Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.
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27 de abril de 2015

João Gilberto, ouvir para crer

"O auto-exílio que João Gilberto se impôs no Brasil, quebrado recentemente apenas durante aquele breve período em que postava no facebook, é uma espécie de metáfora da "Terceira Margem do Rio " da MPB. Um pai que está, mas é como se já tivesse nos deixado. É um farol que resultou numa bomba atômica sobre a música popular, que, não bastasse ter mudado tudo, como atestam todos os representantes eminentes da MPB , continuou tendo uma presença fundamental no posterior desenvolvimento desta, como prova sua influência decisiva na obra dos Novos Baianos. Ele está vivo e é como se já tivesse partido para outro plano astral. Talvez ele sempre tenha estado nesse outro patamar metafísico, refinando e redefinindo o que seria o olhar brasileiro sobre o mundo.
Quem já leu o livro Chega de Saudade, do Ruy Castro, tem uma noção sobre o caráter único e predestinado de um indivíduo tão absolutamente diferente, inusitado e surpreendente.
É notável como as gerações que nem pensavam em nascer em 1958 amiúde não conseguem entender a sua importância, dado o caráter intimista , aparentemente prosaico e pouco vistoso de sua música. Esse despojamento, que aproximava o canto da fala ao pé do ouvido, e a qualidade de seu canto, sem ornamentos e firulas que hoje, desgraçadamente, são ressuscitados em terríveis programas de calouros modernos, aliado a um violão que reduzia o samba ao seu mínimo denominador comum, foram discretas e ao mesmo tempo extremas revelações a quem o escutou pela primeira vez.
Parece fácil depois de já feito, mas esse trabalho de lapidação , despendido na maior parte em Diamantina ( até a bossa-nova tem um pé em Minas ! ) custou-lhe alguns anos e muitas dificuldades pessoais . João é O herói brasileiro por excelência.
Se você ainda duvida disso, escute seu primeiro compacto, bem pré-bossa nova, feito em 1952, quando ainda cantava à la Lúcio Alves e Orlando Silva."
Por Pablo Castro




João Gilberto - LP O Amor, o Sorriso e a Flor - Album Completo/Full Album

João Gilberto - Cantando Músicas Do Filme Orfeu Do Carnaval EP Completo 1959 (Full EP) 

P.S. (Junho 2015) : Programa tim tim por tim tim da Rádio Batuta (IMS) (completo)
"João Gilberto é, sem dúvida, o ponto de inflexão decisivo, “o x do problema”, como disse Caetano Veloso, da modernização da canção popular brasileira. O porquê dessa sua centralidade na historiografia de nossa música popular é o que o documentário Tim tim por tim tim: a música de João Gilberto se propõe a decifrar.
Com a contribuição de boa parte dos principais estudiosos de sua obra, o documentário vale-se dos recursos sonoros para demonstrar, de modo a um tempo didático e rigoroso, com quantos paus o baiano de Juazeiro fez a canoa que o levaria do Carnegie Hall às plateias mesmerizadas do Japão.
Entremeando história da cultura, teoria da canção, crítica e biografia, Tim tim por tim tim elucida a filiação e a invenção do canto de João Gilberto; estabelece as variações da batida original de seu violão; investiga a relação entre voz e violão que transforma quaisquer canções em estudos minuciosos, mas sem perder o gingado." (texto de apresentação do site Rádio Batuta)

P.S. 2 (Abril 2019):
Matéria da F.S.P. [aqui] a respeito da descoberta de gravações inéditas de João Gilberto, bastante reveladoras quanto ao processo de transformação do estilo interpretativo levado a cabo por João, especialmente em "Chove lá fora" (Tito Madi) que acusa a utilização de vibrato em sua voz. Sem datação conclusiva,  bem provável que restrita ao período 1957-58.