Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

6 de novembro de 2013

Museu Clube da Esquina e lugares da cidade na Semana do Conhecimento e Cultura da UFMG 2013


Parte das atividades de pesquisa que venho desenvolvendo envolvem a orientação de bolsistas de iniciação científica. É uma satisfação apresentar a seguir uma síntese do trabalho recentemente apresentado pela bolsista Julianne Paranhos (o texto e as fotos são dela):

Durante a Semana do Conhecimento e Cultura da UFMG, que ocorreu entre os dias 21 a 25 deste mês, apresentei (Julianne Paranhos) os primeiros resultados das pesquisas desenvolvidas no Projeto Museu Clube da Esquina: do sonho à cidade, coordenado e orientado pelo Prof. Dr. Luiz Henrique de Assis Garcia. As pesquisas foram realizadas em diálogo entre Museologia, História e Antropologia Urbana, e buscaram perceber os laços simbólicos e de apropriação dos citadinos para com três dos lugares (ARANTES, 1994) demarcados com placas comemorativas pelo Museu Clube da Esquina* – o Edifício Archangelo Maletta, o Edifício Levy e a Esquina no Bairro de Santa Tereza. Muitos dos processos da pesquisa foram expostos aqui na página e aproveito para também compartilhar a conclusão parcial- pois, o projeto ainda está em andamento - apresentada no evento. Os lugares abordados na pesquisa, ao serem demarcados com as placas, transformam-se por meio de uma ação museológica extra-muros (MENESES: 2003). À esquina, locus adotado pelos músicos e letristas para a constituição da identidade da formação cultural em questão, pode ser incluído à ideia de lugar os sentidos atribuídos pelas canções do Clube da Esquina e a placa ali instalada reforça esses sentidos. Já nos Edifícios Levy e Maletta, estas  apresentam aos citadinos seus sentidos de lugar.



As placas celebram situações e ao serem percebidas pelos citadinos, colaboram para trazer à tona memórias de diferentes naturezas marcando no tempo e no espaço os sentidos construídos sobre e no lugar, sentidos estes que se fundem com os novos usos e significados que as pessoas atribuem ao espaço urbano.


“Isso é um memorial, marca um momento, de um tempo onde a galera se encontrava, onde as coisas começaram. É um símbolo, o lugar é um emblema. Santa Tereza é um bairro rico, especifico do pessoal da música e o movimento do Clube da Esquina atrai outros músicos e a música é o que lembra o ambiente, é a música que faz lembrar o fato do passado. As placas guardam a memória de uma coisa que está muito viva.” (Grifo meu) Flávio Emauel. Entrevista concedida à autora no dia 04 de junho, na esquina no Bairro de Santa Tereza.




“Mas você está no lugar errado! O Clube da Esquina é lá em Santa Tereza!” 
“A noite é cara, tem que pagar para entrar nos lugares e os shows na rua acabaram (...). Depois veio a geração do Skank que faz show na praça. Hoje o povo quebra as praças. Hoje o povo não tem cultura e quebra tudo. Antigamente o povo entrava na borracha. A ditadura foi ruim, mas não tinha mendigo, a gente tinha que trabalhar. O povo pede dinheiro para droga, não é para comida. A polícia distribuía borracha”. João Martins. Entrevista concedida à autora no dia 13 de maio, na Av. Amazonas em frente ao Edifício Levy.

“Essa placa aqui cumpre a função de representar a memória de BH. Inclusive o Carlos Drummond de Andrade, frequentava aqui, os intelectuais freqüentavam esse lugar”. Karminha Primo. Entrevista concedida à autora no dia 23 de maio, no Edifício Maletta. 

Espaço de encontro e trocas culturais entre intelectuais, músicos e artistas durante as décadas de 1960 e 1970, atualmente o Edifício Maletta ainda se conforma como um lugar de encontro de pessoas associadas e interessadas com a produção artística em geral. Assim como no caso do Edifício Levy, a placa precisa ser percebida para que o sentido de lugar atribuído, construído a partir da memória do Clube da Esquina, possa ser apreendido pelos frequentadores do lugar. 


Referências Bibliográficas:


  AGIER, Michel. “Introdução”, “Um etnólogo nas cidades”, “Os saberes urbanos da antropologia”, “Situações elementares da vida urbana”. In._:Antropologia da cidade: lugares, situações, movimentos. São Paulo, SP: Editora Terceiro Nome, 2011.

  ARANTES, Antonio Augusto. “A Guerra dos Lugares”. In._: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Nº 23. Rio de Janeiro: IPHAN, 1994.

  AUGÉ, Marc: Não-Lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade. Tradução Marília Lúcia Pereira.Campinas, SP: Papirus, 1994.

  BORGES, Márcio. Os sonhos não envelhecem: histórias do Clube da Esquina. São Paulo: Geração Editorial, 1996.

  GARCIA, Luiz H. A. “Canções Feitas na Esquina do Mundo: música popular e trocas culturais na metrópole através da obra do Clube da Esquina”. In._: Revista Brasileira de Estudos da Canção. Natal, n.2, jul./dez. 2012.

  ______________. “Patrimônio Urbano e Música Popular: narrativas plurais na cidade e no museu”. IV SIAM (Seminário de Pesquisa em Museologia dos Países de Língua Portuguesa e Espanhola) / 21 ICOFOM LAM.Petrópolis: UNIRIO/MAST, 2012, trabalho completo apresentado em Seminário. (imp.), 12p.
LEITE, Rogério Proença Leite. Contra-Usos da cidade: Lugares e espaço público na experiência urbana contemporânea. 2º Ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp; Aracajú, SE: Editora UFS, 2007.

  MAGNANI, José Guilherme Cantor. “De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana”. In._: Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 17, nº 49. Jun., 2002.

  MATTOS, Paulo César Vilara de.  “Entrevistas Márcio Borges”, “Palavra de parceiro Borges” e “Palavras de Parceiro Milton Nascimento”. In._: Palavras Musicais: letras, processo de criação, visão de mundo de 4 compositores brasileiros. Belo Horizonte: s. Ed., 2006.

  MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. “O museu de cidade e a consciência da cidade”. In._: Afonso Carlos Marques dos Santos, Carlos Kassel e Cêça Guimarães [Org.]. Museus e Cidades: Livro do Seminário Internacional. Museu Histórico Nacional: Rio de Janeiro, 2003.

  MUSEU CLUBE DA ESQUINA. Guia de Belo Horizonte: roteiro Clube da Esquina. Belo Horizonte: Associação dos Amigos do Museu Clube da Esquina, 2006.

  OLIVEIRA, Roberto Cardoso. “O trabalho do Antropólogo: olhar, ouvir e escrever”. In._: O Trabalho do Antropólogo. Brasília: Paralelo 15; São Paulo: Editora Unesp, 2000.

*O projeto recebe bolsa IC FAPEMIG e apoio da PRPq/UFMG

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