Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.
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14 de fevereiro de 2013

Memória das Artes: Projeto Pixinguinha


A digitalização e disponibilização de acervos na internet é algo fabuloso. Com certeza já traz um imenso impacto para a forma como se pesquisa a história, incluindo aí a da música popular brasileira. Essa melhoria de acesso, também, não é um fim em si mesmo, pois é preciso continuar a preparar o profissional capaz de investigar e conferir sentido a todo esse material, e isto inclui a capacidade de concatenar o que está em suporte digital com as fontes tradicionais e ser capaz de pensar sobre as evidências, e não apenas ajuntá-las.

Enquanto escrevia minha dissertação de mestrado sobre o Clube da Esquina, deparei-me com várias fontes e assuntos que poderiam ter sido convertidos, caso o tempo e a vida permitessem, em artigos e trabalhos paralelos. O pesquisador precisa saber bem seus limites para não perder o fio da meada de seu projeto e embrenhar-se numa densa selva de documentos.

Enfim, certa feita tomei conhecimento do Projeto Pixinguinha, através da Revista Cultura editada pelo MEC, que havia decidido ler para captar um pouco da perspectiva oficial da Ditadura Militar na área da Cultura. Sob os auspícios do governo, apresentavam-se artistas que muitas vezes estavam na mira da repressão e da censura. Recentemente, ao ver uma foto que mostrava Fafá de Belém e Beto Guedes (que se apresentaram juntos no projeto em 1978,), acabei descobrindo que fazia parte do acervo que foi digitalizado pelo Projeto Memória das Artes (Funarte). A área destinada ao Pixinguinha casa textos, fotografias, recortes de jornal, e, lógico, os áudios das apresentações (ver e ouvir aqui ). Para dar uma amostra, separei esses recortes porque mostram ao mesmo tempo o êxito de público e a tensão ainda reinante naquele período, como no destaque: "a polícia mandou cacete e gás lacrimogêneo na multidão que tentava entrar no pequeno teatro".



A partir de alguns trechos do texto de apresentação (para ler e ver o vídeo) , muito pontuado pela fala de Hermínio Bello de Carvalho, que foi seu coordenador, segue uma sintese do que foi Pixinguinha, 'um projeto carinhoso':






O ano era o de 1977. Sob o comando do general Ernesto Geisel, o Brasil começava a caminhar para a “distensão lenta, gradual e segura” do regime militar instalado em 1964. A imprensa testava os limites da censura, arriscando matérias críticas ao governo, enquanto familiares de presos políticos formavam o Comitê Brasileiro pela Anistia.(...) Neste mesmo ano, na noite de 5 de agosto, Nana Caymmi e Ivan Lins apresentaram no palco do Teatro Dulcina o primeiro show de uma iniciativa que iria marcar o Brasil e tornar-se exemplo de política cultural: o Projeto Pixinguinha. Um projeto que consolidou uma nova atitude do governo, de valorização e incentivo, em relação à música popular. Um programa tão importante que, por mais de 30 anos, levou a música brasileira a todo o país, formando plateias e oferecendo aos artistas a chance de excursionar por regiões longínquas, apresentando sua obra a um novo público. A decisão do governo militar de apoiar um programa de circulação da música popular fez parte de uma tentativa do regime de se reaproximar da classe média e dos formadores de opinião. “Havia interesse do governo em tentar fazer uma espécie de cooptação branca da classe artística para a tal distensão que se esboçava”, analisa o compositor Hermínio Bello de Carvalho, um dos criadores do Pixinguinha. (...) Coube a Ney Braga, Ministro da Educação e Cultura entre 1974 e 1978, a tarefa de buscar a aproximação com os artistas. “Preocupado com a aparente decadência da MPB e interessado em detectar as causas dessa crise”, Braga determinou que o Departamento de Assuntos Culturais (DAC) iniciasse um processo de consulta da classe artística para definição de políticas para a área. Entre outros problemas, o DAC apontou que 70% do mercado fonográfico era dominado pela música estrangeira e que artistas brasileiros tinham dificuldade de fazer cumprir a lei que determinava a execução de obras nacionais no rádio e na televisão. (...) O projeto de divulgação da música brasileira foi a primeira grande iniciativa da Funarte. A proposta foi sugestão de um grupo de artistas, que acabara de criar uma sociedade para receber seus direitos autorais e mobilizar a classe contra a censura. Os músicos haviam sido expulsos de sua sociedade arrecadadora, a SICAM. “Pediram uma prestação formal de contas – e aí foram colocados no olho da rua. A partir dessa indignação geral, nasceu a Sombras – ideia que sempre credito a Macalé e a Sergio Ricardo. Tenho a honra de dizer que ela foi formalizada em minha casa”, lembra Hermínio Bello de Carvalho, vice-presidente da diretoria encabeçada por Tom Jobim. (...) Aprovado, o projeto foi batizado com o nome de um mestre idolatrado por todos. “Pixinguinha era o nosso Deus. Se há um nome que sempre é lembrado como matriz da nossa música, é dele que recordamos”, justifica Hermínio.(...)





