Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.
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2 de setembro de 2025

OURO SA(N)GRADO

Feliz da vida de voltar a escrever sobre uma parceria assim que a gravação é lançada e começa a chegar aos ouvidos das pessoas. Cada canção, uma história. Ou várias, ainda mais quando passa um longo período entre a lavra e o lançamento, como é o caso desta. Enquanto tento rememorar, eu já sei, inclusive como alguém que se dedica a estudar a memória, que algo já se perdeu nesse caminho. Outro tanto, quem sabe, vou ganhar agora, ao recobrar a lembrança neste instante, no presente. 

Estimo (nos dois sentidos) ter conhecido o parceiro Leandro César em meados da década passada. Tempo em que ele estava envolvido em projetos como o Festival Palavra Som e o Coletivo Casa Azul. Eu tinha retornado de Governador Valadares para BH em 2010, para tomar posse como professor do curso de Museologia da UFMG, e depois disso sei que levou algum tempo para me reconectar com a cena musical da cidade. Encontrar a galera da geração seguinte à minha agistando muito o coreto, com festivais autorais, discos, iniciativas coletivas de toda ordem, foi empolgante e estimulante. Além de tudo me comovia o fato dessa geração seguinte ter proximidade com a minha, conhecer nossos trabalhos, andar junto também. É um sentimento que ainda me toca muito, e que revela a densidade dessa cena autoral Belorizontina, Mineira, Brasileira, da qual tenho muito orgulho de fazer parte. Depois de um tempo nessa aproximação, naturalmente apareceram as primeiras parcerias. Leandro me passou duas melodias, uma delas era a que veio a ser Ouro Sa(n)grado. Acho que ela capta bem um aspecto fundamental que nos une, que é o esmero do ofício: ele como um artesão que se desdobra em tudo que cerca a música, de construir instumentos a compor, arranjar, tocar, cantar e gravar num estúdio que ele mesmo ergueu; eu um historiador e letrista, sempre querendo reunir com as palavras os sons e as histórias vividas.

Minha profissão costuma vir à baila nas sugestões feitas por parceiros quando me entregam uma melodia. Foi o caso. A princípio eu não queria fazer "mais uma" letra de canção sobre a escravidão colonial, um veio tradicional nas temáticas da música popular brasileira. Queria me arriscar numa leitura contemporânea atravessando a História do Brasil, conectando na forma de associações fragmentadas as explorações do passado e do presente. Tentei, mas não estava saindo tão bom quanto eu idealizara, o que ficou evidente pro meu parceiro até mais do que pra mim. Conversamos e eu retomei a feitura da letra numa abordagem mais sólida, tradicional, digamos assim. Mas de alguma maneira - quase sempre é assim - eu dei um jeito de adaptar a minha concepção original, casando a construção de uma narrativa relativamente contextualizada nas Minas coloniais. Logo eu, que apesar de ter sido orientando de IC da grande Carla Anastasia, queria evitar a Colônia, tema de estudos forte na UFMG, tanto que virei um historiador da cultura do Brasil República!  

De todo modo aquela intenção de fugir de uma narrativa linear, pelo menos, preservou-se. Ainda que os versos da primeira e da sexta estrofes sejam "didáticos" ao recapitular a diáspora como travessia do Atlântico no navio negreiro (aqui adotei por sugestão do Leandro o sinônimo Tumbeiro) até as Minas, as demais eu montei a partir do recurso ao "icônico", minerando substantivos que remontavam num mosaico as imagens da exploração dos corpos e dos metais nestas terras. A este garimpo uni a labuta de ourives, que foi arruar rimas internas e reiteração de sonoridades. Acho que logrei captar a dialética da colonização, como diria o grande Alfredo Bosi, reunindo na composição elementos que aludiam a diferentes aspectos da experiência social dos escravizados, ainda que ponto de vista do eu lírico seja de empatia e ênfase no processo histórico que culmina, no saldo de tantas contradições no tempo, em sua libertação e afirmação como sujeitos. 

Dentro da pegada do disco, orgânico, acústico, o arranjo - que fui ouvindo crescer num processo de gestação que o meu parceiro atenciosamente foi compartilhando comigo ao longo do tempo, quase como periódicos ultrassons - me cativou com suas cores e timbres, combinando energias telúricas que aludem à conexão do ser humano com a terra através da labuta com as da cultura que a transcende, alçando nossa imaginação ao sobrevoo que nos dá a ver as várias formas de desafio à opressão e sua superação. E que felicidade que esse canto tenha sido vestido na poderosa voz afrobrasileira de Sérgio Santos, além de tudo grande parceiro em composição de um de nossos maiores letristas, Paulo César Pinheiro. Ambos óbvias referências para qualquer compositor de música popular brasileira tratando deste tema. 

Finalmente, no título, sobrou essa brincadeirinha formal, vanguardeira, que nem sempre as artes gráficas e editoriais captam. O "n" entre parêntesis sintetiza no jogo de sentido cambiante que evoca as faces da moeda colonial e seu papel na formação do Brasil. O fascinante na canção, como linguagem, é que podemos fazer isso sem que soe como uma aula. Compor é mais aprender, com a música e a língua, e compartilhar com os ouvintes a tremenda síntese de sua conjugação. 





Ouro Sa(n)grado

Leandro César & Luiz H. Garcia

 

Quando atravessou no cativeiro

Oceano, vão entre dois mundos

Tumbeiro levou um povo inteiro

Fundo do porão, futuro incerto

 

Corrente, chibata, catedral

Seu corpo, su’alma, seu coração

Pra longe do seu chão


No dente, na tranca, no punhal

Na carne, no ventre, n’ oração

Resistiu

Na mina, na sina, no missal

No ouro sa(n)grado aluvião

 

Na fila, na vila, no curral

mercado, marcado, marginal

Senzala, serviço, união  

No veio, no seio, na prisão, na palma da mão


Mistura o metal e a fé

na lança, na face, a multidão

na dança que atravessa o vão 

Pra se libertar...


Quando aqui chegou tanto tormento

Terra dura cruz dos pés desnudos

Mineiro na lavra o dia inteiro

rude escravidão, palavra nua

 

Cansaço, no braço, um sinal

De santo de guarda de devoção

Traz perto seu irmão 


No dente, na tranca, no punhal

Na carne, no ventre, n’ oração

Resistiu

Na mina, na sina, no missal

No ouro sa(n)grado aluvião

 

Na fila, na vila, no curral

mercado, marcado, marginal

Senzala, serviço, união  

No veio, no seio, na prisão, na palma da mão


Mistura o metal e a fé

na lança, na face, a multidão

na dança que atravessa o vão

 

Pra se libertar...


