Publicado meu artigo "Em meus olhos e ouvidos: música popular, deslocamento no espaço urbano e produção de sentidos em lugares dos Beatles" na revista Estudos Históricos da FGV. E o mais legal é que além da versão eletrônica, ainda tenho direito a alguns exemplares impressos. Por tudo que os Beatles representam pra mim, acho que foi um dos trabalhos mais importantes que realizei.
Resumo
Meu propósito é investigar como a música popular, através de
trocas culturais que marcam a construção de identidades atribuídas a
grupos e lugares, define vínculos e fronteiras no tecido urbano, ao
mesmo tempo em que evidencia as trajetórias traçadas pelos músicos que o
atravessam. Para tanto, optei pelo estudo formal e contextual de Strawberry Fields Forever e Penny Lane,
canções dos Beatles que produzem sentidos sobre “lugares” e que
congregaram memórias e identidades construídas em sua experiência como
citadinos no deslocamento desde seu passado em Liverpool ao presente de
então em Londres.
(clique nos links para ver os filmes promocionais oficiais das duas canções)
(clique nos links para ver os filmes promocionais oficiais das duas canções)
Um trecho do artigo
Creio
que é possível concluir que a criação dos músicos populares confere
significado a suas relações com o espaço urbano, seja o da cidade natal ou o da
capital em que então residiam. Para Lennon, vivendo entre o que considerava uma
restritiva vida suburbana e o anseio de com ela romper, o lugar da infância é
apropriado como imagem, campo de sonho transfigurado em passagem para outro
lugar, em que a realidade percebida e a validade das convenções podem ser
questionadas. McCartney, lançando mão de detalhes inventados, traça o panorama “realista”
de um lugar da cidade povoado por vários personagens que interagem na
concretude de suas ações - “o barbeiro
faz a barba de outro freguês”; “vemos
o bancário sentado esperando por um corte”; “o bombeiro entra fugindo da chuva”
– percebendo o extraordinário no corriqueiro: “muito estranho”, comentário literal e musical. No próprio lugar, a
canção “(...) re-contextualiza o mundano
e torna visíveis os detalhes subestimados da vida cotidiana” (KRUSE II,
2005). Mas a espontaneidade desse mundo suburbano é posta em dúvida quando
notamos que a bela enfermeira que vende papoulas “atrás do abrigo no meio da rotatória” sente-se “como se ela estivesse numa peça”. E “ela está, de qualquer modo”, na peça da
nostalgia idealizada de seu compositor. Circulando pela cena underground londrina, Paul refinava um
modo de re-apresentar o passado e a vida suburbana que, na sua teatralidade,
era simultaneamente cômico e belo, humor que pode bem ser tomado como
ressonância das ruas de Liverpool.
Se
constroem lugares diferentes, as duas canções lançam mão de material semelhante.
A ambigüidade característica da elaboração formal, entre o familiar e o
inovador; a mistura de gêneros musicais por apropriação irônicas sem ser depreciadoras;
o convívio entre referências sonoras ao passado e o emprego de técnicas de
gravação que lhes confere outros significados; uma proposta estética que borra
as fronteiras entre arte e pop. Ao
examinar as memórias e trajetos dos Beatles, constatamos que a experiência
urbana afeta suas criações nos cruzamentos entre o provinciano e o cosmopolita,
entre a nostalgia e a vanguarda, entre o sonho e a realidade. Ao adentrar o
jardim de morangos e caminhar pela alameda do centavo, de olhos e ouvidos
abertos, encontramos um lugar entre Liverpool e Londres, entre a tradução em
palavras e sons das recordações sobre o norte e a infância e a absorção dos
comportamentos de vanguarda em uma busca constante por descobertas musicais.