Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

13 de julho de 2011

Em meus olhos e ouvidos: música popular, deslocamento no espaço urbano e produção de sentidos em lugares dos Beatles

 Publicado meu artigo "Em meus olhos e ouvidos: música popular, deslocamento no espaço urbano e produção de sentidos em lugares dos Beatles" na revista Estudos Históricos da FGV. E o mais legal é que além da versão eletrônica, ainda tenho direito a alguns exemplares impressos. Por tudo que os Beatles representam pra mim, acho que foi um dos trabalhos mais importantes que realizei.

Resumo

Meu propósito é investigar como a música popular, através de trocas culturais que marcam a construção de identidades atribuídas a grupos e lugares, define vínculos e fronteiras no tecido urbano, ao mesmo tempo em que evidencia as trajetórias traçadas pelos músicos que o atravessam. Para tanto, optei pelo estudo formal e contextual de Strawberry Fields Forever e Penny Lane, canções dos Beatles que produzem sentidos sobre “lugares” e que congregaram memórias e identidades construídas em sua experiência como citadinos no deslocamento desde seu passado em Liverpool ao presente de então em Londres.
(clique nos links para ver os filmes promocionais oficiais das duas canções)
Um trecho do artigo
Creio que é possível concluir que a criação dos músicos populares confere significado a suas relações com o espaço urbano, seja o da cidade natal ou o da capital em que então residiam. Para Lennon, vivendo entre o que considerava uma restritiva vida suburbana e o anseio de com ela romper, o lugar da infância é apropriado como imagem, campo de sonho transfigurado em passagem para outro lugar, em que a realidade percebida e a validade das convenções podem ser questionadas. McCartney, lançando mão de detalhes inventados, traça o panorama “realista” de um lugar da cidade povoado por vários personagens que interagem na concretude de suas ações - “o barbeiro faz a barba de outro freguês”; “vemos o bancário sentado esperando por um corte”; “o bombeiro entra fugindo da chuva” – percebendo o extraordinário no corriqueiro: “muito estranho”, comentário literal e musical. No próprio lugar, a canção “(...) re-contextualiza o mundano e torna visíveis os detalhes subestimados da vida cotidiana” (KRUSE II, 2005). Mas a espontaneidade desse mundo suburbano é posta em dúvida quando notamos que a bela enfermeira que vende papoulas “atrás do abrigo no meio da rotatória” sente-se “como se ela estivesse numa peça”. E “ela está, de qualquer modo”, na peça da nostalgia idealizada de seu compositor. Circulando pela cena underground londrina, Paul refinava um modo de re-apresentar o passado e a vida suburbana que, na sua teatralidade, era simultaneamente cômico e belo, humor que pode bem ser tomado como ressonância das ruas de Liverpool.
Se constroem lugares diferentes, as duas canções lançam mão de material semelhante. A ambigüidade característica da elaboração formal, entre o familiar e o inovador; a mistura de gêneros musicais por apropriação irônicas sem ser depreciadoras; o convívio entre referências sonoras ao passado e o emprego de técnicas de gravação que lhes confere outros significados; uma proposta estética que borra as fronteiras entre arte e pop. Ao examinar as memórias e trajetos dos Beatles, constatamos que a experiência urbana afeta suas criações nos cruzamentos entre o provinciano e o cosmopolita, entre a nostalgia e a vanguarda, entre o sonho e a realidade. Ao adentrar o jardim de morangos e caminhar pela alameda do centavo, de olhos e ouvidos abertos, encontramos um lugar entre Liverpool e Londres, entre a tradução em palavras e sons das recordações sobre o norte e a infância e a absorção dos comportamentos de vanguarda em uma busca constante por descobertas musicais.



9 de julho de 2011

Asas à imaginação, convite à população

Em razão do show do Hermeto Pascoal aqui em BH na próxima terça, pensei em colocar alguma coisa aqui. Entre tantas possibilidades, coloco esse improviso baseado em Asa branca, gravado pela Flora Purim no disco Open your eyes, you can fly (1976). Nessa gravação, além dos já mencionados, entre outros, Egberto Gismonti, Airto Moreira, Ron Carter e Robertinho Silva. E o Hermeto toca piano elétrico, cravo, flauta, percussão usando garrafas de SevenUp e ainda assovia. É mole ou quer mais? Mais...a letra feita pela Flora parece muito atual em tempos de discursos socialmente excludentes que procuram isolar "gente diferenciada".
Começa assim:
"Invite the population

1 de julho de 2011