Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.
Mostrando postagens com marcador instrumentos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador instrumentos. Mostrar todas as postagens

30 de maio de 2015

Violão Ibérico, trabalho de excelente qualidade contanto a história do instrumento que cruzou o Atlântico e tem um papel fundamental na história da música popular no Brasil, onde também foram escritas algumas das mais marcantes páginas de sua própria trajetória no tempo. Além do livro foram produzidos vídeos inestimáveis, apresentando o depoimento de alguns dos músicos que já deixaram a marca de suas notas, dedos e criação definitivamente impressos quando se trata desse assunto. Separei, a título de amostra, três vídeos de três "casos sérios" da banda de cá do Oceano:
Guinga, João Bosco e Toninho Horta. Acompanha a descrição disponibilizada via You Tube.




"Estão todos na contramão." Guinga fala sobre o estilo de tocar e as influências de diversos craques, como João Gilberto, Nelson Cavaquinho, Toninho Horta e Raphael Rabello. E também da forma como alguns destes e outros tantos mestres marcaram a sua carreira. "Eu odeio partitura!"



"Depois de falar sobre sua história com o violão, Toninho Horta toca Meu canário vizinho azul, destacando detalhes do processo de composição da música."



"João Bosco fala sobre o processo de composição da música O Ronco da Cuíca, fruto de sua parceria com Aldir Blanc, enquanto toca o samba neste vídeo exclusivo".






26 de março de 2014

Música popular e memória I

Nesta data querida, como outra qualquer poderia ser, o Massa Crítica MPB completa 30 mil acessos. Como já escrevi em tantas ocasiões, sei que isso na internet não é nem de longe alguma coisa. Mas para mim, que edito o blog quando posso (e, às vezes, quando não posso) vale bastante saber que estou produzindo e eventualmente difundindo material sobre algo que ocupa lugar central no meu cotidiano e simultaneamente representa um patrimônio cultural digno de ser apropriado pelo maior número de pessoas: a música popular. É uma atividade extracurricular, digamos assim, e ainda estudo meios de compatibilizá-la melhor com a minha rotina acadêmica. Há tempos estudo formas de movimentar mais o blog e os planos continuam surgindo, e também sendo adiados até segunda ordem, mas finalmente ontem me apareceu um texto que trouxe à tona uma ideia que andava meio afogada. 
Estreia hoje a série "Música popular e memória", em que autores convidados,das mais diversas formações e estilos, abordarão periodicamente em textos personalíssimos um tema que nos afeta de maneira indiscutível, inapelável. 
Para o primeiro prato do banquete que espero oferecer por meio dos ilustríssimos que por aqui passarão, só poderia chamar alguém afeito à culinária das letras, um historiador com vocação para o argumento, até recentemente colunista do site BHaz e atualmente "gerente" (junto com o colega historiador Matheus Machado) do blog O Mexidão [acesse aqui], com textos de opinião, ensaios, sátiras, enfim o nome já diz tudo. Admiro a escrita do Pedro desde os tempos em que trabalhamos juntos num projeto de pesquisa na FAFICH, anos atrás. Sem mais, com vocês...

Música popular e memória I, por Pedro Munhoz 

Meu avô, um comunista nascido em Santos, filho de espanhóis, com traços deveras anarcóides, vive até hoje, mesmo depois de devidamente morto, a me matar de saudades. O mau humor do velho não permitia a ele assumir que gostava de muitas músicas (especialmente as americanas), embora eu saiba hoje, sem muito de sua ajuda, que ele era, além de garçom, comunista e portador de um mau-humor interessante (que eu gosto de pensar que herdei), um bom trumpetista.

Eu tentei a sorte com o saxofone no finzinho de minha adolescência. Não funcionou. Meus pais me compraram o instrumento para que eu abandonasse o cigarro. A senha deles era o fascínio que eu tinha pelo sax, instrumento muito parecido com a voz humana e que, no entanto, nada diz de inteligível: ele geme, e no seu gemer, entendemos suas querências, sem, paradoxalmente, entendê-las.

Dei meu sax de presente de casamento para o Flavio Pimenta e, até hoje, espero ter a oportunidade de vê-lo fazendo do meu Yamaha melhor uso do que eu.