21 de julho de 2024

FORA DO EIXO


Como sempre faço, vou escrever sobre a feitura de uma canção que bateu asas e voou para fora do ninho da criação. Pensei muito antes de iniciar o relato sobre essa, procurando encontrar o melhor caminho  para contar como nasceu esse pássaro, de uma forma especialmente idiossincrática. É que Fora do Eixo foi inicialmente motivada por um episódio grave, ocorrido em 2013
, quando se expôs publicamente todo tipo de práticas nefastas e criminosas adotadas pelo coletivo de mesmo nome. Para quem quiser tomar conhecimento, lembrar ou se aprofundar, deixo o link da postagem que fiz aqui no blog à época. Em suma era a perversão mais dolorosa de um modelo de financiamento à cultura que sempre critiquei e ainda o faço, até porque sintomaticamente mesmo com esse e outros casos escandalosos nada foi feito para mudar essa concepção que no fundo dá a empresas privadas (o que no fundo era o Fora do Eixo) a gerência sobre recursos públicos recolhidos por impostos e assim o Estado acaba por bancar gratuitamente a promoção de sua marca, produtos, isso sem falar em várias burlas e desvios. O mais chocante era ali a maneira vil com que se explorava o trabalho dos artistas, num esquema que lembrava o de seitas religiosas, o que indignou muita gente, incluindo aí desde a primeira hora meu parceiro Pablo Castro, cuja crítica contundente neste caso compartilhei imediatamente. Decidi colocar em forma de letra todo meu protesto, ainda no calor do momento. Relembro aqui um trecho do original, recuperado em arquivo txt, que demonstra toda a intensidade do sentimento de raiva do "eu lírico" bravo, especialmente no refrão. 

Fora do eixo


Me deixe fora
fora do eixo
deixa que eu deixo
tô rolando meu seixo
tô rachando freixo
pra fender, pra estratocar

(ref.)
Madeixas do meu cabelo
deixa que eu sei cuidar
eu derrubo tronco
eu pego no tranco
atiro de Parabelo
zelo pelo meu lugar

Dei a letra para o Pablo em seguida, naqueles dias mesmo. Ocorre que o processo de compor música a partir da letra é geralmente mais difícil e moroso, mais ainda em parceria. Essa versão nunca ganhou a luz do dia, e muito tempo se passou até que ele me mostrasse alguma coisa que era outra, totalmente retrabalhada, ainda que trazendo ecos do que eu tinha escrito. Vinha numa levada incrível e muito brasileira, incutindo uma malemolência sincopada que se desdobrava na letra da estrofe inicial que ele tinha feito, adentrando uma linha tradicional do nosso cancioneiro popular dançante que é carregada do uso de duplos sentidos e conotações sexuais, quiçá reciclada numa chave boscoblancesca. Ao mesmo tempo trazia uma intenção de atualidade tremenda, que depois ficou perfeitamente traduzida no arranjo que remete ao maracatu eletrizado do Mangue Beat. Além de um esboço do refrão, não havia muito mais e minha tarefa era levar a cabo a letra daquele petardo. Pablo sugeriu o uso do dicionário de rimas, método que os melhores não hesitam em adotar, vide relato de gente do calibre de Chico Buarque. Pra mim era inédito, o que me empolgou, e ainda guardo vários rascunhos feitos naquela tarde/noite, que trazem desde o vocabulário pouco usual que empreguei em alguns trechos, como "usufruto" e "apetrecho", mas também muitas rimas que não entraram, incluindo aí o explícito "sexo" (rsrs). 


Nos esmeramos nas rimas internas, ricas e nas sonoridades recorrentes, como chiados e anasalados.  Observem por exemplo o paralelismo entre versos de estrofes diferentes, como "um charuto, aguardente, um despacho"; "usufruto, contente, esse cacho"; "e lhe incuto premente apetrecho". Modéstia às favas, é coisa de gente grande. Trabalhamos de forma entrosada e num processo dinâmico de ir revisando conjuntamente, trocando pitacos e risadas inevitáveis, afinal tinha algo jocoso naquela virilidade ostensiva como que temperando o rancor que vinha da reação ao fato que fora o estopim daquilo tudo. O próprio processo, cheio de idas e vindas, era muito lúdico e o condão da arte tem disso, permitindo fundir emoção e razão num resultado surpreendente que pode transcender o contexto e até mesmo os criadores, ganhando vida própria. Eu, que ironicamente estou longe de ser um pé de valsa, sentia como se estivesse dançando com a letra, num festejo popular que ganhou contornos mais níticos na gravação, especialmente com a presença da sanfona que reforça alusões a Luiz Gonzaga e seus conterrâneos musicais. Um verdadeiro rebu, uma orgia com as palavras e sons, mestiço e sacana. Não fosse pelo título, o tiro de parabelo no plexo solar do Fora do Eixo seria críptico em demasia, mas taí, nem precisa mexer a rapa do tacho. 




Fora do eixo (Pablo Castro/Luiz H. Garcia)

Ô mama me deixe fora do eixo
deixa que eu deixo
um charuto, aguardente, um despacho
enquanto essa foda me deixa um pau roxo
tem quem ache fácil
siririca em rebu é um negócio

Eia...

Ô mama me mexa a rapa do tacho
abaixa o teu facho
usufruto contente esse cacho
me sirva essa ameixa que eu boto no bucho
tem quem ache ócio
sacanagem se espalha no Face

(ref.) 
Madeixas pra lá meu cabelo, meu pelo
meu falo não calo
revele essa senha 
que eu meto essa lenha
e nós vamo queimá
Sem essa de amor pose de pós rancor
dou de parabelo no plexo solar
amor só se for pra batê e arrebatá

Ô mama me rache a lasca do seixo
agacha que encaixo
e lhe incuto premente apetrecho
ofende mas fende que eu não deixo frouxo
tem quem ache dócil
mocho na pintassilga é tão bruto

Eia...

(ref.)

14 de julho de 2024

O QUE FAZ FALTA

Este ano de 2024, com o lançamento completo do álbum "O riso e o juízo", do meu parceiro Pablo Castro, finalmente tenho a oportunidade de tratar dessa canção, composta há vários anos. Trata-se de uma balada de separação, ainda que seu andamento seja um pouco mais célere, o que cria um certo impulso que previne o resultado final de ser propriamente triste ou melancólico, ainda que não deixe de ser doído. Quando a ouvi a primeira vez, ao violão, a batida ecoava aquela que Caetano usou em "Você é linda", embora aqui o tom apaixonado convicto, em que a amada é celebrada através de sua associação a elementos e objetos percebidos pela beleza, seja substituído por outro em que o "eu lírico" se dirige a ela entre inquisitivo e perplexo, sondando os sentimentos próprios e alheios diante de seu mútuo afastamento.


Outro detalhe digno de nota é que a letra já ia bastante avançada, e o convite era para que eu a complementasse, o que basicamente consistia em fazer mais um par de estrofes e dar talvez um ou outro pitaco. Ainda que a música tenha me cativado de cara, por outro eu julguei tremendamente difícil entrar numa conversa cujo tom pessoal era evidente. Mesmo considerando os muitos anos de convivência e o nosso introsamento como compositores, seria preciso encontrar um caminho para entrar naquela história que não era minha sem parecer intruso. Só restava tentar entrar me ajustando à estética e ao teor da narrativa propostas. Tinha de um lado a forma ABABCC', de outro um texto com um repertório que remetia à MPB de voos líricos, metáforas surpreendentes e sonoridades bem marcantes, com rimas em "em", "ã", "é", "is". O anasalado era uma recorrência significativa, e apelei dos vocábulos dos mais óbvios como "maçã" aos mais improváveis, como "Irã". O eco djavanístico era irresistível, magnético como a peculiar prosódia em "ímã". Assim procurei me inspirar no estilo por vezes enigmático (porém não incompreensível ou sem sentido como querem os apressados) e inconfundível deste grande cantautor alagoano, sintetisando o inconformismo do emissor com o verso "um velho profeta réu no Irã". Num paradoxo muito humano, essa disposição revoltosa representa força e fraqueza do sujeito, diante da separação, que, por mais adiada, é inevitável.