20 de março de 2012

Lendo jornal e dando notícia

Enquanto o tempo escasso não permite maiores arremetidas em direção ao solo das palavras, vou lendo jornal e dando notícia. 

Na Ilustrada, notícia sobre o site lançado pelo Instituto Moreira Salles para hospedar "(...) músicas, partituras e documentos que marcarão a contagem regressiva para a comemoração, no ano que vem, dos 150 anos de nascimento de Ernesto Nazareth (1863-1934), compositor e pianista que, por meio do choro, foi um dos arquitetos da identidade da música brasileira" (aqui).

No português Público, uma reportagem muito interessante sobre a fita cassete no cenário fonográfico atual. (aqui). Um trecho de uma das entrevistas:  "(...) Fazíamos o que se faz agora com o mp3. Era uma forma de partilha. (...) Rui não sabe se há um "ressurgimento" da cassete, se será "o novo vinil" — "se calhar nenhum deles morreu" —, mas considera que tem tudo a ver com a "relação emocional ao objecto" e com a forma como hoje se consome música. "O digital é uma forma de conhecer, mas depois quem tem instinto de coleccionador... compra." Com o mp3 perdeu-se a noção de álbum, "do lado A e do lado B". Conceptualmente, diz, a "rugosidade" e as "arestas" do som da cassete agradam à vaga mais experimental de músicos que recuperam os sintetizadores."

6 de março de 2012

Capas da 1a. versão da Rolling Stone edição brasileira

O site Memória Viva, que há muitos anos disponibiliza documentação digitalizada altamente relevante para a história cultural brasileira está colocando as capas da 1a. versão da edição brasileira da revista Rolling Stone. Em 1972 um exemplar custava CR$2,00. Ícones da contracultura, astros do rock e nomes importantes da música popular brasileira estampavam a capa da publicação.
 Confiram aqui.

28 de fevereiro de 2012

Elos e fontes: da Refazenda ao sítio

Penso que a digitalização e disponibilização de acervos na internet, em projetos bem feitos, que disponibilizam ferramentas de busca eficientes, terá nos próximos anos um grande efeito na forma como se faz pesquisa histórica, seja em geral, seja especificamente aquela voltada para a música popular. Certamente é um grande ganho a facilidade de acesso, a poucos toques dos dedos, de uma massa documental que seria difícil reunir fisicamente em dispendiosas cópias, ainda mais por um único pesquisador. Isso contrabalanceia um pouco a carência de arquivos públicos em bom número e com boas condições de trabalho (assunto que discutimos na disciplina Música popular e colecionismo semestre passado). Obviamente, é preciso aquele olho clínico de sempre, para separar joio do trigo, e a habitual postura crítica em relação ao arquivo digitalizado, quem realizou, quem financiou, porque...enfim, a mesma postura que adotamos em relação às fontes em quaisquer condições. A sensibilidade, o faro do historiador, para mim vão sempre depender desse trato com o material, do trabalho com o "corpo" dos documentos para criar elos, costurar. Os novos recursos não devem ser motivo para eliminar os tradicionais, e sim ser articulados de forma a potencializar os resultados da investigação.

Essa história hoje começou assistindo esse curto documentário dirigido por Marco Antonio Bichir durante a gravação do disco Refazenda, no Rio de Janeiro em 1975.


E foi parar nesse sítio:
Projeto sem complicação de digitalização do acervo do jornalista paranaense Aramis Millarch.  Interessante inclusive por ser um material de fora do eixo Rio-São Paulo. Pela primeira exploração, oferece possibilidades para pesquisa, principalmente para quem se interessa pela repercussão da música popular na imprensa. Só pra dar um gostinho, ouçam essa entrevista do Airto Moreira. Ele explicando como compunha sem escrever música, usando um gravador, é impagável!

