Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.
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11 de fevereiro de 2014

Estudando a entrevista


Enquanto relutava em concluir a leitura do já nascido fundamental livro de Chico Amaral, A música de Milton Nascimento [ler resenha aqui], fiz algumas reflexões, entre as muitas instigadas por estas páginas tão bem escritas e alinhavadas com a habilidade e criatividade próprias de seu autor. Como uma suíte, o livro é composto de partes que se encadeiam e se complementam, mas guardam andamento e arranjo diferentes. Destas, um dos destaques é a longa entrevista feita com Milton. Uma coisa que me incomoda nas entrevistas feitas com músicos populares, que li em boa quantidade ao longo dos anos em que pesquiso o assunto, é que as perguntas e respostas tendem a se repetir, seja pela finalidade editorial daquele depoimento, seja porque o entrevistador acomodou-se e confiou nos caminhos já trilhados de quem já registrou a fala de seu entrevistado, ou porque este último já como que automatizou as respostas, tantas foram as vezes em que lhe fizeram as mesmas questões. A do livro tem como mérito maior o tempo e destreza gastos em esmiuçar o que de fato é o objeto da obra, ou seja, a música. Não é comum os músicos tratarem de forma tão detida desse assunto, e aqui isso se dá porque o entrevistador não apenas conhece a teoria, mas igualmente a prática, o que lhe instrumentaliza para conduzir bons papos, eventualmente difíceis para os que não detém um certo conhecimento específico da matéria. Além de deixar espaço para as idas e vindas, sem deixar o entrevistado refém de um roteiro muito estruturado, mas tão pouco lhe abandonando às longas derivas que o rememorar pode produzir, ela é bem pensada na forma de apresentação, trazendo aqui e ali rápidos e certeiros comentários posteriores do autor ou, o que é muito interessante, alguns trechos de outras entrevistas com os demais participantes das aventuras musicais de Milton, chamadas para esclarecer, pontuar, pormenorizar, ou talvez para lembrar ao leitor a natureza lacunar própria do lembrar. 
É uma alternativa ao formato mais clássico de entrevista longa, geralmente organizado em torno da biografia do entrevistado. Uma variação pode ser encontrada nas entrevistas conduzidas por pesquisadores usando metodologia da denominada História Oral, concebida para revelar novos ângulos a respeito do vivido partindo do trabalho de rememoração  pelo sujeito que protagonizou a experiência histórica em questão. Entrevistas assim tem o mérito de poder cobrir uma gama de assuntos de interesse e costumam ser mapeadas de modo a permitir a indexação e acesso a partes delimitadas de seu conteúdo, como nos depoimentos ao Museu Clube da Esquina produzidos pela equipe do Museu da Pessoa.
Há também entrevistas que são realizadas por vários perguntadores, posicionados  em bancadas, como no emblemático programa de tv Roda Viva {Bar Academia; , ou de modo mais informal e próximo ao entrevistado, como era o costume nas realizadas pel' O Pasquim. Outra possibilidade é a de realizar a entrevista com vários músicos, arregimentados por sua afinidade e envolvimento em projetos coletivos, como é o caso de algumas entrevistas com membros do Clube da Esquina. {Histórias da MPB, TVE-RJ; O som do vinil; Espaço aberto} Ou eventualmente os próprios músicos podem ser deixados à vontade para desenvolver uma conversa proveitosa e reveladora. É o que ocorre no documentário A sede do peixe, no cenário propício de uma mesa de bar. Um formato marcante é o do programa Ensaio, em que o músico vai interagindo com o entrevistador mas quem assiste só ouve as respostas, sentido-se instigado a deduzir as perguntas feitas da cabine do programa. Em muitos programas televisivos desse tipo há apresentações musicais intercaladas, e eventualmente os músicos permanecem com seus instrumentos ao longo da entrevista, o que pode ser interessante para que ele ilustre ou traduza sonoramente determinados pontos de sua fala {Toninho Horta violão ibérico}. 



30 de julho de 2013

Vamos abrir uma vaga na estante: A música de Milton Nascimento, por Chico Amaral



Vamos abrir uma vaga na estante para esse lançamento oportuníssimo: A música de Milton Nascimento, por Chico Amaral. Os músicos nem sempre são de se expressar por palavras, ainda mais escritas, preferindo os sons para alcançar outras formas de comunicação. Ou quando o fazem, muitas vezes é num modo sintético, como a letra de canção. Mas há um campo vasto em que grandes músicos já se aventuraram como escritores, seja no ensaio, na ficção, nas biografias, nas análises musicais propriamente ditas. Pelo talento e esmero do Chico Amaral no que faz, dá pra antecipar que este seu volume que reúne ensaios, entrevistas, análise de partituras e discografia comentada chega para figurar entre as boas investidas de músicos em plagas literárias. O lançamento será no dia 30, no Museu Histórico Abílio Barreto.

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De volta do lançamento que foi abrilhantado com a presença de boa parte da nata da música popular feita em Minas, incluindo Mr. Bituca em pessoa. Além de tudo num lugar em que sempre estou "em casa" que é o Museu Histórico Abílio Barreto. Quem também esteve por lá foi meu parceiro Pablo Castro, que já deixou sua primeira impressão que reproduzo a seguir:

"Ontem tive o prazer de comparecer ao lançamento do livro de Chico Amaral sobre a música de Milton Nascimento. Sem falar na generosidade de um músico de seu nível , exímio saxofonista, compositor e letrista consagrado, se dedicar a mergulhar na obra de um outro artista, fica claro que só alguém como ele, multifacetado, ilustrado, profundo conhecedor da música em geral, e sua história, tanto no Brasil quanto no resto do mundo, e próximo a Bituca, de quem é parceiro, seria capaz de falar profundamente sobre a MÚSICA de Milton, arrancar dele , além de vários causos, pequenas pistas sobre a abissal originalidade que , tal como conto de fadas, foi ultrapassando as barreiras , desafiando a lei das probabilidades, e se impondo como uma das obras musicais mais importantes do século XX, em todo o mundo.

Em vez de se lançar a um ímpeto analítico sistemático, ele vai tateando o território musical de Milton de várias maneiras diferentes, através de entrevistas com o próprio Bituca, e figuras geniais que ele revelou pelo caminho, como Nelson Ângelo, Wagner Tiso, Nivaldo Ornellas, Tavinho Moura , e Amilton Godoy, do Zimbo Trio, além de pequenos textos, resenhas de seus discos mais importantes, e algumas delicadas e discretas passagens sobre a vida pessoal do biografado.

Em suma, preenche-se uma lacuna importantíssima para a musicografia do Brasil, um tributo à bruta e indecifrável originalidade musical de Milton Nascimento. Não deixem de ler !"

Agrego também a ótima resenha publicada pelo colega pesquisador Rafael Senra no facebook [aqui]