      

O que faz falta (Pablo Castro/Luiz Henrique Garcia)

O que me faz falta fica pra além
depois de amanhã
O amor vai e volta é como um ímã

O que não se espera
pode aparecer
e a ferida se abrir

Momento de culpa, colo de mãe
demora a manhã
um tempo poeta nu no divã

Vai me perguntar
e contar pra você
onde foi que eu perdi

Não sei se lhe importa
que eu olhe pra trás
ou tente entender o que lhe conduz

Você já não volta
talvez por um triz
se o que lhe faz falta você nunca diz
se o que lhe faz falta é quem você não quis

O que me faz falta pra ficar bem
depois do café
amargo a revolta e como a maçã

A mochila pronta
pode parecer
preparada pra ir

Momento de raiva, golpe na fé
adeus num afã
um velho profeta réu no Irã

Vai me desvendar
e contar pra você
o que me fez sentir

Não sei se lhe importa
que eu pire de vez
ou tente encontrar de onde vem a luz

Você já não volta
talvez por um triz
se o que lhe faz falta você nunca diz
o que me faz falta é ver você feliz

4 de junho de 2024

ALMA MOLHADA

 ALMA MOLHADA

Eu e o Mário Wamser já nos conhecíamos há uns bons anos. E já tinha um tempinho também que acalentávamos a ideia de fazer uma canção em parceria. Nos espaços costumeiros de convivência, como o Vento Leste em BH, a gente se encontrava já brincando com isso, “e a parceria?” “agora vai”, “e aí, futuro parceiro?” e o que mais se possa inventar em torno de uma expectativa que fica sendo adiada, por nenhum motivo em especial, simplesmente pela falta da fagulha inicial. Ano passado, numa noite daquelas teve mesmo uma tentativa curiosa, meio à moda antiga, na mesa de boteco. Com nossa musa inspiradora ali por perto, decidi caçar papel e caneta na hora e sapecar alguma coisa de pronto. Até saiu, mas depois a letra não era assim tão inspirada, e a música não estava ali dormindo à espera de ser despertada. Esse modo de compor costuma ser mais raro, especialmente em parceria. Tem outra situação que é musicar poema, mas aqui não seria propriamente isso, quando eu escrevo antes já penso na forma de canção. Enfim, não foi daquela vez. Mas estava esquentando, como se diz no “chicotinho queimado”. Foi então que em janeiro desse ano ele me manda uma gravação com um tema, cantarolando e tocando aquele violão todo trabalhado dele. Aí bateu a responsa. A música tinha umas quatro partes diferentes, bem definidas e articuladas, de modo a sugerir uma narrativa consequente, lógica. Ela tinha leveza, mas de alguma forma também uma sensação de desafogo. Foi justamente o que ele explanou num pequeno áudio que enviou em seguida, acrescentando que queria poucas variações na letra já que pretendia repetir a forma toda. Acessível, “popularmente falando”, e bem mineira, portanto sem banalidade. Lá fui eu. Embora um esboço não tenha demorado tanto a sair, eu não costumo fazer o famoso “monstro”, ou seja, uma letra guia só pra marcar a melodia, divisões, acentuações, etc. Faço às vezes uns tracinhos, como se contasse as sílabas, e quando a nota se alonga eu faço o traço longo. Cada vez mais eu tento acertar de primeira, me impondo o desafio de chegar o mais perto do desejado e depois ir só cortando as arestas. Neste caso eu fui por partes, como diria Jack... vocês sabem... O “B” (ou ponte) deixei por último, era o mais difícil, porque tinha que funcionar na letra como na música, ou seja, ser um tipo de ponderação ou questionamento dos versos iniciais “A” e ligá-los às partes subsequentes, em que o “C” é o clímax e o D uma espécie de epílogo. Eu fui entendendo isso enquanto fazia, que precisava levar o “eu” do seu alegre e lírico despertar até um estado mais reflexivo, em que ele encontra a paz depois da tormenta - provavelmente isso é um ponto de identificação com a canção para mim, para o Mário e para qualquer ouvinte dela: quem nunca?  Por isso a palavra “chuva trás da curva” (bem mineiro :P) foi uma espécie de centro gravitacional, indicando que a fumaça já se dissipara e lançando no tempo presente a disposição de seguir adiante, viver, tocar violão, “te” encontrar (sempre lembrando os Beatles da primeira fase, mestres da interpelação direta do intérprete para o/a ouvinte). Essa chamada trás no final uma espécie de convite convicto, imperativo, para que o ouvinte compartilhe essa onda, encha os pulmões, dance, e claro, escute a música (se for essa mesmo, melhor ainda, vale a propaganda subliminar rsrs). Tudo portanto terminaria no gesto final de respirar, depois do sufoco, e a princípio “Respira” era também o título da canção, mas meu parceiro veio com a sugestão de “Alma molhada” (foi uma repaginada dos versos do Brant em Nos bailes da vida) e eu gostei, tem personalidade e deu mais cara de música mineira mesmo rsrs. Acho que poucas experiências na vida me ensinam tanto sobre co-laboração quanto a parceria para compor. Não é simples traçar a linha entre até aonde vai a nossa personalidade e onde começa sua dissolução num recipiente diferente em que a criação é compartilhada. Saber receber isso é bonito, e tenho tido sorte. E banhado minha alma muitas e muitas vezes!

Alma molhada (música: Mário Wamser; letra: Luiz H. Garcia) jan-2024

 

A         Tirei

            Os meus pés do chão

Eu valsei no vão

Entre qualquer lugar

e a hora de acordar

 

A’         Sono leve

Despir do lençol

Servir um café

Um brinde ao sol alçar

nessa manhã sem par

 

B         Um dia que a gente respira

Depois que dissipa a fumaça

a alma molhada de sonho

deságua

 

C         Chuva

Trás da curva lá já lavou

nuvem passageira

outra vida inteira

agora quero andá(r)

Pego a trilha

Aprendendo sem decorar

Pra valer viver, tocar um  violão, quem sabe te encontrar?


