Espaço que visa divulgar e disponibilizar trabalhos de criação e crítica referentes à MPB e música popular, não apenas para promover o intercâmbio de gostos e opiniões, mas fundamentalmente catapultar o debate sobre o tema.
Cerejas
Silêncio
A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...] Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida." Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.
Acaba de sair o disco de inéditas do grande mestre Aldir Blanc, lamentavelmente tirado do palco da vida pelo pandemônio da Covid-19. A obra póstuma reúne parceiros e intérpretes consagrados - João Bosco, Sueli Costa, Guinga, Leila Pinheiro, Moacyr Luz,Joyce Moreno, entre outros - e algumas colaborações recentes e até surpreendentes, como a do ator Alexandre Nero, que preparava um espetáculo teatral baseado em canções de Aldir, e com a mão de Antonio Saraiva, musicou um apanhado de ideias trocadas com o letrista. Do volumoso baú do compositor saíram canções inéditas que abarcam sua longa trajetória, dos anos 1970 à atualidade, reunindo desde material já acabado ao que se pode chamar de parcerias póstumas, retrabalhadas pelos diversos parceiros, arregimentados a partir da iniciativa de sua companheira Mary. Os arranjos são de Cristovão Bastos (também parceiro) e Jorge Helder. A arte da capa, feita pelo fenomenal Elifas Andreato, tem design simples que remete às antigas artes da gravadora Elenco nos anos 1960s, mas consegue sobretudo sintetizar o estilo cortante tão caracteristico dos versos de Aldir. Sua verve aguda e lirismo particular afiadíssimos estão mais que evidentes ao longo do disco, completados com a transbordante afinidade e amizade dele com a do leque de artistas que se somaram na proposta. Aldir inédito, para nos lembrar sempre que é preciso ventar contra a falta de ar.
Todas as faixas, abaixo, e logo em seguida a playlist completa:
1. "Agora eu sou diretoria" (João Bosco e Aldir Blanc) – João Bosco
2. "Palácio de lágrimas" (Moacyr Luz e Aldir Blanc) – Maria Bethânia
3. "Baião da muda" (Moyseis Marques, Nei Lopes e Aldir Blanc) – Moyseis Marques