Já escrevi aqui em alguma das postagem em que narro um pouco dos prazeres e penares da pesquisa sobre música popular o papel fundamental desempenhado pelos sebos na vida do pesquisador. Depois que fiquei órfão do meu sebo preferido, o ótimo Páginas Antigas, não consegui encontrar outro para frequentar regularmente. Hoje acabei passando por um que vive mudando de cara, no andar de cima do prédio em que funciona a Livraria Ouvidor da Savassi. No meio de outras atividades, cuidando de pesquisas em andamento, foi apenas um pulo e não dá pra avaliar tão bem assim. Não tinha tanto coisa que empolgasse à primeira vista, mas acabei comprando Chico Buarque: análise poético-musical (bem mais poético que musical), de Gilberto de Carvalho, editado pela Codecri em 1982 [uma breve resenha, aqui], e Carmen Miranda foi a Washington, de Ana Rita Mendonça, publicado pela Record em 1999 [para sapear, aqui; sinopse da editora, aqui]. Dois livros que poderiam muito bem ter aparecido na bibliografia da Tese, mas enfim, sempre fica alguma coisa de fora, é inevitável. O livro do Gilberto, como então era usual, é um livro basicamente de análise de letras, com alguns comentários esporádicos sobre música. Tem os seus achados, claro. E referências e citações de trechos de entrevistas, sempre úteis. Na orelha escrita por Luiz Otávio Barreto Leite, me chamou a atenção o trecho que atribui aos então últimos LPs de Chico (Vida e Almanaque) "(...) a hibridização de ritmos e procedimentos lítero-musicais de diferente proveniência social e geográfico-cultural (o chorinho, o fado, o rock, o mambo, etc.) (...)".Interessante detectar essa percepção sobre a obra dele naquele momento. O livro sobre Carmen, fruto de uma dissertação de mestrado (orientada por Heloísa Buarque de Hollanda), à primeira vista aparenta ser uma pesquisa bem feita, em termos documentais. Parece ser um mapa da querela em torno da americanização ou não da cantora, assunto que me interessa e foi abordado por mim no 2° capítulo da Tese, que acabou ficando mais conceitual do que o recomendável. Esse pulo parece que vai dar samba depois.
Espaço que visa divulgar e disponibilizar trabalhos de criação e crítica referentes à MPB e música popular, não apenas para promover o intercâmbio de gostos e opiniões, mas fundamentalmente catapultar o debate sobre o tema.
Cerejas
Silêncio
A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.
A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.
24 de abril de 2013
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