Na segunda edição da série Sonhos acordes, tenho o prazer de publicar aqui o texto do compositor, arranjador, pianista, professor, sujeito de vários predicados, Rafael Macedo [confiram aqui o soundcloud dele], a quem agradeço de milhão. Inspirado num papo que começou num relato do igualmente adjetivável Felipe José, amigo em comum, ele me saiu com esse sonho inesperado e espirituoso, cujos aspectos alegóricos, metafóricos, subliminares, líricos e surreais, deixo aos leitores e leitoras a diversão de decifrar. Sem mais.
Não sei se tu me sonhas ou se sonho pelos dois?
por Rafael Macedo
Seria muito pouco provável acordar dizendo que sonhei com Bach e esperar que alguém entre meus caros amigxs considere surpreendente esta seleção do meu inconsciente. Ainda que sob o pretexto de que ouvira, no sonho, uma obra inédita do nosso querido mestre.
O quarto dele, em meu sonho, estava repleto de partituras suas e de outros compositores; rascunhos e pequenas notas também se embaralhavam naquela textura impalpável que desconfio ser comum a todos os sonhos. No entanto, além de uma nova relação com a música, o compositor parecia estar também enrolado nas páginas da história da arte europeia. Citava Shakespeare com a mesma naturalidade com que dizia se emocionar profundamente ao ver, um sem número de vezes, o quadro “Impressão, nascer do sol”, de Monet; principalmente porque aquela névoa o lembrava de uma tarde de Tiririca com Roberta, sua primeira esposa. Ambos enfeitiçados por aquele mar enfumaçado, enamorados pela primeira vez. Lembro-me de ter estranhado bastante aquela lembrança por parte dele, aquela mistura bizarra de França com Ceará. Enfim, só pode ser um sonho, pensei.
Seguindo naquele quarto, já levemente desesperado com situação absurda como essa, desconfiava de que realmente se tratava de um sonho – como muitas vezes me acontece. Ao mesmo tempo, e nem sei como, sentia que aquilo tudo não podia ser um sonho: estava escutando a voz dele com uma nitidez quase dolorida para minha lucidez onírica habitual.
No meio dessa sensação tive a impressão de que ouvira minha companheira sair do banheiro, ainda que simultaneamente tivesse certeza de que alguém entrara no quarto dele. Foi aí que disparou: “Rapaz, fiquei maluco com isso tudo depois que sonhei com um tal de João, Juan, uma coisa assim. Um cabeludo, aliás, um perucudo com a cara das mais sérias. E num é que o cabra tocava um instrumento dum tamanho, nunca vi igual, e com um som dum tamanho...do tamanho do instrumento mesmo. Depois de ouvir aquilo acordei outro, viu , Florentino”.
O famigerado sucesso Florentina, de Tiririca. E para fechar, o próprio Rafael Macedo, apresentando em 2012 no festival Palavra Som.
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