D         Enche seus pulmões

Põe as mãos na arei_a

Dança em pleno ar

Ouve um som na vei_a

Respira 



29 de novembro de 2023

COISAS QUE FICARAM MUITO TEMPO POR DIZER



Fazer canções é um ato de alegria desmedida. Ainda mais, pra mim, quando o caráter lúdico envolvido não implica numa redução à banalidade. No último final de semana estive com o parceiro Pablo Castro e compusemos como nos velhos tempos, duas canções. Uma delas, da qual falarei noutra ocasião, foi praticamente "em tempo real", ele ao violão tocando o mote inicial, eu no papel e caneta mesmo. A segunda era um sambinha que já tinha a música pronta e um primeiro verso, sugestivo, "coisas que ficaram muito tempo por dizer". Esta evidente citação, vale lembrar, está também no título da minha dissertação de mestrado sobre o Clube da Esquina. Quando a gente já está a tantos anos nesse negócio, às vezes é preciso inventar uma moda diferente pra variar. Propus então levar adiante o lance da citação, e fazer a letra inteira assim. Considerando o tamanho do desafio auto-proposto, gravei e levei pra casa. Na tarde de domingo, tomado pelo impulso, muito por conta de ter feito a outra num jorro só de menos de uma hora, sentei diante do computador e espalhei um bocado de encartes de CDs na mesa. Para tornar a coisa mais interessante, eu decidi que iria "picotar" e justapor os pedaços de versos citados. E para tornar o jogo ainda mais divertido, era preciso que essa bricolagem adquirisse um sentido discursivo e político, o que simultaneamente tira a sensação de mera sucessão de referências. Eu que não sou formalista de plantão, evito metanarrativas e excessos intertextuais, nessa foi inevitável. Fiquei me sentindo um verdadeiro cruzamento de Dr. Victor Frankenstein com Stanislaw Ponte Preta. Fiz muitos versos bárbaros rsrss, não é auto-elogio, é que segundo a classificação de métricas, versos com 13 ou mais sílabas são "bárbaros".
Para terminar, tive que evitar o "efeito bye-bye Brasil", ou seja, a tendência a tornar a letra kilométrica simplesmente porque depois que a gente pega o embalo é difícil acabar com a curtição. Aliás, é legal que o próprio ouvinte pode entrar na brincadeira, tentando identificar as canções de onde os trechos foram tirados e baralhados. Fica aí o convite!
Coisas que ficaram muito tempo por dizer
Música: Pablo Castro Letra: Luiz H. Garcia
Coisas que ficaram muito tempo por dizer
Falo sem saudade falo quase sem querer
Chega de miséria em qualquer canto ou lugar
Se o mundo é um moinho, gente é feita pra brilhar
Flor do Lácio, minha língua,
Bossa, Rosa, João
A lição que aprendemos de cór
Tão boas palavras de cantar ao coração
Pra quê filosofar em alemão?
Tá lá um corpo atrapalhando estendido no chão
A mão que faz a guerra também toca violão
A gente não quer só comida, bica no quintal
Sede de viver tudo é um grande carnaval
Da barriga dos mistérios
Morro dois irmãos
Um mais um é sempre mais que dois
Diz a voz do povo que amanhecerá mamão
É melhor fazer uma canção
Bem se quis depois de tudo ainda ser feliz
No viaduto a equilibrista bisa por um triz
Com sol e chuva o sonho ainda pinta por aí
Quero mais saúde tutti frutti açaí
Flor do Lácio, minha língua,
Bossa, Rosa, João
A lição que aprendemos de cór
Tão boas palavras de cantar ao coração
Pra quê filosofar em alemão?
*P.S. reparem que há permutações possíveis na execução rsrs.

20 de janeiro de 2023

Novelli, viva ele

Sopra velas hoje o grande baixista e compositor Novelli Barros e Silva [bio no Dicionário Cravo Albin; discografia em Discos do Brasil]. Não bastasse a folha corrida impressionante tocando com a fina flor da música popular brasileira, abrilhantando todo um leque de gravações, ele também enfileira composições primorosas que talvez haja quem já tenha ouvido muito e não se toque que são parte de um cancioneiro de responsa. 

Fiz essa postagem matando saudade do blog e de alguma forma recapturando emoções de primeiras audições de coisas como as gêmeas Minas e Minas Geraes, Pelas ruas do Recife e Linha de montagem. Mas há muito, muito mais a explorar na obra desse pernambucano que também tem cadeira cativa na esquina do Clube e nos nossos corações, corações, corações...Viva ele!





Uma parcela do cancioneiro de Novelli foi belamente registrada nesse disco da cantora Bárbara Casini em comunhão com Toninho Horta. 


De lambuja essa entrevista concedida por ele ao canal do Tropicália Discos:



19 de junho de 2022

Que tal o samba do Chico?

Chico Buarque, mesmo quando "automático", mostra-se um cancionista no controle absoluto de todos os macetes dessa arte. É tudo tão redondo, desce tão macio, que a gente se rende na primeira audição. Claro, não dá pra comparar com Apesar de você ou Vai passar, inclusive porque a gente sabe que a correia de transmissão que os festivais e a força da MPB nas décadas de 1960-70 produziram já se rompeu, e o povo não vai sequer ouvir os acordes desse de Holanda, temperados com o bandolim do outro, o Hamilton. Som do bom, claro, é sempre um alento.

A mola mestra desse novo rebento de melodia fluente e gingada é a pergunta, na forma da informal interpelação, "que tal?" Interrogar, ao invés de afirmar, ainda que de maneira retórica, é um jeito malemolente de começar o papo. Com esse convite a uma mudança de ares, expressa através de metáforas simples, acessíveis, porém sem didatismo exagerado, o compositor quer mobilizar seu ouvinte, tirá-lo da placidez. Porém não faz uma convocação panfletária mergulhada em óleo quente e convicção, e sim um apelo ao lúdico, à dança, à festa, ao desafogo, ao esconjuro. Também evita cair no vocabulário "resistente" que se limita a reagir às intempéries, uma vez que propõe, olhando para o futuro, uma utopia a ser buscada. Reeditando sintética e sincreticamente tantos sonhos de Brasil que já foram sonhados, com toda a cornucópia dos signos do país do samba, do futebol, da cultura, da mistura. Sonho do qual gerações mais jovens muitas vezes desconfiam pelos motivos errados, engolindo sem deglutição alguma um corolário identitário gestado na terra dos guetos. No entanto é preciso também pontuar as contradições que moram na eterna ode ao país do futuro, especialmente nas rimas que remetem à Beleza pura de Caetano - e mais uma vez a tabela entre os dois parece azeitada quando lembramos que o baiano acabou de fazer Sem samba não dá, um elogio ambíguo como ele gosta a esse gênero basilar de nosso cancioneiro. "Não com dinheiro mas a Cultura" pode ser lido de tantas maneiras num país de milhões de analfabetos funcionais e desempregados, famintos e falidos, que não podemos fugir à contradição que desperta desse que é um dos versos mais acertivos da canção. No rol das derrotas, que Chico tem o juízo de mencionar mas não se ocupa em precisar, esta é uma das maiores. No final, o legado do partido de esquerda no governo, para o povo, não foi conclusivamente nem um nem outro. Dinheiro não. Cultura também não. Ou sim, diria Caetano? É de nos perguntamos: sabe com quem ele está falando?

