Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

5 de fevereiro de 2020

Na estante - Alma de Músico, de Túlio Mourão

Estive ontem no Palácio das Artes para acompanhar o lançamento do livro de memórias de Túlio Mourão no Sempre um papo. Entre nós dispensa apresentações esse mago das teclas que transitou por 'n' trilhas que foram do roque à MPB [mas quem quiser encontra aqui mais informações sobre o evento e o convidado]. Além da ótima prosa, a audiência ainda foi brindada com algumas preciosas pérolas ao piano, com o repertório passeando entre Mutantes, Beatles e as próprias composições dele, incluindo aquela que por um triz Elis não gravou, como está contado no livro. A palavra que mais se ouviu da audiência que participou do evento foi generosidade, elogio ao qual ele faz jus com sobras. O produtor Nestor Santana me trouxe uma lembrança muito cara quando falou do CD Para Lô e Márcio Borges, que contou com arranjos do Túlio, que acabou me presenteando com um exemplar. Foi aí que conheci o trabalho do montesclarense Dan Oliveira, que participa cantando e tocando violão. Ganhei o disco, mas sobretudo um parceiro e amigo de talento  e coração imensos.
 Tive também o privilégio de trabalhar com o Túlio durante o tempo que estivemos envolvidos nas iniciativas em parceria da AAMUCE (ass. amigos do Museu do Clube da Esquina) com a UFMG que desembocou na exposição "Canção Amiga", e posso dizer que sempre torcia para ele estar nas reuniões. Como ser humano e profissional, trata-se de alguém que coloca sua imensa sensibilidade e inteligência a serviço da excelência. Entre becos sem saída e momentos enfadonhos em reuniões de trabalho com equipes grandes, era um alento a hora em que ele se manifestava. Acabei sendo honrado com a oportunidade de trocar com ele e sua companheira de vida e trabalho Franciani Curi alguns dedos de prosa numa tarde agradabilíssima sobre o então vindouro projeto do livro. Fico feliz de ver o projeto chegar a termo com um texto para qualquer tipo de leitor que alterna leveza e profundidade, e vai das curiosidades indispensáveis neste tipo de relato às reflexões sensíveis que justificam plenamente o título Alma de Músico. Só não devorei tudo numa sentada porque o meu exemplar extraviou-se graças ao meu erro ao misturar endereços num momento de mudança. Como eu já esperava, um texto primoroso, e além de tudo, saboroso. Recomendo fortemente!

2 comentários:

  1. Valeu Luiz! Obrigadíssimo! Fico feliz que tenha gostado! Grande abraço!

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    1. Meu caro Túlio, foi um prazer inenarrável ir ao lançamento, e outro maior ainda ler seu belo livro!

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