Rafael Macedo trabalha com poli-harmonia quase sempre além da racionalização de cifragem. Usando as tremendas possibilidades do piano, ele amiúde soma duas tríades, uma em cada mão, o que resulta num acorde ao quadrado. Ou em dois arpeggios conjugados, como é o caso da impressionante canção Íntima, presente em seu primeiro disco. O máximo que eu posso auferir da escuta é que a música tem um sabor de Mi Frígio, um dos modos gregos mais exóticos, mas não é exatamente isso, não é exatamente música modal.
Mas o que é mais distintivo do compositor mineiro é que ele consegue articular uma visão extremamente pessoal em suas letras com procedimentos que estão talvez estão mais próximos da música de concerto do que da música popular. Com uma receita de influências tão insuspeita quanto Hermeto , Nirvana e Bartok, com ritmos brasileiros , como essa toada que se constrói e se desconstrói , a partir de aceleradas e freadas no andamento, sente-se o quão profundamente dele é a perspectiva das letras. Em Íntima, o narrador parece ter um colapso emocional em meio a outras pessoas que estão "dizendo tudo pelo bem" , só que nem todo mundo sabe do seu mundo. Nessa frase específica é perturbador como a melodia descamba numa escala de tons inteiros, num abismo colossal de (perda de) sentido. " Eu quero ganhar seja como for " talvez seja o epíteto máximo não da sua personalidade ariana, mas da sociabilidade capitalista individualista que se impõe a todos, ainda que sob a égide de um Deus que " disse não".
Mais expressivo ainda é o precipício vertiginoso da certeza de estarmos totalmente sozinhos ainda que perto dos outros, ou de uma pessoa específica : "sem você , eu , sem você eu" . A maneira diminuta, resignada como ele diz "eu" no refrão depois de afirmar que "eu quero ganhar seja como for" no início da letra é profundamente desconcertante.
Sempre fui apaixonado por essa música, uma das melhores de Macedo, e na minha opinião ele tange uma angústia no nível das coisas de Bjork mas com procedimentos mais interessantes do ponto de vista propriamente musical : enquanto a cantora islandesa se vale de sua voz meio etérea e alienígena, e de imensos recursos de produção por meio de samplers, corais gigantescos e programações eletrônicas altamente complexas, Macedo faz isso com um piano, uma sanfona e uma bateria, depois um clarone , uma clarineta , baixo e percussão mínima, um triângulo. E, claro, sua voz personalíssima, como de resto é tudo nessa imensa canção. Obra prima.
Escutem até o fim, várias vezes ! Aqui vai a letra e um video da querida Afa Lávia Mafra .
Por Pablo Castro
Íntima ( Rafael Macedo)
Eu quero ganhar , seja como for
Meu Deus disse não
E eu chorei, perdi a voz
me senti sozinho com vocês
Dizendo o tempo todo tudo pelo bem
Pois bem, nem todo mundo sabe do meu mundo
Meu Deus disse não
E eu chorei, perdi a voz
me senti sozinho com vocês
Dizendo o tempo todo tudo pelo bem
Pois bem, nem todo mundo sabe do meu mundo
Com você , eu
Com você eu
Com você , eu
Com você eu
Com você eu
Com você , eu
Com você eu
Se tudo apagar, deixa escurecer
Quando então virá
Uma luz pra te dizer
Coisas que eu não sei
Pois só você
Responde o tempo tudo pelo mundo
Mas cada segundo meu pode ser tudo
Quando então virá
Uma luz pra te dizer
Coisas que eu não sei
Pois só você
Responde o tempo tudo pelo mundo
Mas cada segundo meu pode ser tudo
Por você , eu
por você eu
Por você , eu
Por você eu
Sem você , eu
Sem você, eu ,
Sem você eu, sem você eu ...
por você eu
Por você , eu
Por você eu
Sem você , eu
Sem você, eu ,
Sem você eu, sem você eu ...
Ficha técnica :
Piano e voz : Rafael Macedo
Baixo acústico : Pedro Trigo
Bateria e percussão : Bernardo Caldeira
Clarinete : Juliana Perdigão
Acordeon : Rafael Martini
Percussão : Yuri Vellasco
Clarone : Flávio Ferreira
Flautas : Daniel Pantoja
Piano e voz : Rafael Macedo
Baixo acústico : Pedro Trigo
Bateria e percussão : Bernardo Caldeira
Clarinete : Juliana Perdigão
Acordeon : Rafael Martini
Percussão : Yuri Vellasco
Clarone : Flávio Ferreira
Flautas : Daniel Pantoja
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