Enfim, voltando ao início, é na falta das correias de transmissão, da circularidade cultural, que reside o perigo de que esse sofisticado interrogatório sobre o desejo (ou não) do brasileiro de mudar seu presente (e para qual?) corre o risco de ficar perneta, não por culpa do Buarque, que fique claro. Ele é, no fundo, a voz mais bem entoada (se alguém leu isso e ainda não entendeu que ele canta pra caralho, tá na hora) desse impasse da MPB que projetou e construiu pontes enormes entre classes e vocabulários brasileiros, mas que depois assistiu essas pontes ruírem por falta de manutenção e muitas vezes se acomodou num posto avançado de observação, de onde o povo seguiu sendo fonte de matéria-prima mas não protagonista criador. O apego ao samba - que tal? - talvez seja o último baluarte desse esforço, porque como a própria canção demonstra, ele não é ponte, é uma cidade inteira, feita de diferentes localidades e ramificações, onde todo Brasil cabe. Ao propor um samba, ainda, Chico Buarque reitera que ainda é possível a utopia, a construção de um bom lugar em que esse filho brasileiro, de pele escura e formosura, possa crescer. Quem sabe?





QUE TAL UM SAMBA? (música e letra de Chico Buarque) Um samba Que tal um samba? Puxar um samba, que tal? Para espantar o tempo feio Para remediar o estrago Que tal um trago? Um desafogo, um devaneio Um samba pra alegrar o dia Pra zerar o jogo Coração pegando fogo E cabeça fria Um samba com categoria, com calma Cair no mar, lavar a alma Tomar um banho de sal grosso, que tal? Sair do fundo do poço Andar de boa Ver um batuque lá no cais do Valongo Dançar o jongo lá na Pedra do Sal Entrar na roda da Gamboa Fazer um gol de bicicleta Dar de goleada Deitar na cama da amada Despertar poeta Achar a rima que completa o estribilho Fazer um filho, que tal? Pra ver crescer, criar um filho Num bom lugar, numa cidade legal Um filho com a pele escura Com formosura Bem brasileiro, que tal? Não com dinheiro Mas a cultura Que tal uma beleza pura No fim da borrasca? Já depois de criar casca E perder a ternura Depois de muita bola fora da meta De novo com a coluna ereta, que tal? Juntar os cacos, ir à luta Manter o rumo e a cadência Esconjurar a ignorância, que tal? Desmantelar a força bruta Então que tal puxar um samba Puxar um samba legal Puxar um samba porreta Depois de tanta mutreta Depois de tanta cascata Depois de tanta derrota Depois de tanta demência E de uma dor filha da puta, que tal? Puxar um samba Que tal um samba? Um samba

16 de março de 2022

Aula de canção - Raça de Heróis (Guilherme Arantes)

Surgiu de súbito a oportunidade de rever o primeiro capítulo da clássica novela Que rei sou eu?, do distante 1989. As recordações de momentos divertidos que se mesclam às lembranças difusas de um tempo de descoberta da política, das ideias socialistas, do ateismo, do ímpeto juvenil, se reembaralham ao ver o folhetim televisivo ao lado da filha já universitária, de espírito aberto para o novo indepentente de "atual" ou "antigo". Para além de toda fórmula reside além uma mostra, por menor que seja, da vocação parodística brasileira, e do poder de sua cultura de interpretar os sinais vigentes e deixar resíduos que dão a ler algo do passado que escapou aos meus olhos adolescentes, mas também os fragmentos de um espelho a interrogar nosso presente. Ao fabular um Brasil como pastiche de reino europeu e imaginar a saída de seus impasses e misérias através de arremedos de revoluções, tramas palacianas, príncipes bastardos messiânicos e déspotas esclarecidos, a novela da Globo traçou o prelúdio dos anos da dita nova república sob a Constituição de 88, obviamente que valendo mais olhar o miolo do que o desfecho da trama, que conclui apenas uma das direções sugeridas.
De quebra recordei o tempo em que as trilhas acomodavam obras de nota como Espanhola (F. Venturini e Guarabyra), Flecha (Marcos Viana) e Raça de Heróis (Guilherme Arantes). 




Sente o rufar dos tambores
Ouve os metais que anunciam
Um cavalgar de coragem
Todo temor silencia

Nosso reino é assim
Território sagrado
Pra sempre
Resiste em nós

Uma certeza de aço
Sela os portões desse reino
E não há dor nem cansaço
Todo sofrer é pequeno

Nosso reino é assim
Território sagrado
Pra sempre
Resiste em nós

Raça de Heróis
Virá salvar a Terra
Raça de heróis, heróis, heróis

Eis que ao postar o vídeo da última canção (que incorporo logo acima com letra - a partitura com cifra pode ser consultada no site oficial do cantautor, aqui), o amigo blogueiro Túlio Villaça comentou o seguinte:

"Essa música do Guilherme Arantes é muito bonita, mas eu tenho medo dela. Foi feita de encomenda para a novela, mas o subtexto dela é protofascista total."

Ele ainda acrescentou:
"Cara, Que Rei Sou eu era a novela das 7 na eleição do Collor em 1989... Não tenho nenhuma acusação pessoal ao Guilherme Arantes, mas a canção foi a trilha sonora da novela em que um príncipe prometido de uma antiga linhagem vinha salvar o país".

Da primeira afirmação discordei, com a outra basicamente concordei, e considerando a rara oportunidade de expandir uma reflexão a partir dessa provocação inicial, vou procurar sistematizar e fazer alguns adendos ao que redargui, a seguir:

Não tenho medo nenhum. Primeiro, no contexto tanto da criação dela quanto do restante da obra do Guilherme Arantes, não faz sentido esse receio. Ela captura um sentido romântico do século XIX, empregado nos folhetins de capa e espada, e também uma das fontes culturais do nacionalismo que redefiniu o mapa da Europa. Não é por acaso que a inspiração medieval permeia o romantismo do XIX, romances como os de Walter Scott, por exemplo. Há uma idealização daquela época, que também ressurge entre bandas de rock progressivo que influenciaram G. Arantes claramente, como se percebe desde a introdução. O tom épico é alicerçado numa harmonia relativamente simples mas interessante, na melodia cativante e bem urdida numa forma com verso, parte "b" (ou ponte) que literalmente ergue o cálice do santo graal até ser arrematada num refrão inesquecível, em que o arranjo cresce com coro, metais, cordas, teclados. Uma bela canção que serve perfeitamente como tema de ação e aventura ao mesmo tempo que expressa o ethos do grupo de rebeldes populares a quem acompanha, e mesmo assim funciona perfeitamente se ouvida fora desse meio e contexto específicos. Eu tinha visto o G. Arantes tocá-la outro dia em live que promove seu novo disco, A desordem dos templários, e como o amigo Alberto Júnior salientou em comentário do facebook, é um universo "medieval" que o compositor visita com frequência. 

