Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.
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2 de novembro de 2023

Agora e depois: os Beatles e a perenidade do efêmero

Acabei neste instante de ouvir Now and Then, canção que acabou de ser lançada e anunciada como a "última canção dos Beatles". O novo single consiste em mais uma das canções de Lennon que Yoko deu aos remanescentes da banda na década de 1990 para o projeto Anthology e acabou não sendo completada à época. Dificuldades tecnológicas para isolar a voz de John Lennon foram superadas a partir dos recursos de "demixagem" que a equipe do cineasta Peter Jackson desenvolveu para o recente documentário Get Back. Mas até a própria existência desse extenso material torna um estelionato a campanha publicitária que envolve este compacto (que é também testemunha da obsessão retrô ao ter mesmo uma versão limitada em fita k7), quando alega que se trata de uma "última canção". Isso não será verdade hoje, nem amanhã, nem mesmo depois que o último deles deixar este planeta. Uma quantidade de material oficialmente inédito gravado incomparável permanecerá à mão e será com certeza retrabalhado, embalado e comercializado quando a ocasião for propícia. E aí certamente uma campanha publicitária igualmente infame e desonesta irá anunciar que "uma nova canção dos Beatles" surgiu das cinzas. Claro que é possível todo tipo de contrargumentação, como amigos me apresentaram em conversas recentes (em especial Vlad Magalhães), uma vez que as contribuições de Ringo Starr e Paul McCartney ao resultado final da gravação foram produzidas "agora", e não "antes", mas a própria lógica da fonografia, desde seus primórdios, desafia constantemente essa distinção. O que estamos ouvindo em 2023 é o arremate de uma demo criada nos fins dos anos 1970s, parcialmente retomada na década de 1990 e finalizada no presente ano - mais de 40 anos em registros de som estão acumulados, como num palimpsesto, em Now and Then.

Minha implicância com a estratégia comercial não me impede de reconhecer que os herdeiros, a empresa Apple e quaisquer outras que detém direitos e interesses econômicos associados à obra dos Fab Four deverão seguir contrariando as previsões dominantes no tempo em que se desenrolou a carreira dos quatro, em que os próprios diziam por vezes que seria muito ela durar uns bons 5 anos. Também não me furto a comentar que relançar as coletâneas azul e vermelha, ato oportunista e caça-níquel evidente, vai na mesma direção. O êxito previsível de tal manobra se somará a outros fatos contemporâneos, como o grande sucesso que está alcançando o novo disco de inéditas dos Rolling Stones, para que constatemos que o rock morreu pero no mucho, já que a fusão aparentemente paradoxal das mais avançadas das mais avançadas tecnologias com a sintomática nostalgia de um tempo "homogêneo e vazio" (para citar o filosofo W. Benjamin) não apenas afaga os ouvidos que embalou por décadas mas conquista improvável novas audiências para os octagenários ainda sentados no alto de seu Olimpo discográfico, ou eventualmente presentes etereamente por meio de suas almas esquizofonicamente manifestadas. 

Eu que sou ateu não acredito em fantasmas, mas há poucos dias estive em Nova York e preferi passar meio de lado pelo edifício Dakota, indo logo prestar meus respeitos à memória de Lennon no mosaico tributo ao autor de Imagine e outras tantas pérolas no Central Park. Now and Then não alcança a mesma inteireza de suas irmãs de berço gravadas no mesmo logradouro - especialmente Free as a bird, que o tempo tratou de dar brilho e destaque na estante porque de fato foi burilada de um modo que evocou melhor a energia da banda, com acréscimos notáveis dos três -  o que atribuo sobretudo à exigência de Harrison para que Jeff Lynne, seu amigo pessoal e colega de Traveling Wilburys, fosse o produtor, assegurando espaço para seu protagonismo ante eventuais mandonismos de Paul. Esta agora claro que é uma canção que traz no germe o finíssimo gênio de Lennon, capaz de descobrir o grandioso no banal como poucos, mas as novas camadas que lhe foram sobrepostas não a alçaram tão alto quanto as anteriores. De repente McCartney conscientemente se conteve, deixando reverentemente que a voz marcante do parceiro fulgurasse com mais força, tocando um baixo protocolar e mandando um solinho de slide mais discreto - sutil e justa homenagem a George (como destacou Rafael Senra), que de algum modo compensa que sua contribuição desta feita tenha sido restrita a partes de guitarra esboçadas nos tempos do Anthology e vocais de fundo extraídos de gravações originais remixados à moda do projeto Love. Seu arranjo de cordas, em dupla com Giles, herdeiro do chamado 5º beatle, não compromete mas também não decola como nos grandes voos do saudoso Sir George Martin. E de certa forma ele pagou pra ver como autor ao retirar cirurgicamente o antigo 'b' da demo, que eu particularmente achava lindo e que o parceiro Pablo Castro apontou como "escapada harmônica". Além de ressaltar as virtudes de John como compositor, o trecho propiciaria oportunidade para alguma surpresa. Ringo Starr, sem surpresa, mais relaxado, segue mantendo seu toque de Midas como baterista que veste a canção da forma mais adequada, sempre sabendo a hora de ficar ao fundo ou de preencher os espaços com viradas certeiras e timbres adequados, criando um arranjo sem pirotecnia que é como a rota de navegação que leva o barco de qualquer gravação até seu porto seguro. 

