Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.
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2 de setembro de 2025

OURO SA(N)GRADO

Feliz da vida de voltar a escrever sobre uma parceria assim que a gravação é lançada e começa a chegar aos ouvidos das pessoas. Cada canção, uma história. Ou várias, ainda mais quando passa um longo período entre a lavra e o lançamento, como é o caso desta. Enquanto tento rememorar, eu já sei, inclusive como alguém que se dedica a estudar a memória, que algo já se perdeu nesse caminho. Outro tanto, quem sabe, vou ganhar agora, ao recobrar a lembrança neste instante, no presente. 

Estimo (nos dois sentidos) ter conhecido o parceiro Leandro César em meados da década passada. Tempo em que ele estava envolvido em projetos como o Festival Palavra Som e o Coletivo Casa Azul. Eu tinha retornado de Governador Valadares para BH em 2010, para tomar posse como professor do curso de Museologia da UFMG, e depois disso sei que levou algum tempo para me reconectar com a cena musical da cidade. Encontrar a galera da geração seguinte à minha agistando muito o coreto, com festivais autorais, discos, iniciativas coletivas de toda ordem, foi empolgante e estimulante. Além de tudo me comovia o fato dessa geração seguinte ter proximidade com a minha, conhecer nossos trabalhos, andar junto também. É um sentimento que ainda me toca muito, e que revela a densidade dessa cena autoral Belorizontina, Mineira, Brasileira, da qual tenho muito orgulho de fazer parte. Depois de um tempo nessa aproximação, naturalmente apareceram as primeiras parcerias. Leandro me passou duas melodias, uma delas era a que veio a ser Ouro Sa(n)grado. Acho que ela capta bem um aspecto fundamental que nos une, que é o esmero do ofício: ele como um artesão que se desdobra em tudo que cerca a música, de construir instumentos a compor, arranjar, tocar, cantar e gravar num estúdio que ele mesmo ergueu; eu um historiador e letrista, sempre querendo reunir com as palavras os sons e as histórias vividas.

Minha profissão costuma vir à baila nas sugestões feitas por parceiros quando me entregam uma melodia. Foi o caso. A princípio eu não queria fazer "mais uma" letra de canção sobre a escravidão colonial, um veio tradicional nas temáticas da música popular brasileira. Queria me arriscar numa leitura contemporânea atravessando a História do Brasil, conectando na forma de associações fragmentadas as explorações do passado e do presente. Tentei, mas não estava saindo tão bom quanto eu idealizara, o que ficou evidente pro meu parceiro até mais do que pra mim. Conversamos e eu retomei a feitura da letra numa abordagem mais sólida, tradicional, digamos assim. Mas de alguma maneira - quase sempre é assim - eu dei um jeito de adaptar a minha concepção original, casando a construção de uma narrativa relativamente contextualizada nas Minas coloniais. Logo eu, que apesar de ter sido orientando de IC da grande Carla Anastasia, queria evitar a Colônia, tema de estudos forte na UFMG, tanto que virei um historiador da cultura do Brasil República!  

De todo modo aquela intenção de fugir de uma narrativa linear, pelo menos, preservou-se. Ainda que os versos da primeira e da sexta estrofes sejam "didáticos" ao recapitular a diáspora como travessia do Atlântico no navio negreiro (aqui adotei por sugestão do Leandro o sinônimo Tumbeiro) até as Minas, as demais eu montei a partir do recurso ao "icônico", minerando substantivos que remontavam num mosaico as imagens da exploração dos corpos e dos metais nestas terras. A este garimpo uni a labuta de ourives, que foi arruar rimas internas e reiteração de sonoridades. Acho que logrei captar a dialética da colonização, como diria o grande Alfredo Bosi, reunindo na composição elementos que aludiam a diferentes aspectos da experiência social dos escravizados, ainda que ponto de vista do eu lírico seja de empatia e ênfase no processo histórico que culmina, no saldo de tantas contradições no tempo, em sua libertação e afirmação como sujeitos. 

Dentro da pegada do disco, orgânico, acústico, o arranjo - que fui ouvindo crescer num processo de gestação que o meu parceiro atenciosamente foi compartilhando comigo ao longo do tempo, quase como periódicos ultrassons - me cativou com suas cores e timbres, combinando energias telúricas que aludem à conexão do ser humano com a terra através da labuta com as da cultura que a transcende, alçando nossa imaginação ao sobrevoo que nos dá a ver as várias formas de desafio à opressão e sua superação. E que felicidade que esse canto tenha sido vestido na poderosa voz afrobrasileira de Sérgio Santos, além de tudo grande parceiro em composição de um de nossos maiores letristas, Paulo César Pinheiro. Ambos óbvias referências para qualquer compositor de música popular brasileira tratando deste tema. 

Finalmente, no título, sobrou essa brincadeirinha formal, vanguardeira, que nem sempre as artes gráficas e editoriais captam. O "n" entre parêntesis sintetiza no jogo de sentido cambiante que evoca as faces da moeda colonial e seu papel na formação do Brasil. O fascinante na canção, como linguagem, é que podemos fazer isso sem que soe como uma aula. Compor é mais aprender, com a música e a língua, e compartilhar com os ouvintes a tremenda síntese de sua conjugação. 





Ouro Sa(n)grado

Leandro César & Luiz H. Garcia

 

Quando atravessou no cativeiro

Oceano, vão entre dois mundos

Tumbeiro levou um povo inteiro

Fundo do porão, futuro incerto

 

Corrente, chibata, catedral

Seu corpo, su’alma, seu coração

Pra longe do seu chão


No dente, na tranca, no punhal

Na carne, no ventre, n’ oração

Resistiu

Na mina, na sina, no missal

No ouro sa(n)grado aluvião

 

Na fila, na vila, no curral

mercado, marcado, marginal

Senzala, serviço, união  

No veio, no seio, na prisão, na palma da mão


Mistura o metal e a fé

na lança, na face, a multidão

na dança que atravessa o vão 

Pra se libertar...


Quando aqui chegou tanto tormento

Terra dura cruz dos pés desnudos

Mineiro na lavra o dia inteiro

rude escravidão, palavra nua

 

Cansaço, no braço, um sinal

De santo de guarda de devoção

Traz perto seu irmão 


No dente, na tranca, no punhal

Na carne, no ventre, n’ oração

Resistiu

Na mina, na sina, no missal

No ouro sa(n)grado aluvião

 

Na fila, na vila, no curral

mercado, marcado, marginal

Senzala, serviço, união  

No veio, no seio, na prisão, na palma da mão


Mistura o metal e a fé

na lança, na face, a multidão

na dança que atravessa o vão

 

Pra se libertar...


