Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.
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24 de maio de 2015

As 30 mais geniais do Clube da Esquina - 2: Via Láctea

Vamos prosseguir com VIA LÁCTEA, de Lô Borges e Ronaldo Bastos, música do álbum homônimo de 1979. Bela canção em 6/8, levada bastante frequente em músicas de Lô e Beto, sobretudo ( Rio Doce, já citada aqui, é bem próxima disso, mas talvez seja mais exato caracterizá-la como 12/8). A melodia de Lô faz uma ponte entre as tendências McCartneyanas e Jobinianas de uma forma magistral, fazendo a harmonia parecer mais simples do que é na verdade. 

Naturalidade e sofisticação são duas coisas que pouquíssimos compositores podem atingir, e é o caso de Lô nessa canção. A letra, mais uma vez de Ronaldo Bastos, é uma variante da temática 'viagem' , desta feita com metáforas cósmicas, e ícones como carrossel, pão e mel, picadeiros, primaveras ... bastante concretista essa letra, a la Caetano, mas com a marca indelével do ethos do Clube: o sonho.



VIA LÁCTEA (Lô Borges e Ronaldo Bastos)

Vendaval, carrossel
Segue a vida a rolar
Pé na estrada, pó de estrelas
Coração vulgar
Que navega no céu
E navega no ar
Grão de areia vagar

Caravela, pão e mel
Segue o circo a rolar
Picadeiros, primaveras
Coração vulgar

Que navega no céu
E navega no ar
Grão de areia viver
Na espuma do mar

E o grão de tão pequeno
Ser tão grande
O que a gente é
Ter esse destino
De pessoa que sonhou...

Que navega no céu
Que navega no ar
Grão de areia bailar
Lá no fundo do azul

E anda que nem bola
Como a vida
Quando quer brotar
Rola como anda
Que nem fonte de calor...

Barricadas, cordilheiras
Coração vulgar

Que navega no céu
E navega no ar
Grão de areia vagar
Na espuma do mar

Aventuras, cicatrizes
Segue o mundo a rolar
Diamantes do universo
Coração vulgar

Que navega no céu
E navega no ar
Grão de areia vagar
Na espuma do mar

As 30 mais geniais do Clube da Esquina -1: Rio Doce

Começo então por RIO DOCE, de Beto Guedes, Tavinho Moura e Ronaldo Bastos. Gravada primeiramente como instrumental, e só com a parte A, no disco Sol de Primavera, ela foi desenvolvida com uma sensacional parte B, de Tavinho, contrastante sinuosa e de modulações inesperadas, mas com o mesmo desembocar solar que é tão característica das composições de Beto. Participação vocal da Joyce!



RIO DOCE (Beto Guedes, Tavinho Moura & Ronaldo Bastos) 

Vai a me levar como se fosse
Indo pro mar num riacho doce
Onde ser é ternamente passar

São vidas pequenas das calçadas
Onde existir parece que é nada
Mas viver é mansamente brotar

Muito prazer de conhecer
Muito prazer de nessa rua ser seu par
Ao partilhar do teu calor
Você liberta a primeira centelha
Que faz a vida iluminar

A correnteza me levou
Me apaixonei em todo cais que fui parar
Cada remanso um grande amor
Por esses breves eternos momentos
Que tive o dom de navegar

São vidas dos belos horizontes
Gente das mais preciosas fontes
Onde ser é ternamente brotar
Vai cantando as voltas do moinho
Onde a beleza teceu seu ninho
Mas viver é mansamente passar