do interior, uma lista de 30 canções "alternativas", porém geniais, de Paul ao longo de sua carreira pós-Beatles.

Raramente damo-nos conta da dignidade de uma produção intelectual como essa, pois que nada menos é que isso. Um exercício crítico-apreciativo, síntese entre um esforço de imersão poética e análise musical detalhada, disposta a qualquer um que se preze a uma leitura não-imediatista e a uma escuta sensível. É triste notar como se tornou difícil ao grande público (e mais, como "foi tornado difícil" a ele) deter-se nessas duas atividades, elementares a uma existência que se quer enriquecida de experiências culturais e aliviada de um pouco da ignorância que nos sufoca. Eis aqui, nesse trabalho (sublinhem a palavra!) do Pablo, uma possibilidade de fuga da claustrofobia dos paupérrimos aforismos performáticos contemporâneos, pautados na viabilização do consumo de tudo o que quer que seja, e a apresentação de uma opção a essa lógica retorcida pela utilidade, cravada meramente na paciência e disposição em se introjetar dialogicamente um conhecimento artístico, dignamente "inútil", como há de ser.

***

Um dos maiores cultivadores confessos das inocentes e tolas canções de amor (Silly love songs)*, Paul sempre soube revitalizar o tema e os gêneros associados a ele com truques sutis de criatividade formal, melódica e harmônica. Esse é o caso dessa pérola esquecida do álbum Wild Life, I am your singer, de 1971, composta e cantada ao lado de sua esposa Linda [e sexta indicada da lista, n.e.]

Pequena trama em Ré Maior, a cadência da estrofe se inicia em seu terceiro grau, Fá sustenido Menor, seguido de um dionisíaco empréstimo modal do tom paralelo de ré menor, Fá Maior com Sétima Maior, continuando com mi menor, segundo grau, até aterrizar em seu tom, Ré. No estribilho, dois movimentos pendulares típicos de dominante e tônica, seguido por síncopes descendentes : D7M / C7(9) / Bm7 / Bb6 / Em7 / Gm7 / D , com o acorde da subdominante menor levando pra casa, cadência bastante utilizada tanto por Paul quanto por John e George.

A forma é simples mas minuciosa, com uma coda que funde o fim do estribilho com o fim da última estrofe: , primeira estrofe, segunda estrofe, estribilho, estrofe instrumental, estribilho , terceira estrofe , diferida no fim, coda. Na instrumentação o trêmolo da guitarra simula as irradiações amorosas, a levada em toada lembra Clube da Esquina 1, a frágil flauta doce enfatiza a leveza e vulnerabilidade inocente desse amor, e em 2 minutinhos a música já deu seu recado.

I Am Your Singer
You are my love, you are my song, liger on,
You are my song, I am your singer.

You are my one, you are my own melody,
You are my song, I am your singer.

Someday when we're singing
we will fly away, going winging.

Sing, singing my love song to you.

My song is sung,
when day is done harmonies will linger on,
I am your singer,
I am your singer,
singing my love song to you.

 
* [Felizmente essa está muito mais para o singelo que propriamente o tolo. Paul McCartney anda como poucos nessa corda bamba, e como poucos é capaz de fazer a canção bater asas no jardim da delicadeza. n.e.]

A sétima da minha lista das desconhecidas de Paul vem a ser a interessante Dress Me Up As a Robber, de 1982, LP Tug Of War. Constituída de uma sequência de acordes menores à la Milton Nascimento : Em7 / Dm7 / Cm7 / Bbm7 / Dm7 / Em7, em que a tonalidade torna-se altamente ambígua ( embora a princípio trata-se de algo em mi menor com vários empréstimos modais) , exatamente como em músicas como em clássicos de Bituca como Vera Cruz . Trata-se de fruto de um diálogo de Paul com certas sofisticações harmônicas ligadas ao movimento disco, talvez o último momento pop no auge do império da indústria fonográfica que carregava uma certa ousadia harmônica - Bee Gees , Earth Wind and Fire, Michael Jackson e Stevie Wonder* em particular - , a exemplo das anteriores GoodNight Tonight (http://www.youtube.com/watch?v=DRCgueckAXE) e Arrow Through Me (http://www.youtube.com/watch?v=7lFBq8t5kdw ) , ambas de 1979, e pelas quais ele foi trucidado pela crítica ; no caso de Dress Me Up as a Robber, ele , mais uma vez, prenuncia certas tendências ligadas ao predomínio dos teclados e dos agudos durante toda a década de 80, mas com conteúdo musical consideravelmente mais denso . Cantada quase toda no falsete, o arranjo apresenta uma máquina de ritmos sintéticos aliados à soberba bateria de Dave Mattacks, uma guitarra rítmica , um baixo fretless, todos elementos característicos da década de 80, e , surpreendente, um virtuoso violão de cordas de nylon tocado pelo próprio Paul.

