Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

24 de abril de 2013

Um pulo no sebo

Já escrevi aqui em alguma das postagem em que narro um pouco dos prazeres e penares da pesquisa sobre música popular o papel fundamental desempenhado pelos sebos na vida do pesquisador. Depois que fiquei órfão do meu sebo preferido, o ótimo Páginas Antigas, não consegui encontrar outro para frequentar regularmente. Hoje acabei passando por um que vive mudando de cara, no andar de cima do prédio em que funciona a Livraria Ouvidor da Savassi. No meio de outras atividades, cuidando de pesquisas em andamento, foi apenas um pulo e não dá pra avaliar tão bem assim. Não tinha tanto coisa que empolgasse à primeira vista, mas acabei comprando Chico Buarque: análise poético-musical (bem mais poético que musical), de Gilberto de Carvalho, editado pela Codecri em 1982 [uma breve resenha, aqui], e Carmen Miranda foi a Washington, de Ana Rita Mendonça, publicado pela Record em 1999 [para sapear, aqui; sinopse da editora, aqui]. Dois livros que poderiam muito bem ter aparecido na bibliografia da Tese, mas enfim, sempre fica alguma coisa de fora, é inevitável. O livro do Gilberto, como então era usual, é um livro basicamente de análise de letras, com alguns comentários esporádicos sobre música. Tem os seus achados, claro. E referências e citações de trechos de entrevistas, sempre úteis. Na orelha escrita por Luiz Otávio Barreto Leite, me chamou a atenção o trecho que atribui aos então últimos LPs de Chico (Vida e Almanaque) "(...) a hibridização de ritmos e procedimentos lítero-musicais de diferente proveniência social e geográfico-cultural (o chorinho, o fado, o rock, o mambo, etc.) (...)".Interessante detectar essa percepção sobre a obra dele naquele momento. O livro sobre Carmen, fruto de uma dissertação de mestrado (orientada por Heloísa Buarque de Hollanda), à primeira vista aparenta ser uma pesquisa bem feita, em termos documentais. Parece ser um mapa da querela em torno da americanização ou não da cantora, assunto que me interessa e foi  abordado por mim no 2° capítulo da Tese, que acabou ficando mais conceitual do que o recomendável. Esse pulo parece que vai dar samba depois.

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