Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

15 de julho de 2012

A faixa de pedestres mais famosa do mundo!

Um dos temas que abordo constantemente em minhas pesquisas é a relação da música popular com os lugares da cidade. Muitos locais prosaicos, tornaram-se, depois de serem abordados em uma canção ou retratados numa capa de disco, espaços recobertos de significados diferentes dos que a princípio guardavam. É o caso da faixa de pedestres mais famosa do mundo, em Abbey Road, Londres, local em que os Beatles posaram para a capa do álbum homônimo (falei dela em postagem anterior). O endereço dos estúdios em que os Beatles gravaram a maior parte de sua obra também foi citado na canção abaixo, do álbum de estréia da banda 14Bis:


Perdido em Abbey Road (Vermelho/Flávio Venturini)

Esses lugares também são cada vez mais apropriados em um viés mercadológico, como roteiro turístico e como "produto cultural". Reconhecer esse processo não implica dizer que se apagam outras formas de apropriação, mas que este deve ser considerado como compenente que constitui as relações, eventualmente conflituosas, que dão forma ao espaço urbano.  Os estúdios Abbey Road posicionaram uma webcam que permite visualizar "ao vivo" a faixa e as práticas de pedestres e motoristas em seu entorno [abbey road crossing webcam]. Que objeto privilegiado para observação!

Reflexões: Atemporalidade da música e a temporalidade do arti...

Reflexões: Atemporalidade da música e a temporalidade do arti...: Há alguns dias assisti a um ótimo show do Lô Borges.  Não poderiam faltar os clássicos como “Paisagem da Janela”, “Nuvem Cigana” e outras ...