A forma é mais uma vez meticulosa: introdução com uma frase forte em uníssono, primeira estrofe, segunda estrofe, terceira estrofe diferida instrumental ( solo incrível de violão! ) , e aí o B , levando uma repetição do riff da introdução, um intermezzo em vamp de mi menor, outro B com letra diferente, e finalmente a terceira estrofe cantada, para terminar na introdução diferida para o final. Do ponto de vista harmônico, na estrofe instrumental que leva para o B, vale destacar a mudança depois de Bbm7 : Eb7(4)(9) / Ab7M(9) / % / e a modulação para Sol Maior : D7(4)(9)/ G7M :// Em7 , voltando ao tom original de Mi Menor. A melodia é ágil e cheia de arpejos, nas estrofes, enquanto na segunda parte ( o B) é mais monótona e em graus conjuntos.

A letra versa sobre a incapacidade dos disfarces iludirem o verdadeiro amor, ou ainda sobre a relutância de uma mudança aparente que não altera os verdadeiros sentimentos de quem não quer ir para outra guerra. Interessante como a argumentação é positiva e confirma o amor, ainda assim , revela-se defensiva, antecipando alguma ameaça.

Dress Me Up as a Robber

Well you can dress me up as a robber
But I won't be in disguise
Only love is a robber
And he lives within your eyes
Ooh, ooh eee ooh

You can dress me up as a sailor
But I'll never run to sea
As long as your love is available to me
What do I do with a sea of blue?
Ooh, eee ooh

Dressing me up
It doesn't make a difference
What you want to do
Whichever way you look at it
I'm still in love with you
If we go on forever
I may never make a change

Dressing me up
And if I don't convince you
You needn't look too far
To see that I'm not lying
‘cos I love you the way you are
And what's the point of changing
When I'm happy as I am?

Well you can dress me up as a soldier
But I wouldn't know what for
I was the one that told you he loved you
Don't wanna go to another war
No, no, no

 
* [Lembrando que no Tug of War há a participação marcante do Stevie Wonder, na parceria What's that you're doing? e na emblemática Ebony and Ivory (já falei dela aqui no blog; versão ao vivo 2010, aqui) , em que dividiu-se com Paul na gravação de todos os instrumentos e vozes da faixa. n.e.]

A oitava canção semi-esquecida da lista do Paul McCartney é Stranglehold, do álbum Press to Play , de 1986. Embora o álbum tenha sido execrado pela crítica, em parte pelo excesso de produção e suas já habituais incursões em sub-gêneros do pop e a inevitável ausência de concisão formal de seus discos mais importantes, inclusive os dos Beatles, há nele pelo menos 3 boas canções, a bela Only Love Remains (ao vivo, aqui) e os dois rocks Move Over Busker e a própria Stranglehold. Soberbo exemplo de condensação formal, Stranglehold é composta de três ganchos poderosos, cada um dos três tendo podido dar início a uma canção diferente, tal o carisma de cada sessão da música. Aqui vemos Paul na sua especialidade suprema : a tematização melódica consequente e concisa, em que o gráfico do entrelaçamento das diferentes partes da música nunca perde o interesse, mesmo quando há alguma modulação e mudança de "tom" da letra ; pelo contrário, o contraste é sempre de bom gosto e o encaixe é perfeito.

