Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

24 de setembro de 2021

Aldir inédito: ventar contra a falta de ar

Acaba de sair o disco de inéditas do grande mestre Aldir Blanc, lamentavelmente tirado do palco da vida pelo pandemônio da Covid-19. A obra póstuma reúne parceiros e intérpretes consagrados  - João Bosco, Sueli Costa, Guinga, Leila Pinheiro, Moacyr Luz,Joyce Moreno, entre outros - e algumas colaborações recentes e até surpreendentes, como a do ator Alexandre Nero, que preparava um espetáculo teatral baseado em canções de Aldir, e com a mão de Antonio Saraiva, musicou um apanhado de ideias trocadas com o letrista. Do volumoso baú do compositor saíram canções inéditas que abarcam sua longa trajetória, dos anos 1970 à atualidade, reunindo desde material já acabado ao que se pode chamar de parcerias póstumas, retrabalhadas pelos diversos parceiros, arregimentados a partir da iniciativa de sua companheira Mary. Os arranjos são de Cristovão Bastos (também parceiro) e Jorge Helder. A arte da capa, feita pelo fenomenal Elifas Andreato, tem design simples que remete às antigas artes da gravadora Elenco nos anos 1960s, mas consegue sobretudo sintetizar o estilo cortante tão caracteristico dos versos de Aldir. Sua verve aguda e lirismo particular afiadíssimos estão mais que evidentes ao longo do disco, completados com a transbordante afinidade e amizade dele com a do leque de artistas que se somaram na proposta. Aldir inédito, para nos lembrar sempre que é preciso ventar contra a falta de ar.  

Todas as faixas, abaixo, e logo em seguida a playlist completa:

1. "Agora eu sou diretoria" (João Bosco e Aldir Blanc) – João Bosco
2. "Palácio de lágrimas" (Moacyr Luz e Aldir Blanc) – Maria Bethânia
3. "Baião da muda" (Moyseis Marques, Nei Lopes e Aldir Blanc) – Moyseis Marques
4. "Voo cego" (Leandro Braga e Aldir Blanc) – Chico Buarque
5. "Navio negreiro" (Guinga e Aldir Blanc) – Leila Pinheiro e Guinga
6. "Provavelmente em Búzios" (Cristóvão Bastos e Aldir Blanc) – Dori Caymmi
7. "Acalento" (João Bosco, Moacyr Luz e Aldir Blanc) – Ana de Hollanda
8. "Aqui, daqui" (Joyce Moreno e Aldir Blanc) – Joyce Moreno
9. "Mulher lunar" (Luiz Carlos da Vila, Moacyr Luz e Aldir Blanc) – Moacyr Luz
10. "Outro último desejo" (Clarisse Grova e Aldir Blanc) – Clarisse Grova
11. "Ator de pantomima" (Sueli Costa e Aldir Blanc) – Sueli Costa
12. "Virulência" (Alexandre Nero, Antônio Saraiva e Aldir Blanc) – Alexandre Nero













4 comentários:

  1. Blanc nunca passa em branco, sempre deixa marcas audíveis

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  2. Saudade de Aldir como gênio da composição, mas sobretudo como aquele tipo de pessoa essencial pra vida, para uma profunda compreensão do Brasil, nas conversas de bar, para o amadurecimento da força política...

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