Fato é que decidi continuar fumando como uma chaminé e, por conta disso, fui desistindo do sax. E decidi continuar ouvindo jazz, principalmente porque eu preciso de saxofones e trumpetes berrando no meu ouvido enquanto eu tento pensar,

Hoje eu ouvi essa música. Já tinha ouvido essa música antes, mas pelo simples fato de ela se chamar "Valsa do avô", me lembrei do velho Olympio. Lembrei das revistas anarquistas que ele me cedia às escondidas de meu pai, seu filho, um reacionário de bom coração. Lembrei-me de sua alegria quando, depois de deixar o Colégio Militar, passei a beber no bar onde ele atendia e, assim acabei o conhecendo melhor. Lembrei-me, em suma, da minha vida, da minha formação torta e do papel crucial que meu avô desempenhou nessa quase missão.

Sou grato a ele. Por isso, posto essa música, para a qual ele iria torcer o nariz, Mas é uma linda música de qualquer forma.


--\\//--

Me permito aqui um rápido acréscimo, pois foi irresistível a lembrança (!) de um tema que anda dando suas voltas pela minha cabeça nos últimos tempos - e aliás sempre que resolvo ouvir o disco em que figura essa gravação, que é Vô Alfredo (Guinga/Aldir Blanc), na versão instrumental de Cine Baronesa.

26 de julho de 2013

Músicos sem fronteiras - homenagens a Dominguinhos

Enquanto estava aqui em Natal para participar do XXVII Simpósio Nacional de História da ANPUH  anunciou-se a morte de Dominguinhos. Um grande músico, antes de mais nada. A condição de herdeiro artístico de Luiz Gonzaga, mais do que merecida, é só uma das provas disso. Dominguinhos sanfoneiro, claro, mas também um baita compositor e intérprete, com identidade própria e contribuições que vão além dessas demarcações imediatas. Justamente esse tópico, por assim dizer, da relação da música com os lugares, as fronteiras de tempo e espaço, um dos principais nós das discussões travadas entre os participantes do ST de História e Música, que teve a condução rigorosa e ao mesmo tempo agradabilíssima do caro colega Adalberto Paranhos (UFU). Por isso mesmo julguei que para homenagear Dominguinhos seria bacana buscar um pouco dessa visão para além das fronteiras.  

Pincei por aí algumas coisas, e começo com essa citação de entrevista de um de seus mais importantes parceiros, Gilberto Gil, extraída do portal G1 [completa, aqui] :

“Dominguinhos foi além, em uma direção que Gonzaga não pôde, não teve tempo. Ele foi na direção do início de Gonzaga, o instrumentista, da época das boates do Mangue, no Rio de Janeiro, quando ele tocava tango, choro, polca, foxtrot, tocava tudo, repertório internacional, tudo na sanfona. ”
Emendo o depoimento de Tato Cruz, do grupo Falamansa [completo, aqui], de outra geração mas cuja fala vai de encontro ao que disse Gil: 

"O que talvez nem mesmo Luiz Gonzaga imaginava é que seu "apadrinhado" viraria um dos maiores músicos do planeta e que romperia a barreira dos segmentos rítmicos se aventurando entre o jazz, o chorinho e a MPB com maestria."
Justamente o que podemos ouvir nessa colaboração dele com o Toninho Horta, ademais homenagem do segundo ao próprio Dominguinhos. E, por fim, uma canção que admiro demais, Tenho sede, parceria dele com sua companheira e parceira Anastácia, lindamente interpretada junto com o Gil. Uma canção digna dos grandes artífices dessa linguagem, em qualquer lugar do mundo.




14 de junho de 2011

A história do instrumento mais popular da MPB

De viola a violão
Livro de pesquisadora carioca revela detalhes sobre a história do instrumento mais popular da MPB, da sua chegada ao Brasil até as primeiras décadas do XX
Alice Melo
13/6/2011
Um trecho do texto publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional:
Quando chegou ao Brasil, ele se chamava viola. O tempo passou, seu corpo aumentou, ganhou as seis cordas. O violão, como ficou conhecido, já foi visto como instrumento de malandro, mas, durante a década de 1920, passou a ser reivindicado como um elemento inerente à identidade nacional, sentimento que se reforçou no fim dos anos 1950, com a bossa nova. “É preconceito supor-se que todo o homem que toca violão é um desclassificado. A modinha é a mais genuína expressão da poesia nacional e o violão é o instrumento que ela pede”, já dizia Lima Barreto pela voz do personagem Policarpo Quaresma, em “Triste fim de Policarpo Quaresma”, publicado pela primeira vez em 1911.