Absolutamente fascinante a leitura de El jazz en acción (edição em espanhol de "Do you know...? The jazz repertoire in action" 2009, + infos. da editora aqui) do renomado Howard S. Becker (piano) e do também bem credenciado Robert R. Faulkner (trumpete), ambos acadêmicos e jazzistas com décadas de atuação nos palcos da vida. Nada melhor para reativar a coluna "Na estante" em edição especial, imaginando uma série de postagens com trechos do livro, comentários, e, obviamente, muito jazz.
O texto flui como um disco de vinil cujos sulcos são profundos e deixam passar suavemente o cristal da agulha sem que a rotação tenha qualquer alteração, e dessa forma o tempo passa num outro ritmo enquanto o leitor se deixa ficar envolto na atmosfera dos clubes noturnos, no embalo das ondas do rádio, nas paisagens sonoras pintadas com habilidade de dois conhecedores do ofício, que combinam suas próprias experiências com as que recolheram através de entrevistas com 50 músicos. De quebra, seguramente uma fonte para enriquecer o repertório dos leitores, dada a quantidade espantosa de referências que surge com imensa naturalidade. É como se estivéssemos sentados com os autores em uma mesa de bar, ou então como se acompanhássemos, de camarote, intermináveis jam sessions e virtuosos improvisos. O grande defeito desse livro é não ter sido publicado 10 anos antes, quando teria me influenciado decisivamente na escrita da dissertação (risos). De fato eu conhecia o Art Worlds do Becker, mas aqui encontrei concatenadas e expressas de uma forma brilhante várias percepções que me ocorreram sobre como os músicos populares fazem música mas que não tive como expressar para além de algumas mal traçadas linhas. Esse livro, que espero seja em algum momento publicado no Brasil, já nasceu indispensável para quem se interessa por música popular, e, evidentemente, jazz. Mas, igualmente, para cientistas sociais, historiadores, ensaistas e críticos que terão aqui a possibilidade de ser atingidos em cheio por seus inúmeros "insights" metodológicos. É por essas virtudes todas que o livro será debatido em seções quinzenais do Centro de Convergência de Novas Mídias, grupo de pesquisa da UFMG do qual faço parte.
Uma passagem que particularmente me interessa, no contexto em que discute as diferentes formas de apreensão do repertório por parte dos músicos, diz assim:
A música gravada, bem como a música impressa, permite conservar os temas e recuperá-los. Enquanto o objeto físico (partitura ou gravação) segue existindo, um músico empreendedor poderia encontrar o tema, aprendê-lo, tocá-lo e ensiná-lo a outros. Assim conservada, sempre pode entrar no repertório vivo dos outros.
A tradição portanto adquire sentido na medida em que é apropriada, usada, e obviamente, modificada por novas performances, novos arranjos, novas interpretações. A cultura faz das coisas sempre outras coisas, e o que está conservado ao circular ganha sentido e se transforma, necessariamente deixando um estado "estático", "morto", para ser posto em movimento. Me ocorreu imediatamente a forma como nos aproximamos de repertórios e artistas a partir da forma como estão reapropriados numa obra que já é nossa conhecida. Teria aqui exemplos mil. Mas parei os olhos na menção que Becker faz à canção "Memphis in June" de Hoagy Carmichael, cantautor que conheci primeiro graças à primorosa versão de George Harrison para a sua Baltimore Oriel, com letra preciosa de Paul Francis Webster.
Memphis in June
Baltimore Oriel, interpretada por Barbara Lea
Baltimore Oriel, com George Harrison
Grata pela dica, Luiz. Vou atrás do livro. Abs!
ResponderExcluirDisponha Laura, e volte sempre!
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