21 de julho de 2024

FORA DO EIXO


Como sempre faço, vou escrever sobre a feitura de uma canção que bateu asas e voou para fora do ninho da criação. Pensei muito antes de iniciar o relato sobre essa, procurando encontrar o melhor caminho  para contar como nasceu esse pássaro, de uma forma especialmente idiossincrática. É que Fora do Eixo foi inicialmente motivada por um episódio grave, ocorrido em 2013
, quando se expôs publicamente todo tipo de práticas nefastas e criminosas adotadas pelo coletivo de mesmo nome. Para quem quiser tomar conhecimento, lembrar ou se aprofundar, deixo o link da postagem que fiz aqui no blog à época. Em suma era a perversão mais dolorosa de um modelo de financiamento à cultura que sempre critiquei e ainda o faço, até porque sintomaticamente mesmo com esse e outros casos escandalosos nada foi feito para mudar essa concepção que no fundo dá a empresas privadas (o que no fundo era o Fora do Eixo) a gerência sobre recursos públicos recolhidos por impostos e assim o Estado acaba por bancar gratuitamente a promoção de sua marca, produtos, isso sem falar em várias burlas e desvios. O mais chocante era ali a maneira vil com que se explorava o trabalho dos artistas, num esquema que lembrava o de seitas religiosas, o que indignou muita gente, incluindo aí desde a primeira hora meu parceiro Pablo Castro, cuja crítica contundente neste caso compartilhei imediatamente. Decidi colocar em forma de letra todo meu protesto, ainda no calor do momento. Relembro aqui um trecho do original, recuperado em arquivo txt, que demonstra toda a intensidade do sentimento de raiva do "eu lírico" bravo, especialmente no refrão. 

Fora do eixo


Me deixe fora
fora do eixo
deixa que eu deixo
tô rolando meu seixo
tô rachando freixo
pra fender, pra estratocar

(ref.)
Madeixas do meu cabelo
deixa que eu sei cuidar
eu derrubo tronco
eu pego no tranco
atiro de Parabelo
zelo pelo meu lugar

Dei a letra para o Pablo em seguida, naqueles dias mesmo. Ocorre que o processo de compor música a partir da letra é geralmente mais difícil e moroso, mais ainda em parceria. Essa versão nunca ganhou a luz do dia, e muito tempo se passou até que ele me mostrasse alguma coisa que era outra, totalmente retrabalhada, ainda que trazendo ecos do que eu tinha escrito. Vinha numa levada incrível e muito brasileira, incutindo uma malemolência sincopada que se desdobrava na letra da estrofe inicial que ele tinha feito, adentrando uma linha tradicional do nosso cancioneiro popular dançante que é carregada do uso de duplos sentidos e conotações sexuais, quiçá reciclada numa chave boscoblancesca. Ao mesmo tempo trazia uma intenção de atualidade tremenda, que depois ficou perfeitamente traduzida no arranjo que remete ao maracatu eletrizado do Mangue Beat. Além de um esboço do refrão, não havia muito mais e minha tarefa era levar a cabo a letra daquele petardo. Pablo sugeriu o uso do dicionário de rimas, método que os melhores não hesitam em adotar, vide relato de gente do calibre de Chico Buarque. Pra mim era inédito, o que me empolgou, e ainda guardo vários rascunhos feitos naquela tarde/noite, que trazem desde o vocabulário pouco usual que empreguei em alguns trechos, como "usufruto" e "apetrecho", mas também muitas rimas que não entraram, incluindo aí o explícito "sexo" (rsrs). 


Nos esmeramos nas rimas internas, ricas e nas sonoridades recorrentes, como chiados e anasalados.  Observem por exemplo o paralelismo entre versos de estrofes diferentes, como "um charuto, aguardente, um despacho"; "usufruto, contente, esse cacho"; "e lhe incuto premente apetrecho". Modéstia às favas, é coisa de gente grande. Trabalhamos de forma entrosada e num processo dinâmico de ir revisando conjuntamente, trocando pitacos e risadas inevitáveis, afinal tinha algo jocoso naquela virilidade ostensiva como que temperando o rancor que vinha da reação ao fato que fora o estopim daquilo tudo. O próprio processo, cheio de idas e vindas, era muito lúdico e o condão da arte tem disso, permitindo fundir emoção e razão num resultado surpreendente que pode transcender o contexto e até mesmo os criadores, ganhando vida própria. Eu, que ironicamente estou longe de ser um pé de valsa, sentia como se estivesse dançando com a letra, num festejo popular que ganhou contornos mais níticos na gravação, especialmente com a presença da sanfona que reforça alusões a Luiz Gonzaga e seus conterrâneos musicais. Um verdadeiro rebu, uma orgia com as palavras e sons, mestiço e sacana. Não fosse pelo título, o tiro de parabelo no plexo solar do Fora do Eixo seria críptico em demasia, mas taí, nem precisa mexer a rapa do tacho. 




Fora do eixo (Pablo Castro/Luiz H. Garcia)

Ô mama me deixe fora do eixo
deixa que eu deixo
um charuto, aguardente, um despacho
enquanto essa foda me deixa um pau roxo
tem quem ache fácil
siririca em rebu é um negócio

Eia...

Ô mama me mexa a rapa do tacho
abaixa o teu facho
usufruto contente esse cacho
me sirva essa ameixa que eu boto no bucho
tem quem ache ócio
sacanagem se espalha no Face

(ref.) 
Madeixas pra lá meu cabelo, meu pelo
meu falo não calo
revele essa senha 
que eu meto essa lenha
e nós vamo queimá
Sem essa de amor pose de pós rancor
dou de parabelo no plexo solar
amor só se for pra batê e arrebatá

Ô mama me rache a lasca do seixo
agacha que encaixo
e lhe incuto premente apetrecho
ofende mas fende que eu não deixo frouxo
tem quem ache dócil
mocho na pintassilga é tão bruto

Eia...

(ref.)

14 de julho de 2024

O QUE FAZ FALTA

Este ano de 2024, com o lançamento completo do álbum "O riso e o juízo", do meu parceiro Pablo Castro, finalmente tenho a oportunidade de tratar dessa canção, composta há vários anos. Trata-se de uma balada de separação, ainda que seu andamento seja um pouco mais célere, o que cria um certo impulso que previne o resultado final de ser propriamente triste ou melancólico, ainda que não deixe de ser doído. Quando a ouvi a primeira vez, ao violão, a batida ecoava aquela que Caetano usou em "Você é linda", embora aqui o tom apaixonado convicto, em que a amada é celebrada através de sua associação a elementos e objetos percebidos pela beleza, seja substituído por outro em que o "eu lírico" se dirige a ela entre inquisitivo e perplexo, sondando os sentimentos próprios e alheios diante de seu mútuo afastamento.


Outro detalhe digno de nota é que a letra já ia bastante avançada, e o convite era para que eu a complementasse, o que basicamente consistia em fazer mais um par de estrofes e dar talvez um ou outro pitaco. Ainda que a música tenha me cativado de cara, por outro eu julguei tremendamente difícil entrar numa conversa cujo tom pessoal era evidente. Mesmo considerando os muitos anos de convivência e o nosso introsamento como compositores, seria preciso encontrar um caminho para entrar naquela história que não era minha sem parecer intruso. Só restava tentar entrar me ajustando à estética e ao teor da narrativa propostas. Tinha de um lado a forma ABABCC', de outro um texto com um repertório que remetia à MPB de voos líricos, metáforas surpreendentes e sonoridades bem marcantes, com rimas em "em", "ã", "é", "is". O anasalado era uma recorrência significativa, e apelei dos vocábulos dos mais óbvios como "maçã" aos mais improváveis, como "Irã". O eco djavanístico era irresistível, magnético como a peculiar prosódia em "ímã". Assim procurei me inspirar no estilo por vezes enigmático (porém não incompreensível ou sem sentido como querem os apressados) e inconfundível deste grande cantautor alagoano, sintetisando o inconformismo do emissor com o verso "um velho profeta réu no Irã". Num paradoxo muito humano, essa disposição revoltosa representa força e fraqueza do sujeito, diante da separação, que, por mais adiada, é inevitável.