Now and then, ecoando o passado, soando no presente e simultaneamente se projetando no futuro, sintetiza de algum modo a empreitada de garantir perenidade ao efêmero, à qual os próprios Beatles se lançaram como artistas desde o ponto em que sua inventividade e carisma desafiaram os padrões da indústria fonográfica de seu tempo. A despeito de qualquer publicidade duvidosa, ainda iremos ouvir muito falar sobre e ouvir tocar as músicas dos Beatles na jukebox do patrimônio musical da humanidade.

A demo orginal: 


A versão recém-lançada em single: 





14 de maio de 2021

Música popular e memória: em discos (1)

Revendo uma postagem feita pelo meu parceiro Maurício Ribeiro [quem quiser sacar algumas de nossas parcerias, aqui aqui aqui aqui], compositor, instrumentista, arranjador e produtor atualmente radicado na Espanha,  lembrei-me dessa antiga série que comecei e não foi muito longe, "Música popular e memória". A ideia era convidar leitores que se animassem a escrever suas recordações associadas à música popular. Ficou pelo caminho, depois de alguns episódios que depois recupero e boto link aqui [Pedro Munhoz; Rafael Senra; Míriam Hermeto].  Como às vezes ocorre, eu simplesmente encontro alguma coisa já escrita por alguém, em redes sociais, e dá aquele estalo. Lendo esse do Maurício me deu vontade de retomar a série, agora com esse conceito de partir de discos. Como as pessoas estão sempre respondendo enquetes sobre os seus álbuns preferidos - pelo menos quem tem uma certa idade e ainda aprecia a música a partir desse tipo de suporte - acho que não faltará material. Já deixo o convite para quem quiser entrar nessa roda, é só se manifestar pelos comentários ou fazer contato que será um prazer publicar mais relatos desse mesmo teor. Para aliviar o peso da postagem fiz links para os discos no YouTube, é só clicar no título. 

Gracias, parceiro! Fiquem aí com o relato e a seleção de audiomemorabilia do Maurício:

Meu amigo Luiz Pinheiro me convidou pra participar da brincadeira da capa dos discos, postando uma capa a cada dia. Não gosto de entrar nessas correntes, mas ele deu uma subvertida postando as 10 capas de uma vez, o que me inspirou a fazer o mesmo.

