Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

2 de dezembro de 2009

Deu no New York Times

Em seu trabalho, o historiador muitas vezes fica obcecado por pistas dispersas, referências nebulosas, documentos tidos como "raros", "obscuros" ou ao menos de difícil localização ou acesso. Com a digitalização de acervos e instrumentos eletrônicos de busca, o negócio ficou um pouco mais fácil, ainda que nada possa substituir a experiência de consultar os originais de um jornal, por exemplo. Muita gente já me perguntou sobre esse artigo do NY Times, citado sem maiores indicações no livro do Márcio Borges: "Existe?Já leu? O que diz?". Pois é, taí, existe e li assim que encontrei, alguns anos atrás. Foi escrito por Robert Palmer e publicado em maio de 1986. Depois vou enviar uns comentários, mas desde já sintam-se convidados.

Dois pequenos aperitivos (para o artigo completo clique na logo acima):

"Its other principal export is the music of a unique group of artists who have had an important impact on jazz and popular music, not just in Brazil but in the United States and Europe as well"

[além do minério], seu outro principal produto de exportação é “(...) um grupo único de artistas que têm tido um importante impacto no jazz e na música popular, não apenas no Brasil, mas também nos Estados Unidos e na Europa”  (tradução minha)

"In Brazil, the distinctions between popular song, rock and roll, folk music and jazz, which North Americans tend to take for granted, simply do not apply. Milton Nascimento, Beto Guedes, Toninho Horta and the other musicians from Belo Horizonte have become particularly adept at recombining elements from the most disparate sources; they make categories irrelevant"
as distinções de gênero tratadas como algo dado para os norte-americanos, simplesmente não se aplicam ao caso, pois os músicos de Belo Horizonte
[pois ele ignora os vínculos diversos dos músicos com o interior do Estado] “tornam as categorias irrelevantes”. (tradução minha)


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Estamos em 2016. Nos últimos anos a digitalização de hemerotecas e outros acervos documentais tem se tornado cada vez mais volumosa e acessível. Os impactos para a pesquisa e para a cultura, de modo geral, serão imensos. Graças ao Gustavo Oliveira (valeu, meu caro!), que como eu frequenta uma página de facebook dedicada ao Clube da Esquina, acabei de ver a imagem digitalizada de uma tradução do artigo, que foi publicada no Estado de São Paulo em 04 de maio de 1986 [link de acesso, aqui ]. Para ver em detalhe é preciso ser assinante ou fazer um cadastro.


Como fiquei devendo os comentários, resolvi remexer no material de pesquisa da tese e extraí o seguinte trecho do 1° capítulo, que analisa diretamente o artigo de Palmer:


Em sua apreciação de alguns discos do Clube da Esquina, Robert PALMER começa intitulando seu artigo “Leste brasileiro exporta pop influente para o mundo” [1]. Além de situar Minas no “leste”, comete o equívoco de relatar que Belo Horizonte - sua capital e uma das maiores cidades brasileiras - começou como cidade mineradora! A escolha do artigo parece até temerária. No entanto, logo adiante o autor diz que além do minério, seu outro principal produto de exportação é “(...) um grupo único de artistas que têm tido um importante impacto no jazz e na música popular, não apenas no Brasil, mas também nos Estados Unidos e na Europa” [2].

O autor prossegue buscando uma caracterização da música produzida pelo grupo, tenta mapear influências e misturas, que vão do folclore africano, europeu e brasileiro ao jazz moderno e rock dos anos 60. Mas constata que não há um rótulo para classificá-la. Consegue identificar um trabalho coletivo, mapeando compositores e instrumentistas, mas ao mesmo tempo consegue ressaltar suas diferenças. Considera o álbum duplo Clube da Esquina (1972) como “manifesto” do grupo. Num momento marcante, assinala a versão de Norwegian Wood (Lennon / McCartney)[3] como uma das mais impressionantes colaborações do Clube. Curioso: para ressaltar a originalidade dos músicos “mineiros”, PALMER escolhe o que considera como uma “remodelação radical” da canção dos Beatles, ícones do pop. Aliás, a versão “despopiza” a canção, no sentido de lhe imputar uma profundidade emocional e um panorama sonoro complexo que desautorizam seu consumo apressado. Por fim, ele sentencia: as distinções de gênero tratadas como algo dado para os norte-americanos, simplesmente não se aplicam ao caso, pois os músicos de Belo Horizonte (pois ele ignora os vínculos diversos dos músicos com o interior do Estado) “tornam as categorias irrelevantes”.

Numa reveladora contradição, a inserção da música popular brasileira no mercado fonográfico internacionalizado implica na reserva de um espaço para o elemento “local”, “regional” ou “nacional”, que, muito embora possa ser ouvido sob o signo do exotismo, e constituir ele próprio um elemento homogenizador em relação a seu “lugar” de produção (o samba em relação ao Brasil, a viola caipira em relação ao interior rural, etc.), guarda, simultaneamente, a possibilidade de significar outra coisa, remetendo exatamente à pluralidade que tanto o “nacional-popular” quanto o “internacional-popular” tendem a abafar. (GARCIA, 2007, p.63-64)

[1] PALMER, Robert. “Eastern Brazil exports influential pop to the world”. The New York Times, May 4, 1986.
[2] Idem.
[3] GUEDES, Beto. Sol de Primavera. EMI/Odeon LP, 1979.

Aulas de história e música popular

Recentemente estive envolvido em atividades de ensino enfocando parte do material de minha pesquisa sobre MPB. No início de Novembro, estive em Viçosa para oferecer um curso de extensão, a convite de minha colega Patrícia Vargas, agora professora da UFV. Logo em seguida, por intermédio de meu grande parceiro Pablo Castro, estive na Escola de Música da UFMG para uma aula sobre Clube da Esquina, para a turma do professor Carlos Ernest de História da Música Popular, a quem igualmente agradeço o convite. Entre outras coisas, tentei mostrar as possibilidades de pesquisa, tipos de fontes, opções metodológicas, enfim, como o historiador pode abordar a música popular em suas investigações. Só de curiosidade, eis aí alguns dos documentos que utilizei...

5 de agosto de 2009

Tese Na esquina do mundo

Uma das idéias é fazer no blog uma biblioteca virtual de trabalhos sobre música popular. Só pra começar, estou colocando o link da minha tese de doutorado, defendida em 2007. Lógico que artigos e resenhas, textos críticos de todos os tamanhos e estilos serão bem recebidos.
Resumo:
A proposta desta tese é abordar as trocas culturais na MPB das décadas de 1960 e 1970, tendo como fio condutor o conjunto das manifestações musicais identificadas ao Clube da Esquina.
O arquivo em pdf está disponível para baixar [aqui].