15 de fevereiro de 2012

Irritando Neil Young

"O mp3 ganhou mais um inimigo. O cantor canadense Neil Young declarou que se irrita com o "som da música" na atual era digital, pois acredita que ela não soa como deveria."  Assim começa a matéria de O Globo (segundocaderno@oglobo.com.br) | Agência O Globo – seg, 23 de jan de 2012 (ver toda aqui). Já tinha visto outras em que Neil Young demonstra toda sua irritação, deixando claro que reconhece que há boa música sendo feita hoje, mas que "(...) temos o pior som de todos os tempos. É pior que um disco de 78 (rotações). Onde estão nossos gênios? O que aconteceu?". Resumindo, às custas da compressão que reduz o tamanho dos arquivos para facilitar sua circulação, há grande perda de sua qualidade sonora. Young continua: "Se você é um artista que criou algo e sabe que no master está 100%, mas o consumidor só recebe 5%, você se sentiria bem? Eu quero destacar isso para os artistas. É por isso que as pessoas ouvem música de uma forma diferente hoje. São só as frequências baixas e a batida, pois na resolução da música você não consegue ouvir mais nada. O calor e a profundidade dos altos se foram.". Enorme a quantidade de questões que as observações dele suscitam. Uma que me toca muito é de natureza estética, pois em certa medida trata-se de uma ruptura com o padrão de reprodutibilidade técnica da indústria fonográfica. Pode ser que esteja aí a chave para entender o fenômeno recente de revivalismo do vinil, "reauratizado" pelo consumidor que busca um som aprimorado, mais fiel ao que o artista concebeu. Outra é a revelação de um padrão de consumo diferente, próprio de outra sensibilidade e valores culturais. A avidez e a velocidade com que se consome a música popular intensificaram-se a tal ponto que as propriedades materiais do objeto são percebida segundos novas premissas. Nesse momento a virtude está na facilidade com que um "arquivo" pode circular, ser compartilhado e acessado, e não no que garante maior possibilidade de apreensão de sonoridades durante a experiência auditiva. Pode ser que agora o que tenha mais sentido é participar das redes e das sociabilidades advindas da permuta incessante e acelerada, mais do que efetivamente escutar alguma coisa. Nesse admirável ipodiano mundo, a crítica corre o risco de ser reduzida, num eco inadvertido da novilíngua do 1984 de Orwell, a única palavra: curti. Neil Young talvez tenha sido muito generoso e polido em relação à música feita atualmente, ao menos a que circula bastante. Mas não quero soar apocaliptico (e nem integrado), e sim ressaltar as consequencias da emergência dessa tecnologia associada a novas formas de experiência para a paisagem sonora contemporânea. Podemos compartilhar uma quantidade enorme de "arquivos" quando e com quem quisermos, mas trata-se de um gesto qualitativamente diferente de emprestar um disco a um amigo. Podemos carregar no bolso uma imensa discoteca para ouvir quando e onde quisermos, imersos no eu sozinho dos fones de ouvido, mas pode ser que isso reduza a frequencia com que se troca opiniões e são criados significados coletivos sobre as músicas, ou os torne por demais efêmeros, afetando a construção social da memória. Isso leva a questionar os limites do atual modismo de tudo digitalizar para preservar. Muito o que pensar ainda. Certamente sobre tudo isso podemos evocar as palavras já ditas há um certo tempo pelo irritado acima citado: "Não deixe isso te derrubar, são apenas castelos se incendiando".

18 de janeiro de 2012

Acesso a arquivos e música popular

O acesso a arquivos é crucial para ampliar nosso conhecimento e apreço pela música popular.  Com a cortesia de meu caro amigo Renato Ruas, seguem os links para notícias sobre a digitalização de parte do acervo pessoal de Paul McCartney (aqui) e da abertura dos arquivos do Rock and Roll Hall of Fame (aqui). Além de serem fontes importantes para a história de um artista único ou um gênero musical, representam um patrimônio a ser preservado, divulgado e pesquisado. Embora a digitalização seja uma ferramenta importante que agrega novas possibilidades de consulta e estudo, acredito que a consulta aos acervos físicos guarda possibilidades cognitivas e afetivas relevantes e deve continuar a ser promovida por governos, instituições, pesquisadores, colecionadores e apreciadores em geral.