Além disso, vou mandar um pequeno texto sobre cada disco e o que ele representou pra mim. Portanto, quem só quiser saber quais são os discos, basta ver as imagens; quem quiser ler textão, segue; e quem acha que a brincadeira deveria ser durante 10 dias, volte aqui por dez dias lendo uma história por dia... hehehe
Daqui, seguimos cronologicamente em relação ao momento em que fui apresentado a estes álbuns.
Os Beatles foram a primeira banda que me lembro ter escutado, e escutado sistematicamente. O álbuns da primeira fase – e também a coletânea vermelha 1962-1966 que eu ouvia na casa do meu tio Elson e em fitas k7 gravadas dali pelo meu pai – foram praticamente decorados por mim ainda na primeira infância (ainda que meu inglês tivesse sido inventado por mim mesmo, o "inglês de sonoridade"). E foi ali, entre a primeira e a segunda infância, que eu, pela primeira vez, escolhi como presente de aniversário algo que não fosse um brinquedo. Talvez motivado pelo nome do LP, pedi para meu pai para comprar o Revolver. Até aquele momento eu vinha conhecendo os Beatles cronologicamente, e tive a felicidade de me envolver com cada LP a seu tempo, como os primeiros fãs dos Beatles fizeram em sua época. Fico imaginando, então, a sensação dos primeiros beatlemaníacos ao ouvir este disco. Para mim, foi mágico! Para os meus ouvidos, Revolver soava muito diferente dos álbuns anteriores, e realmente era. E foi o álbum que me empurrou para a segunda fase da banda, da qual só anos mais tarde fui ouvir inteiramente os LPs. Mas naquele momento, vim a conhecer e aprender as canções desta nova fase através dos k7s e da coletânea azul 1967-1970. De todo modo, Revolver representa pra mim toda a minha relação com os Beatles e com a música em geral, desde e até sempre.




Talvez minha memória me engane, mas vários anúncios publicitários de TV do final dos anos 70 e durante os anos 80 trazia como trilha sonora músicas do Jean Michel Jarre, entre eles o do Telecurso (1º ou 2º graus) e o do prêmio Operário Padrão. Além disso, meu pai em casa o Equinoxe. Entre a escuta de Beatles e uma grande variedade de música brasileira, também me encantava a sonoridade modernosa e sintetizada dessa música eletrônica. No entanto, eu me comportava de maneira diferente: quando eu parava para escutar este álbum, eu ouvia e reouvia uma música para descobrir e entender cada camada e textura ali presentes; tinha a clara e perceptível melodia, mas havia uma seção rítmica elaborada, os arpegiators, diferentes timbres de sintetizador... Eu, ainda sem saber o que eram estas estruturas ou nuances, já percebia a diversidade de componentes musicais ali engendrados, tão distintos uns dos outros mas funcionando perfeitamente juntos. Certamente, vem da música eletrônica daquela época a minha escuta ao detalhe, e certamente vem deste álbum o meu gosto duradouro pela música sintetizada dos anos 80. Acho que foi onde eu descobri que a música se apresenta em camadas, e cada uma delas – e todas juntas – tem um gostinho especial.

Obviamente, a música brasileira sempre foi majoritária dentro de casa. E meu pai foi um grande apreciador de LPs, e buscava estar sempre atualizado com os lançamentos de diversos estilos. Ouvíamos Noel Rosa, Cartola, Paulinho da Viola, João Nogueira, Elis, muito Chico-Caetano-Milton (nem tanto Gil, estranhamente), Simone, Taiguara, Gonzaguinha, Jovem Guarda... bem, a lista de nomes não caberia nem em centenas de posts. Nesta difícil tarefa de listar 10 álbuns, eu posso marcar como certa a escolha do LP Vida, do Chico Buarque. Você imagina uma criança de 10 anos de idade deitando no sofá e botando este disco pra escutar repetidamente, lendo o encarte, aprendendo a cantar todas aquelas canções? O disco tem algumas obras primas, mas dada a minha idade então, eu só vim a compreender a profundidade das letras muito tempo depois. Entretanto, uma delas em especial me tocava desde aquele momento, e me emociona até hoje: Bye bye Brasil. Eu percebia a música como melancólica, ao mesmo tempo épica; a aventura de uma partida forçada e dolorosa, ainda que necessária. Quem diria, né? De todo modo, até hoje eu considero este um dos melhores LPs de Chico. E, não por acaso, nos shows-tributo a ele que faço aqui na Espanha, canções como Vida e De todas as maneiras estão sempre presentes.


É difícil explicar a importância dessa banda na minha vida. Conheci e escutei demais todos os LPs deles – ao menos enquanto ainda estava ali o Flávio Venturini. Eu diria que, em termos de freqüência e importância na minha formação musical, eles chegam a se aproximar dos Beatles. Ali, como em J. M. Jarre, de novo os sintetizadores e timbres me faziam mergulhar fundo nas camadas da música – e somavam-se a eles os arranjos vocais e as letras; uma canção recheada de muita mineiridade. A cada escuta eu tentava cantar uma voz diferente, e isso exercitou ainda mais minha percepção aural. E cada LP continha uma música instrumental, o que eu achava o máximo pois parecia música de comercial – não sei porque, eu gostava da música ilustrando uma imagem, e os comerciais me tocavam mais pela música que pelo conteúdo. Talvez aí uma conexão com Jean Michel Jarre e Kraftwerk... O segundo LP da banda, 14 Bis II, foi o primeiro a entrar em casa, e certamente motivou a compra dos outros. E Planeta Sonho foi um hino pra mim, justo no momento em que eu começava a aprender violão.