      

O que faz falta (Pablo Castro/Luiz Henrique Garcia)

O que me faz falta fica pra além
depois de amanhã
O amor vai e volta é como um ímã

O que não se espera
pode aparecer
e a ferida se abrir

Momento de culpa, colo de mãe
demora a manhã
um tempo poeta nu no divã

Vai me perguntar
e contar pra você
onde foi que eu perdi

Não sei se lhe importa
que eu olhe pra trás
ou tente entender o que lhe conduz

Você já não volta
talvez por um triz
se o que lhe faz falta você nunca diz
se o que lhe faz falta é quem você não quis

O que me faz falta pra ficar bem
depois do café
amargo a revolta e como a maçã

A mochila pronta
pode parecer
preparada pra ir

Momento de raiva, golpe na fé
adeus num afã
um velho profeta réu no Irã

Vai me desvendar
e contar pra você
o que me fez sentir

Não sei se lhe importa
que eu pire de vez
ou tente encontrar de onde vem a luz

Você já não volta
talvez por um triz
se o que lhe faz falta você nunca diz
o que me faz falta é ver você feliz

4 de junho de 2024

ALMA MOLHADA

 ALMA MOLHADA

Eu e o Mário Wamser já nos conhecíamos há uns bons anos. E já tinha um tempinho também que acalentávamos a ideia de fazer uma canção em parceria. Nos espaços costumeiros de convivência, como o Vento Leste em BH, a gente se encontrava já brincando com isso, “e a parceria?” “agora vai”, “e aí, futuro parceiro?” e o que mais se possa inventar em torno de uma expectativa que fica sendo adiada, por nenhum motivo em especial, simplesmente pela falta da fagulha inicial. Ano passado, numa noite daquelas teve mesmo uma tentativa curiosa, meio à moda antiga, na mesa de boteco. Com nossa musa inspiradora ali por perto, decidi caçar papel e caneta na hora e sapecar alguma coisa de pronto. Até saiu, mas depois a letra não era assim tão inspirada, e a música não estava ali dormindo à espera de ser despertada. Esse modo de compor costuma ser mais raro, especialmente em parceria. Tem outra situação que é musicar poema, mas aqui não seria propriamente isso, quando eu escrevo antes já penso na forma de canção. Enfim, não foi daquela vez. Mas estava esquentando, como se diz no “chicotinho queimado”. Foi então que em janeiro desse ano ele me manda uma gravação com um tema, cantarolando e tocando aquele violão todo trabalhado dele. Aí bateu a responsa. A música tinha umas quatro partes diferentes, bem definidas e articuladas, de modo a sugerir uma narrativa consequente, lógica. Ela tinha leveza, mas de alguma forma também uma sensação de desafogo. Foi justamente o que ele explanou num pequeno áudio que enviou em seguida, acrescentando que queria poucas variações na letra já que pretendia repetir a forma toda. Acessível, “popularmente falando”, e bem mineira, portanto sem banalidade. Lá fui eu. Embora um esboço não tenha demorado tanto a sair, eu não costumo fazer o famoso “monstro”, ou seja, uma letra guia só pra marcar a melodia, divisões, acentuações, etc. Faço às vezes uns tracinhos, como se contasse as sílabas, e quando a nota se alonga eu faço o traço longo. Cada vez mais eu tento acertar de primeira, me impondo o desafio de chegar o mais perto do desejado e depois ir só cortando as arestas. Neste caso eu fui por partes, como diria Jack... vocês sabem... O “B” (ou ponte) deixei por último, era o mais difícil, porque tinha que funcionar na letra como na música, ou seja, ser um tipo de ponderação ou questionamento dos versos iniciais “A” e ligá-los às partes subsequentes, em que o “C” é o clímax e o D uma espécie de epílogo. Eu fui entendendo isso enquanto fazia, que precisava levar o “eu” do seu alegre e lírico despertar até um estado mais reflexivo, em que ele encontra a paz depois da tormenta - provavelmente isso é um ponto de identificação com a canção para mim, para o Mário e para qualquer ouvinte dela: quem nunca?  Por isso a palavra “chuva trás da curva” (bem mineiro :P) foi uma espécie de centro gravitacional, indicando que a fumaça já se dissipara e lançando no tempo presente a disposição de seguir adiante, viver, tocar violão, “te” encontrar (sempre lembrando os Beatles da primeira fase, mestres da interpelação direta do intérprete para o/a ouvinte). Essa chamada trás no final uma espécie de convite convicto, imperativo, para que o ouvinte compartilhe essa onda, encha os pulmões, dance, e claro, escute a música (se for essa mesmo, melhor ainda, vale a propaganda subliminar rsrs). Tudo portanto terminaria no gesto final de respirar, depois do sufoco, e a princípio “Respira” era também o título da canção, mas meu parceiro veio com a sugestão de “Alma molhada” (foi uma repaginada dos versos do Brant em Nos bailes da vida) e eu gostei, tem personalidade e deu mais cara de música mineira mesmo rsrs. Acho que poucas experiências na vida me ensinam tanto sobre co-laboração quanto a parceria para compor. Não é simples traçar a linha entre até aonde vai a nossa personalidade e onde começa sua dissolução num recipiente diferente em que a criação é compartilhada. Saber receber isso é bonito, e tenho tido sorte. E banhado minha alma muitas e muitas vezes!

Alma molhada (música: Mário Wamser; letra: Luiz H. Garcia) jan-2024

 

A         Tirei

            Os meus pés do chão

Eu valsei no vão

Entre qualquer lugar

e a hora de acordar

 

A’         Sono leve

Despir do lençol

Servir um café

Um brinde ao sol alçar

nessa manhã sem par

 

B         Um dia que a gente respira

Depois que dissipa a fumaça

a alma molhada de sonho

deságua

 

C         Chuva

Trás da curva lá já lavou

nuvem passageira

outra vida inteira

agora quero andá(r)

Pego a trilha

Aprendendo sem decorar

Pra valer viver, tocar um  violão, quem sabe te encontrar?