Enfim, os signos da cultura estão sempre em disputa, por isso não podemos perder suas possibilidades polissêmicas. Se o fascismo se apropriou do romantismo - sim - também o fizeram todos os estados nacionais com uma profusão de perspectivas ideológicas, porém comungando a estratégia de identificar povo e terra. Há cartazes britânicos da 2a. Guerra de convocação da população às armas que tem a mesma estética dos nazistas e dos soviéticos, só que representando cavaleiros. Quem derrotou o fascismo na 2a Guerra foi sobretudo o nacionalismo, era muito mais um embate entre nações imperialistas concorrentes que qualquer outra coisa, se formos bem objetivos. E esse sentimento, obviamente, é um rearranjo de vinculos simbólicos entre humanos e territórios que existe desde que as populações se sedentarizaram. O heroísmo é um clichê narrativo que data dos primórdios da humanidade. Se não tomarmos cuidado qualquer representação política dessa relação vira "proto-fascista". Além disso, ela foi lida ali no contexto da redemocratização, a novela como um todo, desembocando num embate entre dois messianismos, o neoliberal do caçador de marajás e o popular reformista do líder sindical. Ela se encaixa perfeitamente no mito politico sebastianista, qualquer messianismo, ou então no imaginário revolucionário, que também não se pode chamar de proto-fascista. Aliás, o príncipe é o cúmulo da fantasia centrista tradicional brasileira, ele é criado entre os pobres, pela dona do bordéu. 
Por fim, não é para causar preocupação, onde uma canção dessa toca atualmente? Eu me preocuparia muito mais com o manancial de odes reacionárias e capitalistas selvagens que marcam presença forte nos gêneros de sucesso amplamente distribuídos pelos meios massivos.








20 de dezembro de 2020

McCartney fez a trinca

O lançamento de um disco novo de estúdio de Paul McCartney por si motivaria uma postagem. Não preciso chover no molhado celebrando o talento de um dos maiores cantautores do mundo em atividade. Provavelmente não há paralelo no universo da música popular veiculada pela indústria fonográfica para seu holismo, plenamente registrado neste McCartney III. Como nas duas outras obras dessa agora trilogia, Paul compôs música e letra, cantou (com a exceção de alguns vocalizes de Linda, então sua esposa, no primeiro), arranjou, tocou todos os instrumentos, produziu e fez todo trabalho de engenharia de som (neste contou com alguns auxílios como se vê na ficha técnica), praticamente tudo sozinho. Hoje isso não é particularmente raro ou difícil em si, mas certamente ele é um pioneiro da prática e a excelência com que realizou tal empreitada, agora pela terceira vez, é digna de assombro. E o faz quase aos 80 anos de vida, nesse duro contexto de isolamento motivado pela atual pandemia, com um fôlego impressionante. Sua jovialidade às vezes passa do ponto e o leva a empreitadas tolas - como disse meu parceiro Raul Mariano, a quarentena nos poupou de um provável single com Miley Cyrus ou Taylor Swift. Por outro lado ela ecoa a inesgotável criatividade de quem, entre outras peripécias, junto com os demais Beatles, rompeu a barreira da sala de controle e revolucionou a arte da gravação. Mais notável é que ela se alia a uma maturidade assumida em cabelos brancos (ostentados na contracapa) e experiência de sobra, sinergia que o clima do disco traduz em contrastes que assinalam que inteireza não precisa ser o mesmo que homogeneidade. 

Como já foi ressaltado nas primeiras críticas que saíram, os discos que compõem a trinca comungam, além do modo de sua fatura, a demarcação cronológica de lançamento em anos redondos (1970, 1980, 2020) e momentos difíceis: McCartney na separação dos Beatles, McCartney II no fim de sua banda Wings, e este agora, num contexto de apreensão global, ainda que pessoalmente ele esteja tirando de letra, cercado de familiares e trabalhando confortavelmente em seu próprio estúdio em Sussex, numa temporada que divertidamente ele nomeia com o trocadilho 'rockdown'. É preciso dizer que nesse conforto todo ele encontrou um refúgio seguro, mas fez disso impulso para criar sem a interferência de turnês, ensaios com banda, viagens, atividades de divulgação e outras agendas. Claro que seria plenamente possível ter outros músicos tocando, até mesmo à distância, com a tecnologia disponível hoje em dia, mas claramente ele fez dessa solidão sua própria terapia. Uma felicidade que ele tenha compartilhado com todos nós o resultado. Um tremendo workaholic, Paul teve tempo para esculpir lenta e pacientemente cada gravação, pintar camada após camada, trabalhando como um artífice experimentado que inclusive se permite deixar arestas, rudezas, fazendo desse contraste entre o áspero e o delicado um conceito estético que também aproxima os três álbuns mas neste se afirma soberano, expresso inclusive na capa do disco. O dado com a face no três, em que a leitosa superfície branca contrasta com as negras cavidades em trio, o claro e o escuro, o evidente e o misterioso, o polido e o rude, é a tradução visual de sua sonoridade. Também remete ao piano, à combinação de ébano e marfim que mereceu de Paul uma bela canção. Aliás pode ser em um lustrado tampo de um piano que o dado, em impossível equilíbrio, é refletido. Imagem simples, sintética e eficaz.

Passemos ao som, o que mais importa. Numa discografia vasta e variada como a de McCartney, é ainda mais inevitável situar um disco novo lançado. Para além da trilogia em si, portanto. Só neste milênio Paul lançou, com este, 7 álbuns de estúdio, apenas um deles - um fato único em sua obra - exclusivamente como intérprete, o ótimo Kisses on the bottom (2012). Entre os demais reluz Chaos and creation in the backyard (2005) que está certamente entre os melhores de toda sua carreira após os Beatles. O resto é cheio de altos e baixos, normal para um artista que seguiu preferindo ser prolífico. Mais recentemente, depois do pouco notável New (2013) ele lançou Egypt Station (2018), um dos pontos mais baixos de toda sua discografia, com canções de uma pobreza terrível para os padrões que ele já atingiu, muita auto indulgência e um comercialismo raso de quem inverte as prioridades e coloca a música a serviço da atração de plateias novas e das execuções em turnês em estádios lotados. Em McCartney III Paul se sentiu totalmente livre dessa fórmula, ainda que ao mesmo tempo construa o disco como um exercício de recapitulação a partir de esboços pinçados dos arquivos de seu celular, ou numa excursão praticamente arqueológica que fez no início do processo ao retomar When winter cames, singelo tema folk com jeito de fábula gravado no início dos anos 1990s que consta ter sido mostrado a George Martin, e acabou sendo a última faixa. Assim como a memória opera mesmo, retomando e atualizando os materiais que recupera, quando Paul quer ele filtra muito bem o que está rolando e assimila ao repertório vastíssimo que tem na cabeça. Livre das colaborações infelizes com os ídolos pop de ocasião, ele contribui consigo mesmo, como se estivesse tocando lado a lado com o Paul dos Beatles, o dos Wings, o de diferentes décadas de sua longa carreira solo - Find my way é o exemplar concentrado de como temperar a levada de hit radiofônico com cravo e camadas de guitarras reiteradas (com pios do riff dobrado de And your bird can sing). E aí ele aplica sua burilada capacidade de mesclar cantigas rústicas em que as cordas de aço do violão parecem cortar sutilmente o ar (a instrumental Long tailed winterbird, que volta como vinheta antes da última faixa) com riffs diretos e furiosos em rocks animados e despretensiosos (Slidin', Lavatory Lil, cruzamento retrô abbeyroadiano do humor negro de Maxwell's Silver Hammer com a pegada sacana de Polythene Pam), concentrados românticos dedilhados assobiáveis (The kiss of Venus, Pretty Boys - cujo traço ciclístico e crítico ao consumismo me remeteu a Biker like an icon e Junk), canções de alma camerística (a beatlelesca Seize the day, decalcando o consagrado mote carpe diem e citando levemente o arranjo de cordas de For no one)  excursões mântricas experimentais (Deep deep feeling), mergulhos embalados em soul emborrachado (Deep down), ou reflexivas e confessionais baladas ao piano (Women and wives). Um breve "faixa a faixa" do próprio Paul foi publicado aqui.