De início, depois de alguns compassos de vamp ( acumulação de energia estática em uma nota parada, no caso Mi menor) , temos a melodia sincopada e de alto fluxo de fonemas (como em Bala com Bala, de João Bosco e Aldir Blanc), com a seguinte fraseologia melódica: a , a' , a, b . Essa melodia tematizada se repete na segunda estrofe, quando , após uma pequena ponte em Lá menor ( I wait , I waaait ) entra o segundo gancho da música : I can wait back in the bar, I can wait ..., junto a uma frase em uníssono de teor altamente blue, que poderia ser o motivo de toda uma outra peça, tal o grau de inspiração; por fim , um refrão em Lá Maior blue que contrasta com as outras sessões, e é altamente memorizável , como de resto toda a canção. Mais uma estrofe, mais uma ponte / B, e o refrão , para outra aparição da frase da ponte na coda fechar a faixa.

É preciso contextualizar a predominância da bateria (sobretudo da caixa) , com alto grau de compressão, como característica da época, auge dos anos oitenta, assim como o sax soprano (ou será alto) , o naipe de metais, as guitarras bastante sujas, mas os violões cordas-de-aço são velhos de guerra da instrumentação roqueira, a exemplo do baixo elétrico, e os indefectíveis vocais.

Por falar em vocais, é pertinente reparar na diferença de interpretação da primeira estrofe, sussurrada , em contraste com as outras em voz plena, de uma letra muito boa. Uma sucessão de perguntas/convites , seguidas da promessa de espera no carro, para a rendição por stranglehold : gravata (como golpe) ou camisa-de força. Gosto especialmente de "Are you willing to take such a gamble , I think we can skipe the preamble". [não é todo dia que aparece a palavra preâmbulo numa letra de canção n.e.]

Stranglehold

Can I get you to give me a minute of your time?
Can I get you to slip me the answer?
Can I get you to show me a little of your mime?
You were always a very good dancer

I'd be happy to show you a bit a what I found
I'd be happy to share in it's beauty
I'd be happy to lay low, inevitably bound
I would only be doing my duty

I wait, I wait, I can wait
I can wait back in the bar
I can wait, I can wait, I can wait back in the car
I'll be waiting for you

Stranglehold, you know you've got one on me
I don't want to go without you
Stranglehold, you've got me where you want me
But I want to know more about you
I want to know more about you

Are you willing to wager a little of your life?
Are you willing to take such a gamble?
Are you ready to walk on the edge of the knife?
Then I think we can skip the preamble

I wait, I wait, I can wait, I can wait
I can wait back in the bar, I can wait, I can wait
I can wait back in the car, I'll be waiting for you
I'll be waiting

Stranglehold, you know you've got one on me
I don't want to go without you
Stranglehold, you've got me where you want me
And I want to know more about you
I want to know more about you

I can wait, I can wait back in the bar
I can wait, I can wait, I can wait back in the car
I'll be waiting for you





A nona incluída na lista lado B de Paul McCartney é a linda Dear Boy, do célebre disco Ram (1971), talvez o melhor da carreira de Paul, no que tange as inventividades e os coloridos que nos acostumamos a procurar nos discos dos Beatles. Aqui, intuo, a influência decisiva seja Burt Bacharah, com seu classicismo elegante e sofisticado, presente nas primorosas camadas de vocais que desenham o arranjo da canção.

Uma balada de estrofe com doze compassos ( 4 + 8 ) e um B mais inusitado (13, 4 + 3 + 6 ), Dear Boy apresenta mais uma daquelas verticais melodias de Paul, que funcionam belissimamente mesmo sem letra, como tema instrumental, mas que cantadas com a maestria que é peculiar ao cantautor britânico, adquirem um alto grau de expressividade. Isso deve ficar claro : há poucos melodistas na história da música popular com tal grau de inventividade e perfeição, concisão , intercalando graus conjuntos e saltos precisos com notável fluência, aqui envolvidos por igualmente inspirados contracantos contrapontísticos no requintado arranjo vocal, gravado por Paul e Linda.

No aspecto harmônico, temo uma condução em Lá menor com a cadência principal : Am / Am/G / F7M / Bm7 E7 , em que a nota fá sustenido do acorde Bm7 caracteriza a escala menor harmônica, com sextas e sétimas maiores, ao contrário do que se poderia esperar de uma cadência mais comum em Lá Menor Natural ( que tem sextas e sétimas menores ) . A parte B insinua uma modulação super básica para o relativo de Lá Menor ( Dó Maior), mas acaba voltando de novo no Lá Menor, tonalidade da canção. Na intrumentação, o piano ( instrumento muito especial para Paul , que dificilmente teria feito essa canção no violão ) , piano elétrico, bongôs, bateria ( principalmente tom tons ), baixo e vocais. Note-se o insistente ostinado em uma nota que entra como signo do fim da parte B, e é tocado curante toda a última estrofe.

