Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

12 de julho de 2015

FLIP, IASPM e outras bossas

Passei uns dias longe do blog, em função de um mês de junho muito movimentado, incluindo aí duas viagens. Numa dessas fui a Campinas para participar do 18° Congresso da IASPM (associação internacional de estudos da música popular) sobre o qual ainda falarei mais detidamente. Mas agora, de volta, enquanto assisto a um trecho da divertida e instrutiva mesa que reuniu Hermínio Bello de Carvalho e José Ramos Tinhorão na FLIP, por um link gentilmente encaminhado pela amiga e colega pesquisadora Sirlene Bernardo, não pude deixar de recordar que a primeira mesa que assisti na Unicamp chamava-se Bossa beyond Brazil, em que pude conferir os trabalhos de pesquisadores de outras terras a respeito desse gênero que é o pomo da discórdia da mesa, uma vez que Tinhorão, com a verve que lhe é peculiar continua a sustentar que a BN não é brasileira (ainda que acabe reconhecendo a originalidade do violão de João Gilberto, ops?!), calcando-se na detecção de fortes indícios de influência jazzística nas composições de Tom Jobim (ele sempre recorre aos mesmo exemplos, como Mr. Monotony em Samba de uma nota só). O curioso, justamente, é ter visto na mesa de Campinas a perspectiva oposta, ou seja, estudiosos anglo-parlantes e conhecedores de música popular ressaltando o quanto a Bossa Nova é percebida como brasileira (inclusive sendo enquadrada nos estereótipos gringos da brasilidade) e mesmo aos ouvidos dos que reconhecem traços, diferente do jazz.





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