D         Enche seus pulmões

Põe as mãos na arei_a

Dança em pleno ar

Ouve um som na vei_a

Respira 



24 de maio de 2024

O BRASIL QUE CAI NO SAMBA

 O BRASIL QUE CAI NO SAMBA



Tava doido pra contar a história dessa canção que acabou de sair, quentinha, no EP Novelo da jovem cantora Flor Grassi [
aqui para ouvir tudo, que tá lindo!]. Certa manhã, final de semana, já estava combinado de encontrar meu parceiro Dan Oliveira, no estúdio Música aos Montes. Era pra fazer uma letra pra uma música nova dele, já meio que na leva das que poderiam figurar em seu primeiro disco solo, que estava começando a ser aventado. Ocorre que eu acordei animado e do nada me veio (fato raro) uma melodia sincopada, um esboço de um sambinha simpático e maroto. Essencialmente era o verso de “O Brasil que cai no samba”. Eu já no ônibus, indo, meio catando as palavras, não estou certo se apenas mentalmente ou se anotei em algum lugar, pois como eu estava indo pra fazer uma letra certamente levei papel e caneta. Cheguei lá com essa primeira parte ainda sem acabamento, e dois motes principais: o primeiro era uma espécie de antídoto de alegria aos maus bocados dos primeiros anos do governo Bolsonaro - era meados de 2019; o segundo, meio derivado, era a afirmação da brasilidade a partir da reação à infâmia e ignorância da turba reacionária, cuja metonímia seria aquele bordão “o Brasil jamais será vermelho”, que desconhece a origem da própria palavra que dá nome a nosso país. Preciso dizer que estava muito eufórico e compartilhei com meu parceiro aquele germe de canção na esperança de que ele gostasse e topasse levar o rebento adiante. Pois ainda que eu tenha uma limitada leva de obras só minhas, arranhe no violão e cante para consumo próprio, os parceiros com quem componho estão em outro patamar, e no caso do Dan eu nem hesitei porque estava certo de que ele iria levar o samba à maioridade. Dito e feito, num piscar de olhos ele consolidou a primeira parte, colocando a solução melódica da estrofe que traz uma espécie de brequinho, muito característico, e ainda fez uma segunda parte. Eu ia engordando a letra e me veio a ideia de homenagem a referências musicais, como Tom Jobim, João Gilberto, Pixinguinha, Chiquinha Gonzaga. Bem manjado mesmo, sem grilo. Um nome puxa outro, inclusive pela sonoridade. Até cheguei a pensar em colocar mais, ia virar uma “Paratodos do samba”, mas como sempre eu já tinha tanta ideia, que era o risco da síndrome de Bye, bye Brasil, ou seja, de fazer uma letra quilométrica e depois ter que cortar. São nomes que são pilares, então achei que estava de bom tamanho. Não deixa de ser curiosidade o fato de que o João era o único vivo da turma, mas agora também está jogando na seleção da posteridade. Com o resto da música rolando, eu botei o Brasil caindo no samba e depois ataquei o B, em que me ocorreu dar uma tensionada no excesso de lauda, então meti “Chega de saudade dessa terra” e taquei uma carga panfletária mesmo, esse é um traço meu, contra o qual não luto. E foi em frente com a espetadinha em outro símbolo nacional, o futebol, que tá “mal da perna” já faz um tempo. Mas não rompi o clima de festa – que o arranjo à la Novos Baianos e a interpretação graciosa da Flor ressaltaram ainda mais - e ainda deu pra citar vagamente uma canção do Chico que eu adoro, Feijoada completa, aí pra mencionar esse equivalente culinário do samba, também tributário da mistura que nos constitui. Qualquer crítica cultura me questionaria por usar “samba” e “Brasil” como entidades, reproduzir clichês sobre a identidade nacional, mas isso aqui não é tese, é letra de canção. Que sim, transporta ideias e por isso mesmo merece ser pensada e esmerada. Levei pra casa, finalizei, batemos o martelo, fizemos uma gravação caseira, mas o mundo ainda ia dar muitas voltas até a canção chegar a este momento de lançamento. O estado de felicidade que me tomou ao acordar com uma melodia pintando na cuca floresceu durante esse tempo, com tanta gente legal regando a planta. Que o povo não seja privado desse fruto, bora espalhar esse som o máximo possível. Caiam no samba!

P.S.: Ah! De quebra eu ainda comecei a letra da outra, a que eu fui lá fazer, inspirada num documentário sobre Tarkóvski, mas essa história deixo pra contar em breve.

O Brasil que cai no samba (Luiz Henrique Garcia e Dan Oliveira)


Vem ver o sol nascer hoje, majestoso,
O Brasil, amoroso
O Brasil, que dá gozo
O Brasil que cai no samba

Na rua a gente se encontra, se abraça
O Brasil, sem farsa
O Brasil, tá na praça
O Brasil que cai no samba

Ao som de Tom e João, Pixinguinha
O Brasil, caminha
O Brasil da Chiquinha
O Brasil que cai no samba

Chega de saudade dessa terra
De privar o povo dos seus frutos
Saiba que o futuro é feito agora
Na hora de colher a própria História

Olha que a Geral já vem à forra
Pode preparar a feijoada
Se o futebol tá mal da perna
O samba vai tocando a madrugada

À noite a lua ilumina o rosto
O Brasil que dá gosto
O Brasil tá disposto
O Brasil que cai no samba

Espreme aquela ferida, que vaza
O Brasil, ganha asa
O Brasil, feito brasa
O Brasil que cai no samba

Chega...
Olha...
Ao som...


29 de novembro de 2023

COISAS QUE FICARAM MUITO TEMPO POR DIZER



Fazer canções é um ato de alegria desmedida. Ainda mais, pra mim, quando o caráter lúdico envolvido não implica numa redução à banalidade. No último final de semana estive com o parceiro Pablo Castro e compusemos como nos velhos tempos, duas canções. Uma delas, da qual falarei noutra ocasião, foi praticamente "em tempo real", ele ao violão tocando o mote inicial, eu no papel e caneta mesmo. A segunda era um sambinha que já tinha a música pronta e um primeiro verso, sugestivo, "coisas que ficaram muito tempo por dizer". Esta evidente citação, vale lembrar, está também no título da minha dissertação de mestrado sobre o Clube da Esquina. Quando a gente já está a tantos anos nesse negócio, às vezes é preciso inventar uma moda diferente pra variar. Propus então levar adiante o lance da citação, e fazer a letra inteira assim. Considerando o tamanho do desafio auto-proposto, gravei e levei pra casa. Na tarde de domingo, tomado pelo impulso, muito por conta de ter feito a outra num jorro só de menos de uma hora, sentei diante do computador e espalhei um bocado de encartes de CDs na mesa. Para tornar a coisa mais interessante, eu decidi que iria "picotar" e justapor os pedaços de versos citados. E para tornar o jogo ainda mais divertido, era preciso que essa bricolagem adquirisse um sentido discursivo e político, o que simultaneamente tira a sensação de mera sucessão de referências. Eu que não sou formalista de plantão, evito metanarrativas e excessos intertextuais, nessa foi inevitável. Fiquei me sentindo um verdadeiro cruzamento de Dr. Victor Frankenstein com Stanislaw Ponte Preta. Fiz muitos versos bárbaros rsrss, não é auto-elogio, é que segundo a classificação de métricas, versos com 13 ou mais sílabas são "bárbaros".
Para terminar, tive que evitar o "efeito bye-bye Brasil", ou seja, a tendência a tornar a letra kilométrica simplesmente porque depois que a gente pega o embalo é difícil acabar com a curtição. Aliás, é legal que o próprio ouvinte pode entrar na brincadeira, tentando identificar as canções de onde os trechos foram tirados e baralhados. Fica aí o convite!
Coisas que ficaram muito tempo por dizer
Música: Pablo Castro Letra: Luiz H. Garcia
Coisas que ficaram muito tempo por dizer
Falo sem saudade falo quase sem querer
Chega de miséria em qualquer canto ou lugar
Se o mundo é um moinho, gente é feita pra brilhar
Flor do Lácio, minha língua,
Bossa, Rosa, João
A lição que aprendemos de cór
Tão boas palavras de cantar ao coração
Pra quê filosofar em alemão?
Tá lá um corpo atrapalhando estendido no chão
A mão que faz a guerra também toca violão
A gente não quer só comida, bica no quintal
Sede de viver tudo é um grande carnaval
Da barriga dos mistérios
Morro dois irmãos
Um mais um é sempre mais que dois
Diz a voz do povo que amanhecerá mamão
É melhor fazer uma canção
Bem se quis depois de tudo ainda ser feliz
No viaduto a equilibrista bisa por um triz
Com sol e chuva o sonho ainda pinta por aí
Quero mais saúde tutti frutti açaí
Flor do Lácio, minha língua,
Bossa, Rosa, João
A lição que aprendemos de cór
Tão boas palavras de cantar ao coração
Pra quê filosofar em alemão?
*P.S. reparem que há permutações possíveis na execução rsrs.

