Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.
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3 de julho de 2013

Belo Horror


Flávio Venturini, Hely, Ronaldo Bastos, Vermelho, Toninho Horta, Beto Guedes e José Eduardo. Grupo que gravou o disco A Página do Relâmpago Elétrico de Beto Guedes. Rio de Janeiro, RJ – 1977.

Em meio a muitas tarefas hercúleas de final de semestre, uma brechinha para publicar alguma coisa aqui no blog. Acabei de ler uma postagem no blog do Vermelho, do 14 Bis, falando de Belo Horror [aqui pra conferir o texto completo]. Uma canção impressionante, de arranjo progressivo inspiradíssimo e fincada nos tempos brutos em que veio à luz. Na letra, um jogo espertíssimo que tira proveito dos nomes sugestivos das cidades Belo Horizonte e Montes Claros, paradas obrigatórias na cartografia material e simbólica do Clube da Esquina. Entre muitas coisas interessantes registradas pelo Vermelho está o relato sobre o início da composição :
Começou com uma sequencia quase clássica que eu tocava direto no órgão e o Beto improvisava belas melodias ao bandolim. Tocávamos horas... A maioria das improvisações se perdeu, mesmo as que gravei em k-7... (na época, nem pensar em gravadores digitais...). A gente tava ouvindo muito Genesis e Pink Floyd e isto nos influenciou, mas a sequencia classico-barroca é influencia disso e criação original minha, igual as belas melodias do Beto, tão típicas dele. Depois fizemos um parte mais pesada e o Flavio - que tava doido pra participar da musica que tocávamos dia inteiro na casa dele! - fez a melodia que começa este tema bem progressivo.
Outro ponto de interesse é a parte sobre a gravação, bastante reveladora da lógica de funcionamento da indústria fonográfica. Vejam que gosto e mercado podem protagonizar processos conflituosos bem inusitados. Mesmo num momento em que músicos como esses possuíam uma certa liberdade dentro da indústria do disco, precisavam "negociar" sua criação dentro certos padrões estabelecidos, que poderiam eventualmente ser os de uma música popular sofisticada:
Só que quando chegamos pra gravar no Rio, o resto do pessoal, que era mais chegado em bossa nova, mpb etc - nada contra - chiou quando viu uma musica daquela, ainda mais que era enorme....... Encheram o saco do Beto que tivemos que diminuir o tempo da musica, acelerar uns trechos - e grande parte das belas melodias de bandolim com órgão não foram pro disco. Mesmo assim, ficou ótima, tem um piano mto bem bolado pelo Lô Borges, e o vocal ficou bom.



Belo Horror (B.Guedes, F.Venturini, Vermelho, M.Borges)


Belo horizonte
Monte claro: meu segredo
Marcado pelo som que vem do mato.
Mato horizontes,
Fundo claros contra o medo
E nada tenho a ver.
Quero a palavra errada,
Quero a hora certa de entortar.
Meu amor, Montes Claros
Belo horror, horizonte
Céu sem dono
Mal começa a clarear...

15 de julho de 2012

A faixa de pedestres mais famosa do mundo!

Um dos temas que abordo constantemente em minhas pesquisas é a relação da música popular com os lugares da cidade. Muitos locais prosaicos, tornaram-se, depois de serem abordados em uma canção ou retratados numa capa de disco, espaços recobertos de significados diferentes dos que a princípio guardavam. É o caso da faixa de pedestres mais famosa do mundo, em Abbey Road, Londres, local em que os Beatles posaram para a capa do álbum homônimo (falei dela em postagem anterior). O endereço dos estúdios em que os Beatles gravaram a maior parte de sua obra também foi citado na canção abaixo, do álbum de estréia da banda 14Bis:


Perdido em Abbey Road (Vermelho/Flávio Venturini)

Esses lugares também são cada vez mais apropriados em um viés mercadológico, como roteiro turístico e como "produto cultural". Reconhecer esse processo não implica dizer que se apagam outras formas de apropriação, mas que este deve ser considerado como compenente que constitui as relações, eventualmente conflituosas, que dão forma ao espaço urbano.  Os estúdios Abbey Road posicionaram uma webcam que permite visualizar "ao vivo" a faixa e as práticas de pedestres e motoristas em seu entorno [abbey road crossing webcam]. Que objeto privilegiado para observação!