As premiações certamente merecem um capítulo à parte na história da música popular e da indústria fonográfica. Sob a guarida de alguma entidade do setor, apresentadas ao grande público com pompa e circunstância, supostamente elas são capazes de conciliar apreciação qualitativa dos “produtos” e seu êxito comercial. Diversos mecanismos e regulamentos que organizam tais contendas lançam mão de retóricas e práticas para atingir tal efeito, como mesclar indicações feitas por críticos e público, ter laureados escolhidos por um comitê de notáveis lado a lado com os votados democraticamente pelos meios tecnológicos disponíveis, criar categorias “técnicas” ao lado das pretensamente “estéticas”. No contexto do entretenimento globalizado, o Grammy fulgura como o mais chamativo destes prêmios, distribuídos do âmago do negócio da fonografia, os EUA, apesar de ironicamente trazer no nome uma referência ao engenho do alemão Berliner, e não do seu conterrâneo Thomas Edson. Mas isso mesmo é indício de sua pretensão planetária, obviamente criticável.
É lamentável que a contenda seja reencenada de forma tosca nas redes sociais por obtusos fanáticos pela cantora pop Anitta, que sem hesitação saíram a lançar impropérios contra Samara Joy, a vencedora da categoria de melhor artista revelação em que ambas concorriam [aqui]. Claro que esses “fãs” (de repente fanatizados fica mais preciso) assimilam a lógica da disputa por meio de seu próprio “filtro”, ou seja, o de uma ordem autoritária, impositiva, que não admite contrariedade ou diferença de perspectiva. Vale lembrar que Anitta adorava posar de “democrata” e “politizadora” ano passado, mas quando a conversa chega no mercado é melhor esquecer da política... Essa ótica muito menos admite qualquer apreciação de ordem estética que vá além de afetos primários e impulsos cordiais, expressando um tipo torto de patriotismo vulgar que considera o ápice do reconhecimento de valor uma performer ser laureada por tudo que faz para soar ajustada a uma visão redutora que explora o traço nacional como exótico e sensual dentro do arcabouço do som pasteurizado regurgitado das entranhas de sua usina de sucessos de goma de mascar. Muito melhor que isso – decididamente - com muito mais brasilidade, ginga, charme, etc., fez Carmen Miranda décadas e décadas atrás, por mais que ela também tenha sido em alguma medida enquadrada nas balizas do estrelato hollywoodiano que usavam estas mesmas lentes.
Igualmente notável que essa carrada de pessoas não dê a menor notícia do prêmio concedido ao conjunto vocal Boca Livre em parceria com o cantor panamenho Rubén Blades, ainda que no segundo escalão da premiação. Nem vou desfiar mais o rosário de críticas sobre dar importância a Grammy, subdivisão "latino", com a devida adesão ao viralatismo a céu aberto da imprensa brasileira. O prêmio em si importa pouco, importante mesmo é aproveitar o ensejo para celebrar e difundir a obra refinada do Boca Livre e torcer para que a divulgação a leve a novos ouvidos. E claro, uma nota trista pela ruptura de relações entre os membros do grupo, mais um saldo negativo desses tempos de escalada reacionária. Deixo abaixo algumas das minhas preferidas do grupo, e também o link para apreciarem o trabalho vencedor.
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