A formação do Clube da Esquina tem um caráter fluido, do cotidiano, da amizade e a
partir daí surgem as parcerias musicais que darão origem a diversas canções emblemáticas no
cenário musical brasileiro e mundial. A identidade do Clube é fruto dessa coletividade, dessa
convivência desinteressada. É isso que traz a inovação, confluência de ritmos, de saberes, de
culturas, para a produção do grupo.
Considera-se que as músicas do Clube revolucionaram a
MPB ao lidarem, com naturalidade, com a mistura de elementos nacionais, regionais e
internacionais em suas composições, graças a modernidade que rompeu com a barreira do
tempo-espaço e permitiu a circulação de uma grande quantidade de informação e cultura.
Grande parte dessa variedade é resultado das diversas influências sofridas por cada um desses
músicos.
Em depoimento para o museu online do Clube da Esquina, Toninho Horta diz que
“Essa é a energia que me dá pra chegar aos 55 e tocar o Clube da Esquina de uma
forma meio rock and roll, que também é uma parte da formação da gente que não dá
pra negar. No princípio, eu falava que os roqueiros eram o Lô e o Beto, porque eu
era bossa-nova, sofisticado, jazzista. Mas, no fim, todos nós absorvemos todas essas
culturas.”
Enquanto Milton trazia o jazz, a musicalidade afro, Lô Borges e Beto Guedes traziam
a irreverência dos reis do iê-iê-iê. Além da importância da Bossa Nova e da musicalidade do
interior que Bituca (apelido de Milton Nascimento) e Wagner Tiso trouxeram de Três Pontas,
houve mais inúmeras influências que passam pelo congado e vão até a música orquestrada,
passando pelos ritmos latinos.
Dessa forma, não podemos separar os membros do Clube entre
populares e eruditos, considerando-os a própria ponte entre diferentes culturas, sendo que
“num mesmo espaço, estão elementos distintos de formação letrada (institucionalmente ou
não) e de formação prioritariamente popular.” (OLIVEIRA, 2006, p.100).
Apesar disso,
buscam uma sonoridade própria, não deixando de ser “Esse depositário da cultura
popular,composto por vozes, histórias, valores, e diversos outros elementos, que foi o
que legitimou os integrantes do Clube da Esquina a compor seu projeto estético de
uma identidade coesa, que soasse mais íntegra que as opções "oficiais".” (COELHO, 2010,
p.58).
O Clube da Esquina representa um movimento de síntese da música brasileira,
tornando-se referencia para uma enorme gama de músicos que vieram posteriormente. Para
VILELA os membros do Clube da Esquina ressuscitaram o espaço da MPB quando
conseguiram incorporar diversos elementos de movimentos anteriores.
Segundo Canclini, esses cruzamentos culturais acabam provocando uma
reestruturação radical dos vínculos entre o tradicional e o moderno; o popular e o culto; o
local e o estrangeiro; e os membros do Clube querem, justamente, descobrir formas comuns
entre esses antônimos a fim de provocarem uma aproximação.
Garcia afirma que, no caso ao
qual nos referimos, “essa convivência [entre o local e o global, o tradicional e o moderno]
torna-se possível no próprio espaço da cidade, na medida em que este viabilizou o encontro da
música com trajetórias de vida e formação musical diversa.”. (GARCIA, 2012, p.54).
Com a presença da música sacra, além de elementos religiosos nas letras, e através da
presença da musicalidade afro – resultado da forte presença negra no estado, devido à
escravidão nas minas – percebemos a identidade das Minas como elemento de destaque nas
criações do Clube.
Maria Arminda do Nascimento Arruda fala sobre a formação da
mineiridade que
“no destemor, porém suave, elabora-se a personalidade básica dos mineiros, fruto da
combinação permanente da impetuosidade na temperança, da força na serenidade, da
harmonia na desorganização "O tempo mítico é abstrato e a-histórico exatamente por
confundir presente, passado e futuro. [...] O mito, ao parar o tempo, promove a
identidade abstrata dos homens e os memorialistas repousam nas imagens formadas
nas visões do passado, de onde sorvem os seus princípios identificadores.”
(ARRUDA, 1990, p.98, 211)
A mineiridade pode ser definida e discutida em inúmeros aspectos, sendo as Minas entendida
como o local da tradição, ao mesmo tempo em que o da liberdade, lugar da religiosidade, do
“come quieto”. Para COELHO, “Alguns mitos arraigados sobre Minas Gerais, entretanto,
tratam da perspectiva oposta: de uma tendência que seria inerente ao mineiro para a ‘trama’ e
a ‘conspiração’”.
Brant diz que é mais fácil revolucionar na música do que na sociedade
mineira. Sobre isso Lima defende que
“Nessa concepção, o mineiro é pensado como um rebelde, um ser individualista que
conspira em benefício próprio, o que, por sinal, entra em contradição com outro mito
do estado, onde a missão dos mineiros é “a de ficardes fiéis à filosofia mineira de
vida. E um dos postulados é o respeito ao passado, a fidelidade aos pontos
fundamentais, às linhas de força de vossa tradição" (LIMA, 1945, p.45 APUD
COELHO, 2010, p.33).”
Minas é entendido como o lugar da tradição e do progresso, ao mesmo tempo, e Belo
Horizonte é o exemplo mais claro disso. A atual capital foi construída segundo os ideais da
modernidade, porém, encontra-se os traços da cultura tradicional do antigo Curral del Rey. A
poucos quilômetros está Ouro Preto, a antiga capital, sendo símbolo de preservação, da
tradição, da identidade das Minas. Da mesma forma, a música do Clube carrega essa
dualidade de conter, ao mesmo tempo, elementos do moderno e do tradicional.
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