Novamente um LP de 1980. Ano importante, hein? Conheci Supertramp por ele, talvez influenciado pelo meu primo Sandro que o tinha em casa. Mais tarde, fui conhecer os álbuns de estúdio da banda, da qual ainda sigo ainda um grande fã. Este álbum traz, provavelmente, suas melhores músicas – ainda que uma ou outra música genial tenha ficado de fora. De novo, há uma música-chave que remete aos comercias de TV: o refrão instrumental de Fool's Overture. Não me lembro de qual comercial, pode até ser insignificante; mas quando a escutei pela primeira vez, relacionei com uma propaganda da época, o que aumentou minha curiosidade sobre a banda. De todo modo, o Supertramp representou a minha introdução ao rock progressivo – ainda que depois eu tenha entendido que estava redondamente enganado a respeito da atribuição deste rótulo a eles. Mas Fool's Overture tinha, sim, uma estrutura formal que remete a algo de rock progressivo; e além dela, quase todas as outras canções do disco têm sua importância gravada na história da música pop. Junto com Jean Michel Jarré, foi o disco que, anos depois, me motivou a aprender teclados. E tanto Roger Hodgson quanto 14 Bis me fizeram – e ainda fazem – insistir em cantar em um registro vocal que não me cabe.

Eu conheci o Rush por engano. Um amigo – agora não me lembro quem – havia dito que tinha a música da série Profissão: perigo. Eu imaginava que fosse o tema que era tocado quando terminava o episódio, uma música bem alegrinha – de novo, eu e a música pra TV. Ele me gravou um k7 com Tom Sawyer, que era usada para anunciar o episódio na TV. Na telinha, vinham apenas os 4 acordes iniciais que compõem o riff a estrofe da música. Não era o que eu esperava, mas "baum também". Entretanto, quando a escutei inteira no k7, eu não gostei: – "que voz estranhíssima", pensei comigo mesmo –, e deixei a banda pra lá. Poucos anos depois, em 1990 (meu último ano de Escola Técnica), eu estava em um papo com meu amigo Cabral onde veio à tona o Rush, e eu disse que não gostava. Daí, ele me emprestou o Exit... Stage Left. Ali eu pude escutar um conjunto mais completo de canções, e de repente Tom Sawyer e a voz do Geddy Lee faziam todo sentido. O Rush se tornou a principal trilha sonora de praticamente uma década da minha vida, junto a um grupo maravilhoso de amigos que nos denominamos Os Inflamáveis. Ainda escuto, com menos frequência do que antes (assim como os demais álbuns dessa lista). Mas este LP representa um enorme salto na minha trajetória, tanto pessoal quanto musical. Ele fez a ponte para o rock, que até então eu nunca havia ouvido pra valer! Só depois de conhecer os demais trabalhos da banda é que eu fui levado a escutar os clássicos do rock – Led Zeppelin e Deep Purple, e mesmo Iron Maiden –; e o Rush foi, dessa vez corretamente, a porta de entrada para o rock progressivo, vertente estética do rock que ainda me mostra caminhos, não importando em que estilo musical eu me situe.
A partir daqui, a lista fica mais condensada no tempo. Estamos em 1990, e do Rush eu fui muito rapidamente para o rock progressivo. Talvez o primeiro LP que eu tenha comprado pra mergulhar neste universo tenha sido o Time and a word, segundo álbum do Yes. Eu me arriscava em LPs que não conhecia, recomendados pelo meu vizinho e músico Rubinho, que tinha uma banca de LPs usados numa feirinha em Vitória (ES), onde eu morava. Ali foi onde comprei às cegas e conheci Yes, Genesis, Focus, ELP, Premiata Forneria Marconi, Eloi, Van de Graaf Generator, Gentle Giant, entre outros tantos. Música cabeçuda, enfim!! Mas foi realmente um assombro quando descobri o Thick as a brick, um álbum inteiro com apenas uma música de 45 minutos. Pra mim, era o progressivo do progressivo! Ainda que eu reconheça em Yes uma sonoridade mais representativa do estilo, em Genesis uma construção musical e temática mais "palpável" (no bom sentido), e em Gentle Giant uma complexidade composicional mais profundamente admirável, acho que o Jethro Tull consegue protagonizar o símbolo de toda essa minha duradoura fase. O disco é visceral, lírico, profundo, complexo e bem amarrado!

Este álbum – um dos meus primeiros CDs, já que em 1993 eu ainda comprava LPs – foi uma grande guinada na minha vida. Ganhei de presente da Yara, com quem eu namorava na época. Não conhecia Pat Metheny até então, e acho que foi premonitório ela ter me presenteado com ele. Quando eu o escutei pela primeira vez, foi um baque!! O álbum inteiro me prendeu no início ao fim, por anos. Ali pela mesma época eu conheci o Brutus, um flautista que se tornou um grande amigo e parceiro. Grande conhecedor e admirador da obra do Pat, Brutus me apresentou o restante da sua obra, que veio a se tornar uma das minhas maiores referências musicais. Só depois dele eu fui mergulhar em Toninho Horta, e de quebra o Brutus me apresentou também o guitarrista Kevin Eubanks. Meu segundo CD, Trio (2013), é uma influência direta destes três guitarristas, que seguem sendo ainda um norte nas minhas escolhas musicais. Foi também meu primeiro contato íntimo e interessado com o jazz, território de constante pesquisa e descobrimento.

Nos anos 90, minha vida estava intensa, e eu ouvi muita coisa diferente. Como sempre, tudo misturado, ainda que essa mistura pudesse ter lá suas conexões internas. Com a viagem no rock progressivo e o descobrimento de Pat Metheny, eu não tive tanto interesse pela música brasileira feita naquele momento, e em se tratando de Brasil eu passeava entre os clássicos dos 60 aos 80, agregados ao BRock – o rock brasileiro surgido no últimos anos da ditadura (Legião, Paralamas, e todo mundo). Mas foi justamente entre o rock progressivo e Pat Metheny, com as pinceladas sempre recorrentes de Beatles, que eu fui ouvir com mais atenção ao Clube da Esquina, e por fim mergulhei – com imperdoável atraso – em Milton Nascimento. Eu já conhecia muito da sua obra de maneira picotada, através de outros intérpretes, de ouvir em rádio, ou de ouvir um disco ou outro. Eu já repetira centenas de vezes no meu toca-discos a coletânea "Nada será como antes – Elis interpreta Milton", que congrega as duas maiores estrelas da música brasileira. Eu também já tocava muita coisa de Milton que figurava entre as mais conhecidas. Mas a mistureba que eu escutava nesse momento, creio eu, me fez voltar pra conhecer o Bituca de uma maneira mais sistemática. Ali eu via jazz, via rock progressivo, via Beatles, conseguia distinguir a guitarra do Toninho... era tudo junto, e tudo mineiro demais! O CD gravado com orquestra fez a coisa ficar ainda maior. Eu comecei a perceber que a grandeza dos sintetizadores que eu tanto gostava em Equinoxe ou no Yes buscavam replicar instrumentos de verdade, que no álbum do Milton estavam todos presentes, tocando pra valer. Ali eu comecei a querer virar arranjador. E, de quebra, foi onde eu elegi Outubro como meu hino, uma das canções mais bonitas já escritas.

