Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

3 de junho de 2015

Pano preto sobre as placas

A proposta do campo intitulado “Pano preto” surgiu em meio a reflexões e discussões em reuniões sobre a eficácia das placas e nossas constatações a respeito da atenção que os citadinos dão a elas. A ideia de cobrirmos as placas com um tecido preto era chamar a atenção das pessoas que passam despercebidas por elas. 

Nosso objetivo seria então analisar as diferentes reações que a intervenção causa e conseqüentemente criarmos situações com a possibilidade de diálogos mais direcionados sobre o tema referente às placas. 

Placas demarcam, registram e musealizam os cenários urbanos que fazem parte da trajetória do Clube da Esquina e trazem para debate as experiências museológicas que ampliam o campo de atuação dos museus, seja na cidade ou em meios virtuais. As transformações ocorridas na noção de museu a partir da década de 70 apontam para ideias de Museus Território e para uma relação mais intensa de proximidade entre museus e a comunidade. 

O primeiro campo, de caráter experimental, aconteceu no dia 20 de maio, uma terça-feira, no Edifício Levy. A metodologia dos outros campos foi adaptada para o “Pano Preto” com um roteiro pré-estabelecido - após a colocação do pano ficávamos em observação em torno de 40-60 minutos tomando nota das reações dos citadinos. Após o período em observação nos aproximávamos das placas na tentativa de abordar quem demonstrasse algum interesse/curiosidade e estivesse disposto a conversar – neste momento, em alguns casos, poderíamos recorrer ao material de campo (pasta com trechos de músicas+fotos e o gravador de áudio). 

O roteiro de perguntas era baseado nas impressões que os citadinos tiveram ao ver o pano cobrindo a placa; se sabiam da existência da mesma; porém com o tempo acabamos por incorporar as perguntas que norteavam os outros campos.

Uma curiosidade que constatamos neste trabalho de campo é que a placa do Edifício Levy é um tanto alta. No campo anterior (dia 15 de maio de 2014), observamos que este poderia ser um fator que dificultasse a visão das pessoas, pois a mesma se encontra muito acima da altura dos olhos, sendo assim, mais um fator que contribui para que não seja notada. (foto 1). 

É importante lembrar que enfrentamos algumas dificuldades que quase não nos permitiram concluir a atividade. No edifício Maletta a equipe se dirigiu à administração para informar-lhes sobre nossa proposta, a fim de evitar uma situação como a ocorrida no Levy em que certo dia uma moradora retirou o pano de forma brusca, pensando que teria algo haver com as manifestações da Copa do Mundo 2014. 

Naquele local houve também interferências dos zeladores do prédio, já que não conseguimos (apesar de inúmeras tentativas) contato previamente com o síndico ou outro responsável. Fizemos uma quantidade considerável destes campos, intercalando os horários e dias da semana, com intuito de abarcar a maior variedade de citadinos, tanto no centro (nos edifícios Levy e Maletta) quanto na esquina no bairro Santa Tereza. 

Consideramos que foi uma experiência interessante que contribuiu para a constatação do caráter ordinário das placas. Os passantes em geral não têm familiaridade com a placa, principalmente nos edifícios Levy e Maletta. 

É interessante observar a reação das pessoas que estão mais próximas às placas, como vizinhos, moradores dos edifícios e funcionários do comércio ao redor, que geralmente são os que percebem nossa presença em campo. É relevante refletir sobre essas observações uma vez que elas apontam para construções de sentido diversas, tanto para a esquina quanto para o bairro de Santa Tereza, considerando a noção de museu, de cultura e de história. 

É pela significação dada à esquina do Clube que podemos intuir que a valorização do patrimônio urbano via musealização pode evidenciar os significados construídos pela sociedade para os museus. 

Nesse sentido é importante tentar apreender o que os citadinos almejam ao ver uma placa em uma esquina com a inscrição “Museu Clube da Esquina”. O que esperam encontrar e o que compreendem sobre museu? Ainda em constante transformação, estas ideias gradativamente começam a ser implantadas em diferentes museus do Brasil. O significado da esquina do Clube poderá sofrer outras transformações com a implantação da sede física do Museu Clube da Esquina. Conectada a lugares específicos da cidade, poderá intensificar as relações entre a história do Clube, a cidade de Belo Horizonte e seus habitantes, contribuindo para a ampliação dos significados construídos para os museus e para as suas possibilidades de atuação no espaço urbano. 

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