Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

20 de fevereiro de 2014

Pesquisa, patrimônio e música popular

Hoje à tarde participei da banca de defesa de doutorado de Ana Paula Silva, sobre a Discoteca Oneyda Alvarenga, na pós-graduação em Ciência da Informação ECI/UFMG. O tema de pesquisa altamente relevante, deixa a mostra a fragilidade da política brasileira de patrimônio cultural para arquivos de áudio, discotecas e afins. O fato de muitos pesquisadores recorrerem ao material da Missão de Pesquisas Folclóricas concebida por Mário de Andrade quando estava à frente do Departamento de Cultura de São Paulo no final dos anos 1930, e sistematizado por Oneyda, revela o peso do trabalho feito, mas também a falta de alternativas de igual calibre na época e mesmo posteriormente. São poucos os museus de imagem e som, discotecas públicas e instituições afins, o que dificulta a vida dos pesquisadores que muitas vezes tem que recorrer à boa vontade de colecionadores particulares ou constituir eles mesmos uma coleção para subsidiar sua investigação. Falta também política para incorporar essas coleções privadas, por doação ou compra. Por fim, diante do novo cenário posto pela produção independente e formatos digitais, com circulação na internet em vários suportes, é preciso pensar de que maneira se constituirá a memória sobre a música popular brasileira e qual será o papel do estado e das instituições dedicas à política de cultura nesse contexto. Vejo assim com bons olhos que surjam trabalhos sobre o tema e que a sociedade amplie e aprofunde o debate sobre o passado, o presente e o futuro desses espaços.

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