12 de janeiro de 2012

Primeiras gravações de som da história são recuperadas

Redação do Site Inovação Tecnológica - 11/01/2012 
Os primórdios da fonografia 
"Os discos Volta - gravados no Laboratório Volta entre 1881 e 1885 - são o resultado dos primeiros experimentos de gravação de sons, realizados por Alexander Graham Bell, Chichester Bell e Charles Sumner Tainter. São os precursores do fonógrafo, que seria inventado em 1877, e que, com pequenas modificações, sobreviveu até poucas décadas atrás, com os discos de vinil e os toca-discos. Ao final dos experimentos, os cerca de 200 discos foram cuidadosamente empacotados e doados ao Museu Smithsoniano - e, com poucas exceções, nunca foram tocados de novo." (...) "Essas gravações foram feitas usando vários métodos e materiais, como borracha, cera de abelha, vidro, folhas de estanho e latão, à medida que os inventores tentavam encontrar um material que mantivesse o som gravado," explica Carlene Stephens, que ajudou a decodificar os sons.
A restauração
"Os cientistas tiveram que desenvolver um toca-discos especial, uma espécie de robô, chamado Irene, capaz de girar os discos com cuidado e na velocidade adequada aos equipamentos de captura das imagens. A técnica óptica cria uma imagem de alta resolução de cada um dos discos que, a seguir, é processada para gerar um mapa topográfico da superfície, com seus sulcos e ranhuras. Um programa especial calcula o movimento de uma agulha - como as usadas para tocar discos de vinil - movendo-se entre as ranhuras do mapa digital. O resultado é um arquivo de som digital padrão. Como esperado, a qualidade do áudio experimental é muito baixa - assim como a retórica dos inventores: as gravações dizem coisas como: "Maria tinha um pequeno carneiro", "Hoje é 11 de março de 1885" e "Barômetro". Os pesquisadores agora planejam usar os equipamentos desenvolvidos durante a pesquisa para recuperar as gravações dos demais discos históricos, assim como de outras coleções de áudio mantidas por museus.

5 de janeiro de 2012

De volta ao acústico

Enquanto preparo uma fornada de postagens mais densas, vou colocar umas coisinhas pra manter o blog "com ritmo de jogo". Nessas voltas que a internet dá, ou que a gente dá na internet, encontrei essa versão acústica do clássico Roundabout do Yes. Isso trouxe à tona duas lembranças significativas. A 1a. é de quando ouvi a música pela primeira vez, quando era criança, numa fita k7 do meu pai. Era uma coletânea com várias bandas e gêneros diferentes. Para ouvir a faixa de novo, tinha que rebobinar a fita até o ponto certo...Hoje ouvi num computador, assistindo um vídeo que "carrega" em poucos segundos. Dá o que pensar sobre as experiências proporcionadas por diferentes suportes tecnológicos. A segunda é da década de 1990, quando apareceram gravações de músicos populares que geralmente utilizavam instrumentação eletrificada no formato "acústico". Antes disso virar grife, modismo, ser banalizado e praticado sem qualquer critério, vieram à tona grandes trabalhos como o de Paul McCartney, o de Eric Clapton e o de Gilberto Gil. Naquele momento, no meio de tanta zoeira eletrônica e metaleira, essas gravações surgiram como sopros de novidade, despojamento e suavidade. Evidentemente, com imediatos desdobramentos mercadológicos. Poderei retomar isso mais adiante quando voltar a falar da retomada atual do repertório da 1a. metade do século XX. Enquanto isso, deleitem-se...

  
Yes,Roundabout

 
Gil, Palco
 
 McCartney, Be bop a lula

Clapton, Walkin' Blues

20 de março de 2011

Polêmica a vista


Mui hermano...e a gente vai levando apagar

(apenas um trecho do texto que postei lá no Overmundo)
No meio de tanta controvérsia, gostaria de dizer inicialmente que Maria Bethânia, Hermano Vianna, Andrucha, ministra Ana de Holanda, MinC e quem mais estiver envolvido na elaboração e aprovação deste projeto, prestam um grande serviço à nossa cultura. Sim, protagonizam, querendo ou não, um acontecimento marcante de nossa história cultural recente. A chama do debate, acesa numa altura bem maior do que a dos últimos anos insiste em queimar. Isso é bom. Só não é bom é quando ela bruxuleia para a ofensa, o desrespeito, o senso comum, a personalização. Infelizmente, em meio a colocações importantes e comentários pertinentes, a “rede” está carregada de comentários chulos, desprezíveis ou simplesmente inoportunos. Estou longe de ser uma pessoa deslumbrada com os meios digitais, mas reconheço cada vez mais que a Internet e espaços como as redes sociais tem um grande potencial político ainda a ser explorado.
(P.S.: O mistério do samba continua na minha prateleira)