Minha lista termina ainda nos meados dos anos 90, no mesmo embalo que me apresentou Pat Metheny e me fez redescobrir Milton Nascimento. Se na vida musical profissional eu me alternava tocando com o Grupo Corsário (influências de 14 Bis e Boca Livre, entre outros) e trabalhos esporádicos com uma dupla sertaneja e em bandas de axé (o pagode só veio no fim da década), o meu caminho de aprendizado e escolha pessoal já havia sido impactado profundamente pela obra do Pat. O gosto por música instrumental me levou à música erudita e orquestral, ainda que naquele momento elas viessem em doses homeopáticas. Mas daí eu comecei a tocar na Orquestra de Violões do Espírito Santo, criada pelo violonista Fabiano Mayer. Era um trabalho muito bonito, e que me trouxe também experiências musicais e pessoais profundamente transformadoras. Com ouvidos carregados de violão, eu conheci – talvez também por intermédio do amigo Brutus – o grupo D'Alma, trio formado pelos violonistas André Geraissati, Ulisses Rocha e Mozart Mello. A gravação do disco me foi dada em k7, pois não encontrava o LP pra comprar. A música era muito foda, tocava em mim pela natural proximidade com o violão; era um lance meio jazz brasileiro, tinha a elaboração do rock progressivo... enfim, um trabalho que eu ouvi exaustivamente, e que anos depois influenciou minha primeira produção autoral, o CD Ventania no cerrado (2011). Ainda que eu nunca tenha chegado ao nível de execução destes três grandes, eu gravei uma neste CD uma música para 3 violões, Para cada esquina um sinal, uma referência direta à influência do D'Alma. Além disso, nos shows de divulgação do meu CD nós tocávamos um arranjo feito pra Roda Gigante, uma das composições de Ulisses Rocha neste LP. E, por fim, dali eu vim a me interessar pelo violão brasileiro: Dilermando Reis, Garoto, Rafael Rabello e Baden Powell foram nomes que passaram a nortear algumas das minhas escutas.

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Pois bem, 10 discos, e ainda estou lá pelos meus quase 30 anos de idade. É provável que, de lá pra cá, eu tenha descoberto coisas que me modificaram em parte ou completamente. Mas talvez o tempo e a maturação sejam necessárias para que a gente se dê conta de como nos transformamos. Igualmente, é bem provável que eu tenha deixado passar alguns discos importantes, ou que eu tenha escolhido um ou outro álbum equivocadamente para ser o representante de um conjunto de coisas... de Beatles, poderia ser qualquer um; no progressivo, igualmente, dada a infinidade de material. Enfim, fica aí a lista pra posteridade! heheheh
Vou postar uns links ilustrativos – e curiosidades! – nos comentários para entreter os mais interessados. O convite que se supõe fazer pra manter a corrente fica estendido a todos que quiserem falar de música e de suas influências.
Saludos!!!

Por Maurício Ribeiro

22 de abril de 2020

Ouvindo um museu - um registro de campo no The Beatles Story, em Liverpool

Em 2015 estive na Inglaterra para apresentar uma comunicação num evento internacional e realizar  diversos trabalhos em campo, em Londres e Liverpool. Com apoio do CNPq, aliás. Isso era parte do investimento em pesquisas sobre as relações entre patrimônio cultural e música popular, veio que continuo explorando. 
Atualmente tenho pesquisado também o papel do som de maneira mais ampla, tanto enquanto acervo que exige cuidados específicos quanto como recurso expográfico que também traz demandas e desafios para seu emprego nos museus. Estava aqui lendo um artigo de Nathalia Lavigne na Folha [aqui] falando em overdose de lives e experiências sensoriais visuais em tempos de quarentena, e me lembrei do  registro em áudio do que fiz percorrendo os diversos módulos da exposição permanente do museu The Beatles Story, em Liverpool, Inglaterra, em 21/06/2015, de 17:20 às 18:20. Alguns trechos são comentados. Foi feito também um registro fotográfico a ser disponibilizado em conjunto com esta gravação.



Para quem quiser acompanhar com mais detalhe, pode ler o trabalho completo que apresentei naquele mesmo ano no 2º Seminário Brasileiro de Museologia (Sebramus) e/ou ver uma apresentação mais simples em slides de uma comunicação que realizei em outra ocasião na UFMG. 

19 de abril de 2020

Bolacha completa - Terra, vento, caminho (1977), de Dércio Marques

Fico muito contente em inaugurar uma nova fase da coluna "Bolacha completa", trazendo como colunista convidado meu caríssimo e admirado Felipe José, compositor, multi-instrumentista e professor do curso de Música da Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana). Quem quiser pode sacar melhor o trabalho e o currículo dessa grande figura. Estamos ainda desenhando uma proposta, mas podem esperar coisa boa a caminho, como séries temáticas dentro da coluna. Por agora fiquem com a postagem de estreia, que foi a motivação para esse convite. Vamos longe!