27 de março de 2023

NOVA ARCÁDIA

Compor canções é algo tão antigo quanto a própria humanidade. Claro que quando tratamos desse assunto em nossos dias inevitavelmente situamos tal ofício em relação ao meio que acaba exercendo sobre ele forças centrípetas e centrífugas, que é a indústria fonográfia. Ainda que qualquer canção possa nascer, e mesmo existir por anos e anos totalmente alheia aos processos que a fonografia estabeleceu, esse será um parâmetro inevitável para avaliar e experimentar sua aparição no mundo. Quero, com esse preâmbulo, introduzir meu relato sobre duas sensações complementares, que não percebo como contraditórias. A primeira é que compor - para mim eminentemente em parcerias - é um trabalho com inquestionável validade em si mesmo, de modo que cada criação merece ser apreciada desde a gestação até o momento em que se consolida aos olhos e ouvidos dos compositores. A segunda é a gravação, ou seja, a transmutação de uma canção da sua forma original, nua em pelo, por assim dizer, numa aparição diversa, vestida com todo tipo de procedimento mediado por uma aparelhagem que permite o que se assemelha a costurar uma indumentária com arranjos, timbres, solos, vozes, entre outros elementos musicais, e até mesmo alguns extramusicais, para vesti-la. É possível gostar das duas coisas, dos dois momentos, e se eu posso me permitir essa analogia, com o devido desconto, é como celebrar o nascimento da criança e depois um grande momento da vida de um ser humano, como uma formatura ou matrimônio, por exemplo. 



É portanto uma felicidade em dobro quando sai uma canção de um parceiro comigo, como acabou de acontecer com Nova arcádia, que fiz com Rafael Senra,  em seu disco O sereno da noite [ouça todo][veja a página especial], ainda que "disco" hoje remeta sobretudo a um conceito que reúne canções num lançamento simultâneo, pois tornou-se cada vez mais raro e difícil lançar tal tipo de "objeto" em sua tradicional forma física. Aliás, é sobre isso que versará, entre outras coisas, a pesquisa de pós-doutorado que irei realizar a partir do meio do ano (assunto quiçá para outra postagem). 

Nova arcádia faz parte de uma primeira leva de parcerias nossas, que pelos meus registros começaram a tomar forma em 2017. Quem lê o blog portanto irá imediatamente perceber a distância que pode haver entre a composição e a gravação de uma canção, e olha que pode ser muito maior que isso. Mas a proposta aqui é falar de criação, então vamos lá. Enquanto ouço a despojada demo que o Rafa me mandou, dedilhando o violão e cantarolando a melodia, penso que de alguma forma o letrista tem que "advinhar" o que pode vir a ser a canção, inclusive na virtualidade de sua gravação. Compartilhamos entre outras afinidades e interesses, o gosto pelo rock progressivo (ainda que ele conheça infinitamente mais o gênero que eu) e a temática de pesquisa sobre Clube da Esquina (ambos tratamos disso em nossas dissertações de mestrado). De posse desse "esqueleto", que além da própria combinação entre harmonia e melodia já propunha uma estrutura para os versos, me ocorreu trazer para a letra algo que traduzisse a sensação de algo épico e ao mesmo tempo "clássico", por assim dizer. Me ocorreu que a mineiridade, tópico que o Rafa tratou com muito mais delonga do que eu ao escrever sobre o Clube, era um tema que respondia a essa necessidade, e ao mesmo tempo ganha em peso experiencial a partir da ida dele para lecionar na UNIFAP no Amapá. Foi ficando definido pra mim que deveria explorar a ligação da Inconfidência mineira com o Arcadismo, evidente na participação destacada de Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga. Daí obviamente temas neoclássicos como a mitologia, a natureza e o elogio da razão. Sem o mesmo rebuscamento, eu me inspirei nas letras de Peter Gabriel no tempo do Genesis, como The fountain of Salmacis. Não sou de grandes formalismos mas às vezes pinta uma ideia, como a reiteração do "v" que começa já no primeiro verso. No mais recorri a imagens bastante manjadas, e é como se o "eu lírico" fosse uma personagem de época, soltando bordões  iluministas e citando deuses gregos. Tem uma lembrancinha ou duas também das aulas de Política na graduação, uma pitada de Hobbes aqui, de Rousseau ali. Acho que condiz bastante com o rumo que a música tomou na gravação, esse tom assertivo e grandiloquente. E se o disco não tem um conceito de amarração tão explícito, esse tópico da noite é recorrente. Na canção claramente a treva, a sombra, são representações da falta de esclarecimento e civilidade. O "nova" entra como uma espécie de vontade de atualização, ou mesmo uma projeção utópica, a contrapor a distopia que tomou conta dos últimos tempos. Certamente o "eu lírico" da canção é mais ingênuo do que eu, mas gosto de pensar que sempre essa emissão dá ao compositor a oportunidade de deixar algo de si mesmo quando, simultaneamente, se distancia pela oportunidade que a imaginação lhe confere de ser "outro". 




Nova Arcádia (música de Rafael Senra, letra de Luiz Henrique Garcia)

Entre as trevas a vista
se insinua o sinal
Imortal
O fogo que deu Prometeu
para a terra iluminar

nos cantos escuros
nas Minas Gerais
onde mais
se forje no ferro a razão
para o medo aprisionar

longe do alvorecer
e deixar
nosso povo escolher

sem calar
toda voz que se erguer
pra falar
do que ainda há de ser

Entre as sombras mais vastas
Esgueira-se a luz
Corpos nus
Apolo conduz pelo sol
para a vida completar

num canto maior
Nova Arcádia de paz
onde mais
se forje no ferro a razão
para o medo aprisionar

longe do alvorecer
e deixar
nosso povo escolher

sem calar
toda voz que se erguer
pra falar
do que ainda há de ser



25 de janeiro de 2023

MACHADO ELÉTRICO


Mais uma das minhas parcerias com Daniel Guimarães. Essa foi a que mereceu mais revisões e reinvenções na letra. Quem se lança na tarefa de botar palavras na música que outra pessoa compôs tem que estar disposto à tarefa, que pode ser tanto um passeio de pedalinho quanto uma circunavegação do Cabo das Tormentas. No geral não será nem tão ameno nem tão dramático. Enquanto escrevo este texto vou recapitulando as conversas que fui tendo com o Daniel via mensagem no facebook - já devo ter dito em algum dos relatos anteriores que a distância condicionou essa forma de interagirmos. O fato é que eu esteva muito nessa onda de brasilidade, ali por meados de 2020. Com a verve de historiador falando alto, comecei com uns versos que pareciam adaptação de livro didático ou versão de samba enredo, diante de uma melodia sinuosa, que me sugeria o mar e uma narrativa forte, densa, solene. 

Pindorama, litoral 
Veio a nau da Guiné de Bissau
Sesmaria, pau brasil
chão dividiu
gente arredou

Só o primeiro verso resistiu rsrsr. Mas naquele momento segui naquela toada, fiz outra estrofe e depois o B (este manteve ao final a mesma redação) que de alguma forma sugeria uma reflexão sobre a passagem do tempo, e expressava também a vontade de ver mais um momento de crise do país ser superado de alguma forma. Daí cravar ao final: o futuro vai passar. Do ponto de vista das figuras brasileiras que eu evocava, o futuro delas era o nosso presente, que também deixa de ser, em meio a essa imagem alegórica e sincrética refletida num objeto simbólico pertencente a uma divindade afro-brasileira, o que me fora instigado pelo título da "demo", que já era Machado elétrico.
Satisfeito naquele ponto, enviei ao parceiro o resultado. No retorno, com toda a delicadeza e muita sensibilidade, ele foi destrinchando pra mim a motivação por traz do que compusera, homenagem a um querido amigo e parceiro musical dele que havia deixado essa nossa precária existência. Além de comovido eu me senti incumbido da tarefa de me acercar minimamente, através do relato dele, de algumas músicas gravadas, da pessoa do homenageado. Entre as nossas conversas fui procurando um jeito de conciliar o impulso original do que eu escrevera com essa nova perspectiva. Fico feliz de constatar, revendo essas mensagens, que fizemos tudo com muito respeito mútuo e paciência. Esse é o fundamento de qualquer parceria, porque querendo ou não estamos nesse barco expostos a tudo. Não é mole a vida do compositor, em especial a do cantautor que interpreta suas próprias canções, muitas vezes colocando pra fora o que tem de mais íntimo esperando que isso faça sentido pra outras pessoas. Busquei, assim, capturar dentro de um mesmo universo imagético o limiar entre a vida e a morte, a praia e o mar, o passado e o futuro, enfim, a mudança que é algo que experimentamos como indivíduos e como sociedade. Acho que o resultado final foi digno do desafio, e a canção como um todo ficou muito bonita, como é possível conferir nessa versão voz e violão:


Machado elétrico (Daniel Guimarães/Luiz H. Garcia)

Pindorama, litoral
Vento risca nas dunas de sal
Corta a voz do cantador
Céu carregou
Vem temporal

Junta contas no cordão
Sente areia escorrendo da mão
Sol e sombra na feição
Espuma nos pés
Desafia o ar

Guerreiro tupinambá
Ergue a vista sobre o mar
Vê a lua brilhar
No machado de Xangô
Entre sangue e resplendor
O futuro vai passar

4 de julho de 2021

VALSA DO NÃO LUGAR

Mais uma para essa coleção de relatos sobre a feitura das letras de canção que tenho feito pela vida. Essa é relativamente recente, composta salvo engano em 2018. Meu parceiro Pablo Castro me deu essa bela valsa e apenas um verso sugerido, "haverá um não lugar". Se o pano de fundo emocional era o amor perdido, a sugestão temática remetia ao universo das utopias. Era literalmente uma encomenda. Aconteceu de por volta dos dias em que recebi a gravação fui assistir a um show (não tenho certeza absoluta mas acho que foi de Luisa Lacerda e Giovanni Iasi, que aliás foi fino) na simpática Idea Casa de Cultura, teatrinho intimista numa casa tombada em que funciona na entrada uma pequena livraria. Pois ali me peguei a folhear, um pouco antes do espetáculo, História das terras e lugares lendários, erudita compilação do grande Umberto Eco, com textos comentados combinados a mapas e ilustrações belíssimas desse campo particular da invenção humana. Passeando entre Atlândida, Lemúria, Shangri-lá e o País da Cocanha, encontrei o mapa da mina, por assim dizer. Para mim funciona muito assim e depois que encontro o rumo já sei mais ou menos os caminhos a trilhar. Rapidamente fui listando os lugares utópicos ou fantásticos e decidindo como encaixá-los na melodia, imaginando um "eu lírico" como um arqueólogo ou desbravador daquelas grandes obras do romance de aventura do XIX que marcaram minha formação de leitor, como o professor Lidenbrock de Verne, o Challenger de Arthur Conan Doyle ou Alan Quatermain de Haggard. Ótima oportunidade também de brincar um pouco com o "academês", trazendo um vocabulário pouco afeito ao repertório típico do que seria suposto para uma canção de amor, mas totalmente aplicável neste caso. Aproveitei pra revezar sons abertos e fechados, acentos agudos e circunflexos, dando uma enriquecida nas rimas. Joguei também um pouco com os suportes, as diferentes fontes de informação - alfarrábios, códices, iluminuras, manuscritos - que esse investigador poderia consultar em busca de resolver o mistério, de achar o lugar perfeito para viver com sua fugidia amada. Me lembrei da atmosfera de Futuros amantes, do Chico - só que ali é só debaixo d'água, e eu imaginei mais uma viagem pelo globo, até chegar à Amazônia, para dar uma tonalidade brasileira e colocar ali o uirapuru - esses nomes indígenas tremendamente musicais são irresistíveis - combinando com a melodia sinuosa e esvoaçante dessa terceira parte. E finalmente cheguei ao bordão final, preparado com uma pequena variação, em que aproveitei para ser, digamos, mais óbvio, usando explicitamente Utopia e Ilha - que não poderiam ficar de fora - deixando o eco da busca inconclusa como som síntese da esperança utópica de reencontrar o amor perdido. Considero essa uma das melhores letras que fiz nos últimos anos e ela veio num período em que eu estava precisando acertar a mão, por assim dizer. Se for pra fazer uma valsa romântica, de preferência que seja uma letra cheia de lugares incomuns.
 

Valsa do não lugar

(Pablo Castro/Luiz Henrique Garcia)

Consultei os alfarrábios,
doutos manuscritos,
contos em chinês

Os recônditos tratados
de proscritos sábios
parcos rodapés

Shangri-lá seria aos pés do Himalaia
Xanadu perdida atrás de uma montanha
As minas do rei Salomão
cidade ao sol

Na Amazônia o uirapuru me guiaria
Rumo a terras que você não sonharia
longe
dessa ilusão
civilizada

Sigo em busca de utopias
Pra gente morar
Haverá um não lugar
Haverá um não lugar

Procurei nos pergaminhos
Nas iluminuras
cultos dos nagôs

As menções mais obscuras
Códices antigos
leis de faraós

A Lemúria desapareceu no tempo
Lilipute não passou de outro delírio
Atlântida submergiu
Mistério mór

Na Amazônia...

Sigo em busca de uma ilha
Pra gente se amar
Haverá um não lugar
Haverá um não lugar

2 de janeiro de 2021

SUPERNOVA SG532

Tremenda satisfação começar o ano com um lançamento na praça. Ou melhor, com uma canção no ar. E uma inédita de um parceiro com quem já estou compondo há uns anos, mas ainda estávamos mais naquele modo do consumo interno, naquela coisa mais nossa mesmo. Tenho muitas canções nesse estágio, com vários parceiros, e não me aflijo. Umas virão à tona no momento certo, outras serão essas pequenas preciosidades que guardamos só pra nós, ou eventualmente para pessoas muito próximas. Isso para mim é absolutamente necessário, a parceria demanda esse espaço exclusivo para que a criação possa acontecer.  Há o entrosamento que os parceiros vão desenvolvendo, descobrindo afinidades e preferências, aprendendo como dar incentivo, trocar ideias e negociar seus entendimentos particulares, como falar sim, não ou talvez um para o outro,  crescendo nessa aproximação simbiótica. Compor pode ser penoso ou prazeroso, fatalmente ambos, e é preciso confiança mútua, reconhecimento das qualidades e defeitos de cada um, mas sobretudo muita vontade de ver uma canção pronta ao final. O Rafael Senra é um multiartista, que transita da música aos quadrinhos, se arrisca em canais de You Tube, que também atua na área acadêmica como professor e pesquisador. Aliás ano passado (que maravilha referir-me a 2020 assim) escrevemos juntos um capítulo para um livro sobre distopias, bem a propósito dos dias que vamos vivendo. É sempre um prazer trabalhar com ele, pela criatividade e energia contagiante. Compartilhamos referências musicais importantes, como Clube da Esquina, Beatles e rock progressivo.
 
Aí chegamos propriamente ao assunto da postagem. Recebi dele a gravação com a melodia e um instrumental básico, exibindo já esse clima etéreo, essa inevitável sugestão do mote espacial, provisoriamente intitulada - por razões por demais óbvias - de "Tema Supertramp". De imediato, como ando fazendo, busquei algo previamente escrito que pudesse servir como estágio inicial do foguete. Encontrei um rascunho com o nome "Estratosférica". Tem sempre um misto de aventura e perigo ao brincarmos com as palavras maiores e ainda por cima proparoxítonas, pra fazer letras, ainda mais com uma proposta assim, em que a canção é o centro de gravidade mas existem longos braços instrumentais estendidos como uma galáxia sonora. Fiz um primeiro rascunho, sugerindo uma estrofe a mais, mas ela entrou em rota de colisão com um cinturão de asteroides além de Marte. Ficaram só seis versos para dar o recado! E teria que ser uma coisa muito icônica, e claro que é inevitável pensar no recorrente apelo ao "meteoro", que alude à extinção dos dinossauros e à nossa possível. Porém o que a música sugeria era algo mais suave, mesmo que a escala fosse grandiosa. Fui burilando com um pouco mais de tempo, e no início de 2020, depois de ler Pedra no céu, primeiro romance do escritor Isaac Asimov, um dos mestres da ficção científica, troquei "calota polar" pelo título do livro na primeira estrofe. Funcionou bem melhor, ainda que a pedra a que Asimov se refira seja o planeta Terra mesmo, e não um meteoro. Há poucos dias, enquanto lia O pêndulo de Foucault de Umberto Eco, li um trecho em que a narrativa fala do Parsifal (o cavaleiro arturiano Percival) e dá a entender que "esse graal guardado pelos templários é definido como uma pedra caída do céu: lapis exillis. Não se sabe se significa pedra do céu (ex coelis) ou que vem do exílio (...) alguém sugeriu que poderia ser um meteorito". A criação também pode ser favorecida por esses acasos... se é que essas coisas são apenas coincidências...
Como a primeira estrofe remetia muito ao campo visual, pensei na segunda como sendo referente ao som. Havia então essa rima curiosa com "América", uma palavra de tantas conotações... os ouvintes sempre podem pensar em várias... mas para mim ecoaram duas citações inesperadamente coincidentes, a famosa transmissão radiofônica (um termo que num dado momento cogitei mas acabou saindo da estrofe) de A Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, realiza por Orson Welles em 1983 que deixou muita gente em pânico nos Estados Unidos, e a letra de Fernando Brant para Canção da América, originalmente lançada em inglês como Unencounter no disco Jorney to dawn de Milton Nascimento gravado nos EUA. Provocativamente eu coloquei "toda América", para referir ao continente todo, e claro, quis fazer uma homenagem ao Bituca ali, o dono da impávida voz, a majestade do som. A ideia era criar junto uma imagem de beleza e impacto. 
Resta falar do título. Creio que o Rafael sugeriu esse Supernova, derivando de Supertramp e acentuando o aspecto astronômico da canção. Alguns provavelmente pensarão numa certa canção da banda Oasis, e também para nos certificarmos que não haveria confusão foi surgindo essa ideia de uma coisa pseudo tecnológica, com siglas e números que são ideias muito exploradas na literatura e no cinema de ficção científica - evoco de cara THX 1138, de George Lucas, e Fahrenheit 451 de Ray Bradbury, que Truffaut levou ao cinema. Virou curtição, Rafael adotou o SG dos nossos sobrenomes (por coincidência remete a uma guitarra Gibson) e propôs 532 a partir de uma superstição pessoal "cabalística", ainda que eu me recorde vagamente de termos brincado de fundir números de nossos endereços residenciais, mas a memória prega suas peças. Acho válido pra deixar a coisa assim, bem idiossincrática. É o tal negócio, cada parceria permite que a gente explore um lado da nossa personalidade. Em geral sou muito zeloso do aspecto da brasilidade no que faço, mas aqui me permiti ser particularmente universal.


P.S. 05/01 - texto de meu parceiro Rafael Senra.

Após ler o excelente depoimento do meu querido parceiro Luiz Henrique (escrito por ele ainda no calor do lançamento, com impressionante riqueza de detalhes do processo), pensei em também escrever algo, mas puxando mais para o lado da criação da melodia.

Essa canção foi feita em um período de férias: eu já morava em Macapá, tinha tido meu primeiro semestre como professor da Universidade Federal do Amapá, e estava descansando na casa dos meus pais, em Congonhas (MG). Levei meu notebook e minha placa de áudio para lá, e, em determinado dia, deu vontade de tentar gravar um tema mais progressivo, longo, com diferentes passagens instrumentais.

A base da canção foi composta enquanto eu gravava, e não antes. Eu elaborava uma melodia ou um riff, e as primeiras execuções desse arranjo já eram feitas enquanto eu dava o “rec”. Fui compondo mais focado no teclado, deixando alguns espaços na canção para que depois fossem inseridas guitarras.

Essa base foi criada e gravada muito rápido. Não sei precisar o tempo, mas lembro que a fiz bem mais rápido do que a maioria das canções que já compus. É engraçado, porque se trata de uma faixa longa, com várias passagens instrumentais, e dá a impressão de ter sido algo elaborado e muito burilado; mas, não, em termos de composição, foi muito rápido. Foi um anti-Dorival Caymmi, conhecido por demorar anos e anos para compor frases e melodias aparentemente simples. Mas é que o simples dá trabalho. Lembro-me também do guitarrista do Dream Theater dizer, em uma entrevista, que o que eles fazem não é difícil: que difícil mesmo é fazer uma canção como o U2, que soe relevante com poucos acordes e 4 minutos...

Pois bem. A criação estava fluindo muito, até que, no dia 25 de janeiro de 2019, li a notícia do estouro de uma barragem em Brumadinho. Como Congonhas fica bem perto dali, entrei em pânico. Eu li a notícia em um site pequeno, sem muitos detalhes, escrita cerca de dez minutos após o ocorrido. Fui o primeiro a divulga-la para vários amigos, sem saber da proporção que aquilo realmente alcançaria. Lembro bem de mim, com o teclado musical diante de mim, ainda elaborando alguns dos arranjos, e de repente me vendo distraído com a inesperada notícia, procurando desesperado por mais notícias sobre o ocorrido.

Isso foi em uma sexta feira. No fim do dia, soube que uma grande amiga estava nessa empresa da Vale, e consequentemente o fim de semana foi de puro pânico. Eu e diversos amigos do nosso círculo estávamos devastados. Minha tábua de salvação foi dar tudo de mim na elaboração desse tema musical. Me dedicar à gravação dessa canção foi importante naquele momento, foi uma maneira de não me afundar nos sentimentos cruéis e pesados que só cresciam naquele momento.

Após ter gravado as guitarras, tentei escrever uma letra, tentando expressar a dor sentida pela tragédia de Brumadinho. Não fazia muito tempo que eu tinha ido ao Inhotim pela primeira vez, e me pareceu horrível ver uma região tão bonita ser devastada dessa maneira. Mas a maior dor era pela perda dessa amiga que lá estava, que eu conhecia há anos e era esposa de um verdadeiro irmão de vida. Meu sentimento era real, era duro de lidar, e não consegui traduzi-lo em palavras.

Enviei a melodia para meu parceiro Luiz Henrique Garcia, e comentei muito brevemente sobre a intenção de orientar a letra nessa direção de ser uma espécie de “ritual de cura” do ocorrido. Mas a sugestão não era nada estimulante, ou pelo menos notei que Luiz também não encontrou nesse mote nenhum tipo de inspiração*. Letras de música são algo difícil: muitas vezes, você tem uma ideia interessante, mas a música não aceita a sua ideia. Me parece que toda letra de música que busque a relevância precisa nascer de um “acordo” com a melodia. É preciso que a canção aceite as palavras. De certa maneira, creio que um letrista é em parte criador e em parte tradutor. Ele precisa, em algum nível, traduzir o que a própria melodia já está dizendo (ou gostaria de dizer).

Luiz então se arriscou em uma direção diferente da que eu tinha previamente sugerido. Ao longo dos meses, lentamente, algumas mudanças foram sendo feitas. As vezes, eu perguntava a ele se uma palavra poderia ou não ser substituída, e ele ia pensando em possibilidades diferentes, e aí batíamos o martelo juntos. Trabalhar com o Luiz tem muito desse tipo de diálogo, em alguns momentos. Eu tento não interferir no que ele escreve, mas aprecio a delicadeza com a qual ele submete a letra a meu escrutínio, e se abre para uma eventual necessidade de reescrever ou não alguma coisa.

Continuei mexendo na gravação dessa música ao longo de vários meses. Tentei tocar a melodia geral com som de piano, em vez do som de wurlitzer original. Eu tinha usado originalmente um timbre bem a la “Supertramp”, daí o nome da guia, como Luiz mencionou. Mas não ficou legal com som de piano, daí retomei o timbre original.  

Quando decidi gravar um disco em Macapá, no Estúdio Zarolho, mostrei para o produtor Alan Flexa a versão caseira que fiz. Ele achou que soava bastante como 14 Bis, o que me deixou bastante feliz. Quando mostrei para Alan, já estávamos no processo de gravação de outras músicas, e eu diariamente ia em seu estúdio para gravarmos tudo lá: guitarra, baixo, bateria, vocais (apenas os teclados que gravei em casa eram mantidos).

Mas, no caso dessa, Alan sugeriu que eu mantivesse a guitarra gravada em casa. Ele achou que, mesmo sendo uma guitarra feita para uma guia, ela soava ótima, e o solo de guitarra não precisaria ser regravado. Ele achava que eu tinha conseguido algo que soava tipo 14 Bis mesmo, como no solo de músicas tipo “Espelho das Águas”. No início do texto, disse que a base da canção foi feita rapidamente, mas esse solo de guitarra deu trabalho para compor. Eu queria que fosse algo memorável, e me dediquei muito para cria-lo. A gravação dele foi mesmo feita em casa, e há algo na performance que fiz que me parece bem apaixonada. Fazia sentido mantê-la.

A bateria da original era uma base em MIDI bem quadradona. Chamamos Forlan Gomes para gravar uma bateria de verdade. Como de costume, ele ouviu a versão demo poucas vezes antes de gravar. A única coisa que deu trabalho foi, já no fim do solo, em um momento que eu pedi a ele para bater no prato de ataque junto com uma nota específica do solo que achei importante ressaltar também na bateria. Isso demandou vários takes para dar certo. Mas, no geral, Forlan gravou algo com a suavidade e a fluidez que eu queria, o resultado ficou fantástico. Depois só precisei voltar ao estúdio para gravar os baixos e as vozes.



Nota do editor:
* De fato acho tremendamente difícil para o letrista capturar o sentimento do parceiro quando envolve uma coisa de teor muito pessoal do qual aquele não tomou parte. Já consegui em raras ocasiões, mas por mais entrosamento, conversa e empatia, há distâncias que podem ser intransponíveis. Quando é assim eu prefiro me afastar dessa linha e propor outra leitura. É claro que o parceiro precisa se identificar com ela, também.  





Supernova SG532 (Música de Rafael Senra e letra de Luiz Henrique Garcia)

Estratosférica luz 

Estandarte do sol

Uma pedra no céu explodiu

 

Por toda América ouvi

Majestade do som

A impávida voz que espalhou