A digitalização e disponibilização de acervos na internet é algo fabuloso. Com certeza já traz um imenso impacto para a forma como se pesquisa a história, incluindo aí a da música popular brasileira. Essa melhoria de acesso, também, não é um fim em si mesmo, pois é preciso continuar a preparar o profissional capaz de investigar e conferir sentido a todo esse material, e isto inclui a capacidade de concatenar o que está em suporte digital com as fontes tradicionais e ser capaz de pensar sobre as evidências, e não apenas ajuntá-las.
Enquanto escrevia minha dissertação de mestrado sobre o Clube da Esquina, deparei-me com várias fontes e assuntos que poderiam ter sido convertidos, caso o tempo e a vida permitessem, em artigos e trabalhos paralelos. O pesquisador precisa saber bem seus limites para não perder o fio da meada de seu projeto e embrenhar-se numa densa selva de documentos.
A partir de alguns trechos do texto de apresentação (para ler e ver o vídeo) , muito pontuado pela fala de Hermínio Bello de Carvalho, que foi seu coordenador, segue uma sintese do que foi Pixinguinha, 'um projeto carinhoso':
O ano era o de 1977. Sob o comando do general Ernesto Geisel, o Brasil começava a caminhar para a “distensão lenta, gradual e segura” do regime militar instalado em 1964. A imprensa testava os limites da censura, arriscando matérias críticas ao governo, enquanto familiares de presos políticos formavam o Comitê Brasileiro pela Anistia.(...) Neste mesmo ano, na noite de 5 de agosto, Nana Caymmi e Ivan Lins apresentaram no palco do Teatro Dulcina o primeiro show de uma iniciativa que iria marcar o Brasil e tornar-se exemplo de política cultural: o Projeto Pixinguinha. Um projeto que consolidou uma nova atitude do governo, de valorização e incentivo, em relação à música popular. Um programa tão importante que, por mais de 30 anos, levou a música brasileira a todo o país, formando plateias e oferecendo aos artistas a chance de excursionar por regiões longínquas, apresentando sua obra a um novo público. A decisão do governo militar de apoiar um programa de circulação da música popular fez parte de uma tentativa do regime de se reaproximar da classe média e dos formadores de opinião. “Havia interesse do governo em tentar fazer uma espécie de cooptação branca da classe artística para a tal distensão que se esboçava”, analisa o compositor Hermínio Bello de Carvalho, um dos criadores do Pixinguinha. (...) Coube a Ney Braga, Ministro da Educação e Cultura entre 1974 e 1978, a tarefa de buscar a aproximação com os artistas. “Preocupado com a aparente decadência da MPB e interessado em detectar as causas dessa crise”, Braga determinou que o Departamento de Assuntos Culturais (DAC) iniciasse um processo de consulta da classe artística para definição de políticas para a área. Entre outros problemas, o DAC apontou que 70% do mercado fonográfico era dominado pela música estrangeira e que artistas brasileiros tinham dificuldade de fazer cumprir a lei que determinava a execução de obras nacionais no rádio e na televisão. (...) O projeto de divulgação da música brasileira foi a primeira grande iniciativa da Funarte. A proposta foi sugestão de um grupo de artistas, que acabara de criar uma sociedade para receber seus direitos autorais e mobilizar a classe contra a censura. Os músicos haviam sido expulsos de sua sociedade arrecadadora, a SICAM. “Pediram uma prestação formal de contas – e aí foram colocados no olho da rua. A partir dessa indignação geral, nasceu a Sombras – ideia que sempre credito a Macalé e a Sergio Ricardo. Tenho a honra de dizer que ela foi formalizada em minha casa”, lembra Hermínio Bello de Carvalho, vice-presidente da diretoria encabeçada por Tom Jobim. (...) Aprovado, o projeto foi batizado com o nome de um mestre idolatrado por todos. “Pixinguinha era o nosso Deus. Se há um nome que sempre é lembrado como matriz da nossa música, é dele que recordamos”, justifica Hermínio.(...)