11 de julho de 2012

Conjuração por uma rádio melhor

Por várias oportunidades tratei em minhas pesquisas e aqui no blog dos meios massivos e de seu papel decisivo na constituição da música popular registrada através da fonografia. Uma das linhas de argumentação tem sido mostrar, via de regra com material de época, que a programação dos referidos meios já comportou, em destaque, o que representava então o sumo da produção autoral em matéria de música popular brasileira. Isso não significa um posicionamento num dos pólos da percepção dualista em que se oponha, para emprestar os termos de Umberto Eco, os apocalípticos e os integrados. Para reconhecer os meios e sua complexidade no contexto da modernidade e do capitalismo, há que se dar conta de suas contradições e de sua historicidade. E ao fazermos isso, abandonarmos a percepção desses "meios" como entidades fechadas em si, para percebê-los envolvidos em mediações protagonizadas por diferentes atores da sociedade, na linha do que propõe Jésus Martin-Barbero em Dos meios às mediações.
Aqui não quero me alongar numa exposição teórica, pois escrevo mais para alinhavar ideias que ocorreram a partir do apelo/crítica que meu parceiro Pablo Castro (cuja essência procurei capturar na citação abaixo) lançou hoje via facebook e durante o dia foi debatido por vários participantes da cena musical belorizontina. 
"Há algum tempo eu queria fazer essa crítica e esse apelo à nossa Rádio Inconfidência: toquemos nossos artistas, não como iniciantes ou decadentes, mas como se fossem os mais importantes do país e do mundo , não apenas por serem eles daqui, mas acima de tudo porque a música que se faz aqui não está atrás da música do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Pernambuco, ou da Bahia, ou de Nova Iorque ou de Londres, em qualquer quesito importante, mas está à frente em pelo menos uma coisa : o ineditismo, por essa música autoral local hoje ser um tesouro submerso e francamente desperdiçado, como rios que nunca desaguam no mar, deixando de cumprir sua função social: se associar à vida das pessoas ser compartilhada e dar identidade ao que somos, onde estamos e no tempo em que vivemos! (...)  infelizmente a programação esmagadoramente predominante da Inconfidência consiste de um repertório das décadas de 70 e 80, ou versões pops dos mesmos velhos clássicos, e acaba por não formar público para artistas mineiros e fora da indústria ou de segmentos muito específicos do eixo Rio-São Paulo.Melhor do que tocar um disco inteiro na íntegra, talvez fosse escolher 2 ou 3 músicas mais radiofônicas de cada artista, e tocá-las com a frequência com que se tocam sucessos de 30 anos atrás, que muita gente conhece, mas que são anacrônicos. Não me parece razoável que uma rádio pública de uma cidade onde se produz tanta música de qualidade tenha uma programação tão desvinculada dessa produção. O que é contemporâneo na programação da inconfidência, parece vir de um filtro pop ( no lato sensus, o samba hoje é super pop ) muito orientado pela produção pop\samba carioca, particularmente, e fica patente que , salvo alguns nomes mineiros, mais altos na pirâmide hierárquica simbólica da MPB mineira, como Milton e o Clube da Esquina, Skank, Pato Fu, Vander Lee, todo o resto dos artistas não conseguem se "infiltrar" nessa companhia ilustre. Inverter essa equação, priorizando a produção musical local e contemporânea, formando público que não terá outra alternativa pra ouvir esses artistas, que hoje, de forma marginal e independente, tentam criativamente revigorar a cansada linguagem da canção e de outras formas de música popular, faria muita diferença nas nossas carreiras e consequentemente nas nossas vidas. O ouvinte imagino que também gostaria de conhecer essa produção. Se a Inconfidência fizesse uma pesquisa de repertório de alto nível dos últimos 10 anos da produção mineira, com certeza não faltariam canções popularizáveis e acessíveis ao público ouvinte no horário nobre, não num programa específico que vai tocar uma vez e quase nunca mais. Os programas específicos é que deveriam se ater a relíquias do passado." (link para acompanhar)
Imagino que a avaliação feita sobre a programação da Inconfidência, rádio estatal mineira, possa de alguma forma ser estendida a outros veículos de perfil semelhante. Da mesma forma que reconhecemos a música, em geral, ou qualquer uma de suas vertentes específicas, como a canção popular, como fenômenos que se dão no tempo, e que portanto se transformam pela ação dos homens, assim também devemos olhar os meios, incluindo aí o rádio, que não TEM que ser assim ou assado, mas se TORNA, entre outras coisas condicionado pelo lugar que ocupa no contexto da sociedade. E aqui tratamos de uma rádio pública, sobre a gestão da qual TODOS NÓS, como CIDADÃOS, temos o direito de opinar e interferir. Não podemos nos projetar para fora do Estado numa democracia. Do mesmo modo, aquilo que podemos, por convenção chamar MPB autoral, nem sempre esteve posicionada em certos "nichos" ou "faixas" da programação, e seu lugar em nossa história e cultura nos permite desejar e batalhar por reposicioná-la. Me incomoda demais o lugar-comum que se criou em torno do que se denomina, vagamente, de música independente, que na verdade se torna, sob um certo prisma, dependente de políticas públicas de financiamento cujas falhas temos debatido com insistência. Quase que automaticamente, imputa-se nesta "rubrica" o alheamento em relação a um público mais amplo e aos canais de circulação que não sejam "alternativos", reproduzindo por tabela uma divisão social do gosto cuja superação parece ser justamente (pelo menos para mim) um dos motores estéticos, políticos e sociais de nossa produção em música popular.
A ideia de uma carta-manifesto direcionada à Rádio Inconfidência (sugerida por nosso amigo Guilherme Lentz e progressivamente encampada por vários participantes da discussão), além de efetiva, me parece que tem alta carga histórica e simbólica. Desde já me prontifico a contribuir com sua redação. Sugiro, ainda, que seu lançamento se dê num evento público, que seja marcante e mobilize o melhor possível não só quem se envolve neste debate, mas a própria cidade. Não posso deixar de notar que o nome da rádio é Inconfidência, e o que esse nome evoca, numa leitura histórica que não seja laudatória, é a capacidade humana de se rebelar contra o "estabelecido". A critica/apelo, da forma que está posta, é justa e construtiva, e respalda uma Conjuração por uma rádio melhor.

P.S. 2019
Quase não toquei na Inconfidência e se continuar no rumo que vai, de quase passarei a nada kkkkk. Brincadeiras a parte, acabei relendo essa postagem antiga do meu blog em face desse perrengue recente. Ele é do tempo do domínio tucano, em 2012, e qualquer fantasia de que a rádio poderia reencontrar-se com o caminho de sua grandiosa História e até reinventar-se, parecia então distante utopia, o que não tirou o brio de tantos que se envolveram, esses anos todos que passaram, nessa luta mais que digna. Definitivamente, terá sido o único feito que o mandato de Pimentel deixou digno de lembrança. Agora novamente vemos a rádio Inconfidência ameaçada de sucateamento pelo governo Zema, velho lobo em pele de cordeiro novo. Esse pequeno feixe aceso num tempo difícil, ainda que - pasmem - não tão sombrio quanto o atual, que foi catapultado por um daqueles incisivos libelos do meu grande parceiro Pablo Castro, calhou de voltar às minhas vistas hoje só pra lembrar que se cairmos, vamos nos erguer novamente. E seremos Gigantes do Ar. 