-- V --


Um disco de música forte e misteriosa, do mineiro (de Uberlândia) filho de Uruguaio, cabra forte e lamentavelmente muito pouco conhecido: Dércio Marques. Nesse álbum, o primeiro da carreira de #derciomarques - lançado em 1977 - aparecem canções de #atahualpayupanqui e também de #elomarfigueiramelo, além de canções autorais. Gosto muito dos arranjos e da força dessa música que não sei nomear... um misto de canção simples com música devocional pagã e mineiridade clássica (leia-se #sacroprofana). Uma beleza pra guardar direitinho no peito de gente humana.
Tive a sorte desse disco aparecer na minha mão um certo dia desavisadamente num sebo em São João del Rei, me me deleitei com um teor musical de tipo enigmático pra mim. Depois vim a saber, pela minha amiga @deatrancoso_oficial - também figura forte enigmática - que o tal Dércio era ligado à natureza e aos vegetais, e dei ainda mais valor à esse disco que conjuga coisas simples e poderosas: TERRA, VENTO, CAMINHO. De lá pra cá o escuto a tempos esparsos, sem me deter demasiado, mas sempre, a cada encontro, tenho uma sensação de força profunda, coisa de raiz de árvore grande. #minasgerais #musicamineira #musicabrasileira #violao #songs #latinoamerica #sertao #brasil #brasilprofundo #musicaboa #voz #ohminasgerais

Por Felipe José 

 

29 de março de 2020

Quare(A)ntena



Enquanto estamos encarando essa famigerada quarentena, especialmente apreensivos no Brasil em razão do comportamento criminoso, irresponsável e equivocado de algumas das principais figuras governamentais nacionais, inclusive o próprio presidente, aqueles que atuam na seara musical e cultural estão duplamente desafiados: de um lado, lidar com as tremendas preocupações e dificuldades materiais que esta crise de saúde pública promove e lhes alcança forte e imediatamente, pelo impedimento necessário das aglomerações com o justo objetivo de reduzir a velocidade de contágio e a escalada de casos graves, que lhes inviabiliza realizar apresentações ao vivo e outras atividades essenciais de sua profissão; de outro, responder ao chamado por sua contribuição artística e cultural, um bem indispensável em qualquer circunstância mas particularmente urgente de alcançar num momento em que uma parte considerável da população mundial está reclusa. Em nosso caso esses desafios se tornam ainda mais agudos e dramáticos, pelo fato de não termos no país políticas adequadas para garantir a sustentabilidade dessas atividades profissionais para além daquele recorte imposto pelo mercado e sua lógica cultural industrial massificada própria. Aqui e ali constatamos algumas iniciativas, como lançamentos de editais para projetos de apresentações online, das janelas, ou auxílios econômicos mínimos que o Congresso procura aprovar e que em alguma medida mitigam essas dificuldades.
Não sou produtor, não sou uma pessoa da área de marketing, nada disso. Sou pesquisador e também compositor. Tenho por isso parceir@s e amig@s que abraçaram a música como profissão, dela tiram seu sustento e dela fazem uma razão de viver. Pensei assim em criar essa postagem "painel" de programação de apresentações online e mais coisas que for o caso de agregar. Este não é um blog comercial e sim pessoal, e eu o atualizo sozinho. Sendo assim assumo a princípio como editor que esta seleção (ou se formos empregar um conceito bastante em moda, esta curadoria) baseia-se essencialmente nos meus vínculos artísticos e de amizade. Na medida do possível e desejável, através de comentários ou de compartilhamentos pela página oficial do blog no Facebook, outros trabalhos podem vir a ser incorporados.
A ideia, ao menos agora, é que concentrando tudo nessa postagem, as lives e vídeos que estiverem fazendo agora circularão de uma vez só, para o público que cada um consegue alcançar. A postagem tem duas seções. A primeira funciona como um Arquivo, ou seja, incorpora na página aquilo que já aconteceu, que de repente alguém não viu ou quer rever. Como vários desses meios atuais de difusão são tremendamente efêmeros, esta função enseja um pouco a aplicação prática das pesquisas que faço sobre patrimônio cultural e música popular. A segunda é uma seção de Anúncios, em que vou recebendo e atualizando a programação futura com seus respectivos links ou contatos.
Por fim, a seção de comentário do blog Massa Crítica Música Popular fica sempre aberta e quem quiser pode deixar críticas, comentários, sugestões e links com sugestões para lives e outras atividades que quiser recomendar. Por agora é isso e fiquem o máximo e melhor possível de Quare(A)ntena.