As letras merecem destaque, muito melhores do que no disco anterior. Se há alguns costumeiros deslizes pueris, típicos dele, há apreciações maduras sobre ansiedades e montanhas-russas emocionais de nossa época, bem como um apelo à consequência e ao cuidado. Os títulos haviam me chamado a atenção antes de sair o disco e amarram bem o conceito central de contrapor o cenário de apreensão e dificuldade, simbolizado pelo inverno, ao desejo de superá-lo, metaforizado pelo pássaro e representações associadas a voo e deslocamento. Cigarra e formiga, Paul McCartney canta o necessário abrigo para tempos difíceis já intercalado com o assovio que anuncia que dias melhores virão. Suas canções fazem parte dessa trilha.  


* Deixo um agradecimento especial ao meu amigo Guilherme Lentz, com quem tive o prazer de partilhar uma primeira apreciação e trocar ideias pessoalmente sobre o disco, e ao parceiro Thiakov, pela audição comentada compartilhada numa conversa via whatsapp que anulou a distância transatlântica.  

** Paul respondeu muitas questões de fãs - inclusive sobre o disco - na rede social Reddit, aqui

*** Faixas bônus

Bonus Japan Women And Wives ( Studio Outtake

Lavatory Lil ( Studio Outtake

The Kiss Of Venus ( Phone Demo

Slid in’ ( Düsseldorf Jam )

****Um bom artigo que complementa [aqui]

29 de março de 2020

Aula de canção: Murder most foul, o sermão laico da montanha de Bob Dylan

A canção é solene, a melodia é meio soturna, mas reflexiva mais que doída, o andamento é lento. Dylan faz uma espécie de sermão laico da montanha, testemunho e testamento em trova de sua geração a partir da crônica da morte de Kennedy que se desenrola como um verdadeiro sobrevoo pela paisagem histórica de seu país em 1963, rendendo nesse percurso uma homenagem monumental ao repertório de canções que ele coleciona como uma amostragem abrangente e candente do som de seu tempo, uma espécie de radiografia musical geracional. Imagino que em seu país cale muito mais fundo que no resto do mundo, mas também nos toca de algum modo: 

"Business is business, and it's a murder most foul"
Negócio é negócio, e é o assassinato mais imundo.

Falou tudo (e mais um pouco, já que são 17 minutos de gravação)!




Murder Most Foul Bob Dylan
Twas a dark day in Dallas, November '63
A day that will live on in infamy
President Kennedy was a-ridin' high
Good day to be livin' and a good day to die
Being led to the slaughter like a sacrificial lamb
He said, "Wait a minute, boys, you know who I am? "
"Of course we do. We know who you are. "
Then they blew off his head while he was still in the car
Shot down like a dog in broad daylight
Was a matter of timing and the timing was right
You got unpaid debts; we've come to collect
We're gonna kill you with hatred; without any respect
We'll mock you and shock you and we'll put it in your face
We've already got someone here to take your place

The day they blew out the brains of the king
Thousands were watching; no one saw a thing
It happened so quickly, so quick, by surprise
Right there in front of everyone's eyes
Greatest magic trick ever under the sun
Perfectly executed, skillfully done
Wolfman, oh wolfman, oh wolfman howl
Rub-a-dub-dub, it's a murder most foul

Hush, little children. You'll understand
The Beatles are comin'; they're gonna hold your hand
Slide down the banister, go get your coat
Ferry 'cross the Mersey and go for the throat
There's three bums comin' all dressed in rags
Pick up the pieces and lower the flags
I'm going to Woodstock; it's the Aquarian Age
Then I'll go to Altamont and sit near the stage
Put your head out the window; let the good times roll
There's a party going on behind the Grassy Knoll

Stack up the bricks, pour the cement
Don't say Dallas don't love you, Mr. President
Put your foot in the tank and step on the gas
Try to make it to the triple underpass
Blackface singer, whiteface clown
Better not show your faces after the sun goes down
Up in the red light district, they've got cop on the beat
Living in a nightmare on Elm Street

When you're down in Deep Ellum, put your money in your shoe
Don't ask what your country can do for you
Cash on the ballot, money to burn
Dealey Plaza, make left-hand turn
I'm going down to the crossroads; gonna flag a ride
The place where faith, hope, and charity died
Shoot him while he runs, boy. Shoot him while you can
See if you can shoot the invisible man
Goodbye, Charlie. Goodbye, Uncle Sam
Frankly, Miss Scarlett, I don't give a damn

What is the truth, and where did it go?
Ask Oswald and Ruby; they oughta know
"Shut your mouth, " said the wise old owl
Business is business, and it's a murder most foul

Tommy, can you hear me? I'm the Acid Queen
I'm riding in a long, black limousine
Riding in the backseat next to my wife
Heading straight on in to the afterlife
I'm leaning to the left; got my head in her lap
Hold on, I've been led into some kind of a trap
Where we ask no quarter, and no quarter do we give
We're right down the street from the street where you live
They mutilated his body, and they took out his brain
What more could they do? They piled on the pain
But his soul's not there where it was supposed to be at
For the last fifty years they've been searchin' for that

Freedom, oh freedom. Freedom cover me
I hate to tell you, mister, but only dead men are free
Send me some lovin'; tell me no lies
Throw the gun in the gutter and walk on by
Wake up, little Susie; let's go for a drive
Cross the Trinity River; let's keep hope alive
Turn the radio on; don't touch the dials
Parkland hospital, only six more miles

You got me dizzy, Miss Lizzy. You filled me with lead
That magic bullet of yours has gone to my head
I'm just a patsy like Patsy Cline
Never shot anyone from in front or behind
I've blood in my eye, got blood in my ear
I'm never gonna make it to the new frontier
Zapruder's film I seen night before
Seen it 33 times, maybe more
It's vile and deceitful. It's cruel and it's mean
Ugliest thing that you ever have seen
They killed him once and they killed him twice
Killed him like a human sacrifice

The day that they killed him, someone said to me, "Son
The age of the Antichrist has only begun. "
Air Force One coming in through the gate
Johnson sworn in at 2: 38
Let me know when you decide to thrown in the towel
It is what it is, and it's murder most foul

What's new, pussycat? What'd I say?
I said the soul of a nation been torn away
And it's beginning to go into a slow decay
And that it's 36 hours past Judgment Day

Wolfman Jack, speaking in tongues
He's going on and on at the top of his lungs
Play me a song, Mr. Wolfman Jack
Play it for me in my long Cadillac
Play me that "Only the Good Die Young"
Take me to the place Tom Dooley was hung
Play St. James Infirmary and the Court of King James
If you want to remember, you better write down the names
Play Etta James, too. Play "I'd Rather Go Blind"
Play it for the man with the telepathic mind
Play John Lee Hooker. Play "Scratch My Back. "
Play it for that strip club owner named Jack
Guitar Slim going down slow
Play it for me and for Marilyn Monroe

