No final do ano passado, numa conversa facebookiana com o amigo e colega pesquisador João Marcos Veiga, ele me contou que sonhara com Tom Jobim. Achei esse lance notável, e fiquei dando tratos à bola. Surgiu então a ideia de lançar uma série, em que eu chamaria convidados para escrever livremente em formato de ensaios curtos sobre um encontro imaginário com um músico que admira. Nasceu assim "Sonhos acordes".
Nada mais justo do que ser o próprio instigador da ideia o estreante, e como os leitores poderão constatar é uma estreia galante, totalmente digna para homenagear nosso maestro soberano.
Dia desses sonhei Tom Jobim
por João Marcos Veiga
Dia desses sonhei Tom Jobim. Antes dele, porém, me veio um cheiro de terra molhada em fim de tarde de março, com o calor logo a misturar as estações. Estava eu não sei em que espaço, num tempo suspenso e inebriante, mas igualmente premonitório de algo grandioso que me rondava, como se estivesse dentro da introdução de "O Boto". Em meio a sons e gostos que ainda não distinguia, eis que o vi ao longe, sozinho numa trilha, camisa aberta, uma mão a segurar o chapéu e a outra a apontar, com olhar atento, o remexer das folhas na copa de uma figueira. É o vento ventando, é uma ave no céu. Talvez jereba imitando o vento, expandindo suas asas soberanas. Tom sorriu. No turbilhão próprio dos sonhos, logo fui tragado pelo desfilar de cenas indistintas. Tomando assento lentamente, passei a distinguir as cores do cenário no qual eu me corporificava, pouco coerentes com a primeiro. Estava eu numa festa, à beira de uma piscina e também de um imenso rio. Pessoas dançavam alegremente, com ares de ritual indígena, ao som de um carimbó. Aromas inebriavam aquele ambiente insólito. Em estado de vertigem, atento que ao meu lado agora está Tom Jobim, confortavelmente segurando uma caipirinha de carambola. "O Brasil é uma coisa né, meu jovem", disse soltando uma jocosa gargalhada. Dando por mim em tal situação, tinha eu pressa de não perder aquela oportunidade de conversa ribeira com Antonio Carlos Jobim. "E a bossa nova, a música brasileira, onde foram parar?" Mas o maestro não parecia interessado naquele assunto. Queria saber da pimenta-de-cheiro que salpicava seu olfato, dos vestidos que cintilavam naquela dança. Mas sobretudo se divertia em identificar sabiás, rolinhas, bem-ti-vis e toda a natureza que resplandecia em nosso entorno. Eis que, me passando a caipirinha de carambola, parecia cansado, nostálgico, como se quisesse talvez descansar à sombra de uma palmeira que já não há. Where is te paradise i've made for you. Where is te greeen? And where is the blue? "O Brasil é um caso sério, meu rapaz", disse ele voltando a sorrir, apertando os lábios para melhor sentir o gosto da cachaça que sorvia. Quando já bolava eu assuntos e questões para dar prosseguimento àquele rumo de nossa prosa, eis que me encontro novamente sozinho naquela Terra Brasilis, com o sol a desmaiar ao longe. O sonho é o mistério profundo. É o queira ou não queira.
P.S. do editor
Me ocorreu que seria consequente encerrar sempre com alguma música do 'sonhado'.
Escolhi O Boto (Jobim/Jararaca)
Nenhum comentário:
Postar um comentário