Arquivo:

Da série "Co-vídeos" do meu parceiro Maurício Ribeiro, atualmente pousado em Valência, Espanha. Com Vinícius Augustus, em Belo Horizonte, Brasil; Joana Radicchi, em Lisboa, Portugal; e Edson Fernando, em Bhopal, Índia; a música é "Ventania no cerrado", que dá título ao disco homônimo. (19/04/2020)




Do meu parceiro Benji Kaplan, de NY: "Canção da esperança" "Song of hope" (30/03/2020)





Show live do Parceiro Makely Ka: Rio Aberto - Instrumental de Violas em Quarentena







Lives do meu parceiro Artur Araújo no facebook:

LIVE autorais e versões - 29/04/2020



Live Belchior I - 15/04/2020 



Live Temática Clube da Esquina



Live solidária (03/04/2020)



Belchior Live parte II - 22/04/2020



Lives do meu parceiro Pablo Castro no facebook:

Pablo Castro canta Lô Borges (25/04/2020)



Pablo Castro autorais I - 24/04/2020



Pablo Castro canta Chico Buarque II (20/04/2020)




Pablo Castro canta Tom Jobim III (20/04/2020) 




Pablo Castro canta Tom Jobim II (18/04/2020)




 
Pablo Castro canta Tom Jobim (16/04/2020)



Pablo Castro canta Milton Nascimento II (15/04/2020)




Pablo Castro canta Milton Nascimento I (13/04/2020) 






Pablo Castro canta Genesis na formação clássica (11/04/2020)





Pablo Castro canta Paul McCartney (09/04/2020)




Pablo Castro canta João Bosco (2a. parte) (09/04/2020)





Pablo Castro canta Djavan (06/04/2020)




Pablo Castro canta John Lennon (04/04/2020)







Pablo Castro canta Gil (02/04/2020)





Pablo Castro toca Clube da Esquina - II (01/04/2020)





Pablo Castro toca Clube da Esquina - I (31/03/2020)





Songbook Chico Buarque (30/03/20)




Álbum All things must pass - George Harrison (28/03/2020)



Songbook Beto Guedes (26 e 27/03/2020)








Songbook Edu Lobo (25/03/2020)



Songbook João Bosco (24/03/2020)



Repertório João Gilberto (23/03/2020)



Thiakov Davidovich  Aulas-live sobre a guitarra dos Beatles

 Base e solo simultâneas II (28/04/2020)



Base e solo simultâneas (16/04/2020)





Parte I (01/04/2020)



Parte II (02/04/2020)





Anúncios: 



Artur Araújo
Hoje faço minha primeira live às 17h no @festivaldasaladecasa. Vai ser um barato poder compartilhar minhas canções com vcs e bater um papo sobre música nesse domingão. Nos vemos lá! 












Makely Ka
Próxima sexta-feira, dia 3 de abril, faço uma transmissão ao vivo do show “Rio Aberto”, instrumental de viola (...) a partir das 20h simultaneamente em todas as redes e plataformas que utilizo (YouTube, Facebook e Instagram). Mais informações aqui.




Artur Araújo
Nessa quarta farei a próxima live com releituras de canções (boa parte não tão conhecidas), das quais me apropriei como intérprete. A live será na minha página do instagram @arturaraujooficial. Aproveito também pra anunciar que nessa sexta (3/04) às 17h, farei uma aqui no face mesclando autorais e releituras. 








Thiakov


Hoje à noite (01/04) vou fazer o repeteco da live/aula sobre as guitarras dos Beatles - frases, solos e bases. Dessa vez vai ser aqui no Face.











Canais:
Campanha: a ideia é ajudarmos uns aos outros a alcançar 1000 inscritos no YouTube para monetizar nossos canais (significa que o YouTube irá começar a te pagar por cada visualização).
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Dan Oliveira  - Música Aos Montes

 















Leandro César - Leandro César
















Daniel Guimarães - Daniel Guimarães













Raul Mariano - Raul Mariano


















Irene Bertachini - Irene Bertachini  























Maurício Ribeiro - Maurício Ribeiro