Esse maravilhoso rebento geminado veio ao mundo recentemente, "Sozinho e bem acompanhado", do parceiro Maurício Ribeiro, com três canções cujas letras saíram das mesmas pontas de dedos que vos escrevem estas linhas. A já "aerada" e radiodifundida "Veneno Remédio", um pequeno tratado sobre a contagiante e contaminante atividade de torcer pela tevê, e as ainda pouco ventiladas "Às cegas", sombria leitura da velhice que agora me assombra como premonição da nefasta reforma da previdência, e "Samba em Três", pequena fantasia impregnada de sonoridades e referências icônicas caribenhas, respingo da minha ida a Cuba e quiçá do meu gene tropicalista recessivo. Estou felicíssimo de estar no meio de várias feras musicais, alguns igualmente gente querida da nossa cena belOUROizontina, num disco duplo gravado entre dois oceanos e expressivo de musicalidades que, se rompem fronteiras, também não desconhecem os respectivos berços. A princípio, assim, o tema sugeriu um inventário geográfico, mais alusivo que propriamente descritivo. A inspiração estava ainda temperada pela inesquecível viagem que fizera a Cuba naquele mesmo 2016, cujas sonoridades aderiram ao ouvido da memória, aquele que não olvida. O eixo central da letra então se definiu a partir de duas listagens paralelas, países e gêneros musicais caribenhos. Inventário iniciado, alguns jogos com sonoridades e rimas foram surgido daí, especialmente a partir da 3ª estrofe - porém sem brincar propriamente com a mescla entre português e espanhol como fazem Chico na versão de Canción por la unidad latinoamericana e Caetano em Quero ir a Cuba. Mas se as primeiras estrofes parecem quase que pinçadas de peças publicitárias de agências turisticas e revistas de companhias aéres, o espírito crítico de historiador me sugeriu uma drástica virada de clima, como se um furacão tropical sacudisse tudo quando entra o "B". Borrei o painel idílico e eufórico com uma espécie de "crônica" icônica e abreviada da colonização e seus desdobramentos históricos e culturais na região do Caribe. Essa foi a última parte que escrevi, e a que me deu mais trabalho. Marcadamente distinta musicalmente, instalando uma certa suspensão e irregularidade no momento em que o ouvinte já vem de 4 estrofes com a mesma estrutura. É como se esse "B" dividisse a letra de tal modo que depois o "eu lírico" observador descreve um Caribe bem mais complexo, com esquemas de paraíso fiscal, intervenção militar, motim e outros conflitos armados entremeando as alusões amenas já evidenciadas na primeira parte. Finalmente, como persistente entusiasta do refrão que sou, 'pirateei' um ao repetir, com uma sutil alteração, a 4ª estrofe no 8º "A". Aproveito o vídeo divulgado pelo parceiro: Hoje, recebendo o Triar aqui na Espanha, acordamos inspirados e nos juntamos pra um "desayuno musical". O arranjo de "Samba em três" (música minha com letra do Luiz Henrique Assis Garcia) vai ser aprimorado até o show de amanhã, no Cafe Mercedes Jazz, em Valencia. Mas já segue aqui o gostinho em vídeo, e os dados do show estão no link abaixo.
Samba em três (Maurício Ribeiro e Luiz Henrique Garcia)
Índia ocidental Onde para o sol Latitude vinte graus
Ilhas a granel
Mar que beija o céu Bem no clima tropical Passa o Panamá Na Jamaica, Jah Cúmbia na Colômbia Bravos siboneys Dançam samba em três Habaneras ancestrais Lá se converteu, se bebeu, por amor Quente sangue que se verteu, por louvor Serras, costas, botas e matagais biltres, putas, padres e canibais, escravos, senhores... Granada, intervenção Haiti, motim Trinidad, não tá ruim Nas Antilhas cais, Mastros e canhões Offshores sem fiscais Grande Caimão Rumba, Salsa, Son Merengues dominicais Bravos siboneys Dançam ao som do Tres Habaneras ancestrais |