Tomo a liberdade de compartilhar também o depoimento contundente, coberto de razão, dignidade e serviços prestados, do radialista Ricardo Parreiras:




9 de julho de 2012

Lançamentos no Horizonte Belo


Com a devida autorização do autor,  reproduzo* um texto do meu parceiro de música e ideias Pablo Castro que é um verdadeiro relato/retrato do cenário musical na capital das Alterosas, feito numa semana de vários lançamentos de relevo. Fica o convite para quem tiver comparecido a um ou mais desses eventos deixar impressões/apreciações.
"Essa semana tive o prazer de comparecer ao lançamento do disco Zelig do Flávio Henrique, [mais sobre o disco] obra eclética e ousada que rompe com alguns dogmas do que se pode chamar de MPB elitizada, como o próprio autor observou, abraçando jovens das gerações posteriores e atirando pérolas para muitos lados. Legal perceber a inquietude do compositor mais tarimbado da geração da década de 90 dessas alterosas musicais.



Ontem [5/7] não pude comparecer ao lançamento do primeiro trabalho fonográfico de Gustavo Amaral [Só o Amor Constrói], companheiro Cantautor que, pra mim, ao lado de Luiz Gabriel Lopes, é o cancionista mais natural da geração pós -Reciclo, lidando criativamente com os múltiplos arquétipos da canção brasileira ; é o tipo de compositor que não tem medo de refrão, o que o aproxima deste que vos fala.[para conferir, aqui]



Hoje [6/7] tem o lançamento do disco Radar [para detectar e ouvir as faixas] de Thiakov, que vejo como irmão mais novo; tocamos juntos na Free as a Beatle, e ele participu da famigerada Banda dos Descontentes e contribuiu muito com o disco oculto [algumas pistas do disco] que ainda se lançará. Um dos músicos mais talentosos, de longe, que já conheci, capaz de tocar com destreza centenas de instrumentos, e assustadoramente fértil em idéias e soluções musicais, Thiakov vai mais pela tangente, enquanto compositor; sentem-se ecos das experiências musicais desconstrutivistas, particularmente Os Mutantes e a célebre ( porém nada unânime) banda inglesa Radiohead. Afeito a experiências lisérgico-musicais, Thiakov promete uma interessante audição no espaço 104 , hoje a partir das 10 da noite.


E amanhã [7/7] quero comparecer ao lançamento do primeiro disco solo do grande Rafael Martini [Motivo, muito bom para ouvir aqui], hoje um dos, se não o principal arranjador dessa nossa seara autoral em BH, músico completo : toca piano, violão, acordion , canta muito bem, e arquiteta seus arranjos com grande maestria e primor, polirritmicamente nos levando a a levitar , com procedimentos riquíssimos e que juntam ecos de Gismonti e Radiohead, Hermeto e Guinga, Moacir Santos e Grizly Bear. Sou-lhe grato até hoje pelo arranjo de cordas de uma canção do meu disco, O Sétimo Selo, com o qual elevou essa música a alturas que o próprio compositor dificilmente suspeitaria [para ouvir em estado de elevação, aqui].


Isso tudo pra dizer que a produção musical de BH não tem paralelo com o resto do Brasil hoje: somos unidos pelas diferenças e , ainda assim, trabalhamos juntos e enriquecemos o acervo fonográfico mineiro, nem que seja para que um dia isso seja redescoberto, já que nem na Inconfidência essa produção encontra espaço aberto e meritocrático. Mas estamos no caminho certo, a música que se faz aqui não brota de qualquer montanha !" Pablo Castro

*Pequenos acréscimos deste editor, entre [ ]

2 de julho de 2012

O homem de Montreux

"Lugar na primeira fila não é para ele. Aos 76 anos, Claude Nobs, diretor e criador do Festival de Jazz de Montreux, gosta mesmo é de ficar nos bastidores, atrás das cortinas. Foi de lá que acompanhou apresentações históricas: de Ella Fitzgerald e Ray Charles a Miles Davis e Sonny Rollins; de Elis Regina e Hermeto Pascoal a João Gilberto e Tom Jobim." entrevista completa aqui

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Estamos em 2016 e acabei de descobrir um canal de You Tube oficial do Festival, achei que valia à pena complementar essa postagem antiga com ele. Como cheguei aí a partir de um vídeo da apresentação do Weather Report em 1976, nada mais justo que incorporá-lo.




Procurando uma imagem para ilustrá-la, acabei pensando que seria interessante também deixar essa pesquisa, que cai direto numa série de  posters.  

Uma pequena amostra: