Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

5 de maio de 2021

Bolacha completa - John Lennon/Plastic Ono Band edição de luxo

Acabou de sair uma caixa com a edição de luxo do primeiro disco de John Lennon em carreira solo - claro, com sua parceira de vida e música Yoko Ono, co-produzindo, e tocando, como está no título, com a Plastic Ono Band - o que representa, neste caso, uma banda que incluiu Ringo Starr, Klaus Voormann no baixo, Billy Preston nas teclas, uns pianos complementares do legendário produtor Phil Spector. Instado por mim e por outros internautas, meu caríssimo amigo Vlad Magalhães, músico profundo entendedor da obra de Lennon e dos Beatles, presença consagrada nas melhores formações de bandas ou em apresentações solo de tributo à obra dos quatro cavaleiros do Após-calipso, registrou sua apreciação do impressionante montante de mais de 7 horas de áudio. Ele gentilmente cedeu o texto, que disponibilizo aqui no Blog disparando foguetes. Ao Vlad meus cumprimentos e agradecimentos por esse minucioso relato, porque eis aí o mapa da mina. Além de tudo ele reuniu um extrato dos "melhores momentos" numa playlist aberta do Spotfy, que seguirá no corpo da postagem. Quando eu puder, pretendo traçar algumas linhas sobre o disco original, mas isso pode esperar.

Por agora, deleitem-se. 

"Atendendo a pedidos" aí vão minhas impressões sobre PLASTIC ONO BAND (THE ULTIMATE COLLECTION)
 Por Vladimir Magalhães 
DISC 1
é o disco oficial + 3 singles lançados na época, remasterizados. Sem grandes surpresas, diferente das novas mixagens dos Beatles que alteraram bastante vários elementos (nem sempre pra melhor). Esse foi bem mais fiel à mixagem original, claro, com mais definição na voz e nos instrumentos, como se tivessem dado uma lustrada em tudo, trazendo os graves para o século XXI.
Destaques: MOTHER - sem ruído do vinil usado na gravação do sino
Vocais de ISOLATION, REMEMBER e GOD bem mais na cara do que na mixagem original. Arrepiantes.
DISC 2
Última versão das músicas antes das versões oficiais, em suas formas definidas, com alguns pequenos detalhes que foram minimalisticamente lapidados no final
Destaques:
WORKING CLASS HERO - take 1
REMEMBER - parece ter sido a que Ringo e Klaus tiveram mais dificuldade de encontrar a melhor levada, que afinal conseguiram. Também sua introdução e final parecem ter sido conseguidos aos 48 do segundo tempo.
LOVE - levada de violão nitidamente inspirada em Yesterday
DISC 3
Destaques:
MOTHER - arrepiante vocal isolado
COLD TURKEY - sem o vocal, guitarra solo com mais feedback, num dos solos mais subestimados do rock'n'roll
Destaque negativo
REMEMBER: um efeito muito irritante (talvez uma jaw-harp). parecendo uma mola ou uma bola de desenho animado, felizmente não saiu na versão final
DISC 4
mixagens cruas das versões finais, exceto I FOUND OUT que tem uma parte a mais, cortada depois
Destaques:
GOD: a voz rouca sem o "slap echo"
GIVE PEACE A CHANCE: versão estendida
DISC 5
O mais interessante, com ensaios e conversas
Destaques:
Trechos de LOVE e LOOK AT ME com baixo e bateria
Hilária introdução de GOD
Tocante comentário de John a respeito de MY MUMMY'S DEAD
John dando instruções para a galera em GIVE PEACE A CHANCE fazendo dueto e respondendo a si mesmo no overdub
INSTANT KARMA - o ensaio mais arrepiante, com a participação de George Harrison na guitarra, que acabou sendo excluída na versão oficial.
DISC 6
demos caseiras e de estúdio
Destaques:
LOVE - harmonia diferente na parte B, demo caseira, com tremolo
WELL WELL WELL - demo caseira acústica, sem a gritaria
INSTANT KARMA - com a guitarra de Harrison e Alan White definindo as rodadas de bateria
DISC 7
jams, covers, demos, a maioria feita de forma bem avacalhada
AIN'T THAT A SHAME - no final John brinca falando "Cookie!", imitando um "monstro" do seriado infantil Vila Sésamo (na versão oficial do disco ele fala isso no solo de Hold On, mas só agora fui descobrir esse detalhe que eu nunca entendia rsrs parece que ele assistia bastante pois fala isso em outras demos desse disco)
LOST JOHN canção de Lonnie Donegan, que popularizou o skiffle na Inglaterra em meados da década de 50, levando milhares de garotos a comprarem violões, entre eles os jovens Beatles. John fica repetindo a primeira estrofe e o refrão, parece que esquentando a voz para gravar.
I DON'T WANT TO BE A SOLDIER MAMA, I DON'T WANNA DIE música sairia no disco seguinte, Imagine
DISC 8
mixagens cruas de out-takes
Destaque:
MOTHER - com violão em vez de piano, parece ter sido a mais gravada para o disco, esse é o take 91!
Criei uma playlist no Spotify chamada "POBTUC Destaques" (do disco 2 ao 8 ) caso alguém queira conferir, uma boa introdução de 1:30h para quem não quiser encarar as 7:30h de material rsrs 
 
 
 
Quem não for assim tão beatlemaniaco vá direto ao disco 1 e procure saber o que está sendo cantado nesse disco histórico, filosófico e minimalista.
Último comentário: podiam ter dividido o disco 7 em 2, aí seriam 9 discos ao todo - Lennon aprovaria com entusiasmo rsrs
I just gotta tell you goodbye!


3 comentários:

  1. uma honra ser postado aqui nesse blog de alto nível!

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    1. Valeu demais, meu caro! Contribuição valiosa. Que venham outras!

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  2. Guilherme Lentz (transcrito do facebook)
    Já encomendei meu exemplar.
    Estou guardando para ouvir com detalhes quando estiver com ele na mão, mas, com o que já ouvi, fiquei impressionado. O disco com as jams é um espetáculo. Os demais têm momentos incríveis, como uma "Instant karma" de chorar. As mixagens alternativas, as element mixes, em geral não são o que mais me atrai, mas nesse box há algumas bem reveladoras, que acrescentam à apreciação das obras.
    A remixagem do álbum original eu acho dispensável. Ela me incomoda por vários motivos éticos e estéticos. Mas, enfim; não deixa de ser um pretexto para ouvirmos mais umas vezes essa maravilha de álbum.
    Estou curioso para ouvir as mixagens em 5.1.

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