Play "Please Don't Let Me Be Misunderstood"
Play it for the First Lady, she ain't feeling any good
Play Don Henley, play Glenn Frey
Take it to the limit and let it go by
Play it for Karl Wirsum, too
Looking far, far away at Down Gallow Avenue
Play tragedy, play "Twilight Time"
Take me back to Tulsa to the scene of the crime
Play another one and "Another One Bites the Dust"
Play "The Old Rugged Cross" and "In God We Trust"
Ride the pink horse down the long, lonesome road
Stand there and wait for his head to explode
Play "Mystery Train" for Mr. Mystery
The man who fell down dead like a rootless tree
Play it for the Reverend; play it for the Pastor
Play it for the dog that got no master
Play Oscar Peterson. Play Stan Getz
Play "Blue Sky"; play Dickey Betts
Play Art Pepper, Thelonious Monk
Charlie Parker and all that junk
All that junk and "All That Jazz"
Play something for the Birdman of Alcatraz
Play Buster Keaton, play Harold Lloyd
Play Bugsy Siegel, play Pretty Boy Floyd
Play the numbers, play the odds
Play "Cry Me A River" for the Lord of the gods
Play Number 9, play Number 6
Play it for Lindsey and Stevie Nicks
Play Nat King Cole, play "Nature Boy"
Play "Down In The Boondocks" for Terry Malloy
Play "It Happened One Night" and "One Night of Sin"
There's 12 Million souls that are listening in
Play "Merchant of Venice", play "Merchants of Death"
Play "Stella by Starlight" for Lady Macbeth

Don't worry, Mr. President. Help's on the way
Your brothers are coming; there'll be hell to pay
Brothers? What brothers? What's this about hell?
Tell them, "We're waiting. Keep coming. " We'll get them as well

Love Field is where his plane touched down
But it never did get back up off the ground
Was a hard act to follow, second to none
They killed him on the altar of the rising sun
Play "Misty" for me and "That Old Devil Moon"
Play "Anything Goes" and "Memphis in June"
Play "Lonely At the Top" and "Lonely Are the Brave"
Play it for Houdini spinning around his grave
Play Jelly Roll Morton, play "Lucille"
Play "Deep In a Dream", and play "Driving Wheel"
Play "Moonlight Sonata" in F-sharp
And "A Key to the Highway" for the king on the harp
Play "Marching Through Georgia" and "Dumbarton's Drums"
Play darkness and death will come when it comes
Play "Love Me Or Leave Me" by the great Bud Powell
Play "The Blood-stained Banner", play "Murder Most Foul

20 de janeiro de 2020

AREMBEPE

Tenho a felicidade de ser premiado com melodias maravilhosas por parceiros que, cada qual com seu estilo, seu traço, conseguem aliar inspiração e esmero, tornando a minha vida relativamente fácil na hora de escrever a letra.
O Artur é do Ceará - ainda que, como mineiro adotivo que se tornou deve compreender bastante bem o que nós dessa terra de montanhas sentimos diante das imensidões azuis - e a sugestão na levada, no sabor da melodia, na delicada cama harmônica na qual nossos ouvidos deitam como se numa rede, tudo me sugeriu um tema praieiro, caymmiano, e eu lembrei de uma viagem em família à terra onde nasceu a Clarita Gonzaga (que bateu essa foto minha com nossos filhos), e de algumas histórias que ela já me contara sobre esse point da hippice brasileira e internacional: Arembepe. À medida em que as palavras óbvias que deveriam atender à necessidade de descrição de um cenário, remetendo a tudo que a imaginação e a própria estadia em terras baianas me gravara à memória, foi inevitável sugerir o título e dele extrair uma visualidade que remete reverentemente a um repertório imenso que povoou a música popular brasileira com exemplares de rara beleza, e não hesito em dizer, um recurso que nada tem de original, que é emular o deslocamento ondulante da música através de imagens que remetem a movimento ou repouso, o vento sopra, o coração para, a linha fisga, e finalmente os olhos do ouvinte devem, de algum modo, acompanhar os do "eu lírico" da canção enquanto eles observam a paisagem - no fundo, enquanto ele rememora aquilo que viu. Acabou ficando assim, só sugerido, meio enterrado na areia, um elemento cinemático, que nas primeiras versões era explicitado por uma referência pontual ao sobrenome de um cineasta que eu fora levado a acreditar que passara por Arembepe, que seria Bernardo Bertolucci, mas algumas reticências me levaram a descobrir que havia sido Roman Polanski. Desafortunadamente, a sílaba a menos e a ineficiência de outras soluções acabou derrubando essa pitoresca nota, substituída por sugestão do parceiro por "tua presença" - resta aí uma citação do baiano Caetano. 
Normalmente eu não costumo ser explícito e direto quanto a situações pessoais que inevitavelmente fazem parte dos ingredientes dentro do caldeirão no qual se cozinha uma letra de canção. Não sou de falar de mim nesses termos, digamos assim. Mas sei que certamente, mesmo naquelas canções em que aparentemente impera toda uma objetividade, uma opção por narrativa descritiva e tremendamente distanciada de minha própria existência e experiência individual, haverá traços inescapáveis - de repente, inconscientes - dessa particularidade, mesmo que eu intente escondê-los. Com certeza muitas das canções mais marcantes nos repertórios que guardamos conosco são essas em que o "eu lírico" se confunde ao intérprete, e ainda mais amalgamadamente ao cantautor, quando este está literalmente expondo suas vísceras em público. No instituto da parceria sobra ainda a possibilidade, da qual já provei, de ter que temperar as palavras de modo a capturar em seu sabor essa organicidade sem ter vivido nada daquilo, se conseguimos por forte entrosamento e empatia escrever aquilo que o parceiro queria dizer por si.
Dessa vez, portanto, não tive escapatória e minha vida pessoal escorreu para dentro da letra. Fiquei com um retrato registrado em canção de um momento muito feliz em família, uma viagem que planejáramos fazer por muitos anos, e finalmente realizada numa oportunidade propícia. O tempo - ah, esse brinquedo que os dedos do historiador que sou não largam - encarrega-se agora de emoldurar a fotografia daqueles dias inesquecíveis, enquanto a passagem de 2019 marcou também o encerramento do ciclo de um longo relacionamento, com serenidade e cuidado pelo que de mais bonito fizemos, representado sobretudo nos nossos rebentos que estão crescidos e prontos para dar seus próprios passos nas areias da vida.




Arembepe (Artur Araújo/Luiz Henrique Garcia)

O vento sopra de leve
Entre as palmeiras descreve
o meu coração
para
suspenso ali
para
realça
a linha que
fisga dentro do meu peito

sigo a embarcação
sempre
rebentação
tempo

tempo
leve pr’Arembepe meu bem
guarde na lembrança esse céu
onde o sonho foi
silêncio e sol
luz que tua presença captou