A letra , segundo o próprio compositor, é uma conversa consigo mesmo, onde se dá conta da importância do amor da esposa , que antes ele teria subestimado ( já Lennon achava que era um recado a ele, já outros avaliaram que se tratava de um recado ao ex-marido de Linda ) . Interessante notar também que enquanto as estrofes são em "segunda pessoa" , o B é na primeira pessoa, proporcionando uma ambiguidade no sujeito lírico da música. De fato, há várias versões divergentes da letra na internet, inclusive a do próprio site oficial de Paul é claramente incorreta em alguns trechos . Mas é uma bela canção de amor. Curioso o uso da gíria "hang about" , que Lennon usara em Strawberry Fields Forever em 1967.

I guess you never knew,
Dear boy, what you had found,
I guess you never knew,
Dear boy, that she was just the cutest thing around.
I guess you never knew what you had found,
Dear boy.

I guess you never saw,
Dear boy, that love was there,
And maybe when you look too hard,
Dear boy, you never do become aware.
I guess you never did become aware,
Dear boy.

When I stepped in, my heart was dumb
and now, for my love came through
and brought me 'round,
Got me up and about.

When I stepped in, my heart was down and out,
But her love came through and brought me 'round,
Got me up and about.

I hope you never know, dear boy,
How much you missed,
And even when you fall in love,
Dear boy, it won't be half as good as this
I hope you never know how much you missed, dear boy,
How much you missed , dear
Boy




A décima escolhida na lista do Paul é a formidável Golden Earth Girl, de 1993, álbum Off the Ground, sem dúvida o ponto alto do disco. Uma melodia ascendente conduz a bonita e surpreendente cadência : D / D/F# / G6 / F#7(b10)/A# / % / Am7 /% / G7M / % / Gm6 / % / D / % / Em7 A7(11)(9) que é a estrofe da canção. Mais uma vez Paul demonstra seu domínio melódico, com saltos ascendentes e movimentos em grau conjunto ( subido ou descendo as escalas degrau) , mas dessa vez sem uma padronização típica na fraseologia, como é de seu costume , ou seja, a primeira frase melódica é diferente em notas, perfil e divisão métrica da segunda , a segunda da terceira, a terceira da quarta. Portanto, a melodia é altamente narrativa ( conta uma história) , e não se apóia em padrões rítimicos e formais, nessa primeira parte. Outro fator interessante é a medida de 6 compassos na primeira frase, 6 na segunda, alternando para 4 + 4 na último verso ( in a mossy nest, sensing moonlight in the air, moonlight in the air... ) Essa capacidade de Paul de tematizar, tornar singulares os tempos e as medidas das frases, faz uso de segredos invisíveis mas muito apurados de forma, que costumam ser concebidos intuitivamente.

O estribilho consiste de um simples movimento pendular entre a subadominante (Sol Maior ) e a dominante (Lá Maior) com a presença vaga de nonas e décimas primeiras, embora por sobre uma métrica irregular ( 6,5 compassos na primeira frase, seguida de uma segunda de 3 compassos) . Só um sentido de mágica inspiração faz naturais esses "tropeços rítmicos", recurso usado eventualmente por outros grandes compositores (Lennon, Harrison, Milton Nascimento, Tavinho Moura, Beto Guedes) com notável adequação com a melodia e a letra.

Aliás, a letra me parece uma versão feminina de Mother Nature´s Son, do álbum branco : uma menina Terra Dourada, sutil descrição de uma criatura cantada e encantada.

Golden earth girl, female animal
Sings to the wind, resting at sunset
In a mossy nest
Sensing moonlight in the air
(Moonlight in the air)

Good clear water friend of wilderness
Sees in the pool her own reflection.
In another world
Someone over there is counting.

Fish in a sunbeam,
In eggshell seas.
Fish in a sunbeam.
Eggshell finish.

Natures lover climbs the primrose hill,
Smiles at the sky watching the sunset
From a mossy nest.
As she falls asleep she's counting ...

Fish in a sunbeam,
In eggshell seas.
Fish in a sunbeam.
Eggshell finish.