Há muitos, muitos anos atrás, sugeri a uma colega de trabalho, em tom de brincadeira, que escrevesse um livro intitulado "Descascando o abacaxi". Era uma paródia ao sucesso editorial do momento em literatura empresarial, um tal de "quem comeu o meu queijo?" ou algo assim. Ironias do destino aqui estou lançando mão justamente desse título instigado pelo comentário ao texto "O abacaxi da cultura" (Hermano Vianna) feito pelo cantautor Pablo Castro, meu parceiro de longa data e contribuidor desse blog com a bem-sucedida série da Lista das 30 mais geniais do Clube da Esquina. Eis o comentário dele:
Bons tempos aqueles em que os pensadores sobre a Música Brasileira eram músicos, não intelectuais pós-modernos pedantes com máximas como essa : "O tamborzão do funk salvou a música brasileira na virada do século 20 para o 21. É vanguarda mesmo, concretismo eletrônico afro-brasileiro. Mas para quem acha que hip hop não é música, ou que Stockhausen não é música, o que estou falando é delírio. Um consolo é saber que a produção da gravadora Motown um dia foi considerada por todos os críticos como lixo comercial sem futuro." Hermano Vianna
Seguiu-se uma discussão pra lá de instigante em seu mural do facebook, com comentários que versaram sobre a natureza dos escritos acadêmicos sobre música, a abordagem antropológica, o relativismo cultural, a tensão entre tradição e inovação na música popular, o elitismo e saudosismo na crítica cultural, questões ligadas à estética, política, interesse econômico, mercado, arte, enfim, uma miríade de assuntos pertinentes e interessantes colocados em debate franco e extremamente proveitoso. A seguir vou reproduzir o que escrevi lá, salientando que o que procurei foi debater as ideias contidas no texto do Vianna, no sentido de descascar o abacaxi mesmo:
É uma discussão difícil de fazer quando não queremos retornar ou resvalar no elitismo. Nesse sentido há que se reconhecer que o Hermano contribuiu no início do seu trajeto acadêmico, seja com O mundo funk carioca ou O mistério do samba. Mas a crítica do Pablo sobre o relativismo conveniente procede, esse é um mal do discurso pós-modernista, se queremos pensar para transformar, e não apenas identificar ou conhecer. E aí me parece que começa um certo ensaismo de provocação (mas também de celebração) que justamente apela para a citação, para a referência como "índice" de um pensamento acadêmico, consistente, mas que esquece dos procedimentos que deveriam pautá-lo, como a crítica, a coerência e a densidade, substituídos por observações apressadas, chavões ou tiradas "espertas". Em certos momentos o texto fala em "aplicar critérios diferentes" para julgar, em outros lança mão de conceitos totalmente estranhos à linguagem que quer legitimar, quando diz que funk é "vanguarda" e "concretismo", e que "salvou" a música brasileira. Ué, aí pode sustentar esse juízo de valor, apoiado em conceitos da arte "de elite"? Solta um Stockhausen e um trecho de Antígona. Mas levar mais a sério o que falou o Zeca Pagodinho, aí não né... É muito cômodo um cara que tem acesso, que recebeu uma educação superior de primeira, relativizar tudo, enquanto essa massa emergente também poderia se beneficiar muito do contato com outras expressões que não são de seu universo próximo digamos assim, e que não precisam ser impostas, mas sim oferecidas. Sim, o fã "inculto" não compara Ai, se eu te pego com Jobim, até porque provavelmente ouviu Jobim no máximo na trilha de novela, e não tem a oportunidade efetiva de conhecer sua obra. E sim, isso o empobrece como ser humano, claro. Penso sempre que uma posição que preconiza a democratização e o diálogo cultural precisa ir além do mero reconhecimento, do identificado, e propor que as pessoas possam entrar em contato com o que é diferente delas, o que pode transformá-las.
Depois disso o debate continua seguindo adiante, e depois talvez seja possível fazer uma "súmula" das discussões, mas por agora tá legal pra começar a conversa por aqui.
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