Sobre o Caetano há muito o que dizer. Caetano, por sua vez, também teve e tem muito que dizer. O autor de Boa palavra (diga-se de passagem a que Milton Nascimento mais gosta) fez dela matéria-prima de canção e pensamento como poucos. Assim pensei em reunir alguns trechos de entrevistas ou escritos do rapaz que comemora 70 verões.
Boa Palavra, de Caetano Veloso, na gravação de Elis Regina em 1966.
Debatendo os caminhos da música brasileira em 1966
“Preocupado com as coisas que Tom, Vinícius e João Gilberto formulavam, resolvi usar seus métodos na pesquisa de nossas raízes folclóricas. Daí em diante mudei pouco, pois já havia abandonado a preocupação formal da bossa-nova e queria fazer música brasileira(...). Hoje digo o que sinto, com o aperfeiçoamento musical que adquiri e com a consciência que a realidade brasileira me dá".”in: KALILI, Narciso. “A nova escola do samba”. Realidade. São Paulo: Abril, 1966,op.cit., p.119.
Lançando a ideia de linha evolutiva
“Só a retomada da linha evolutiva pode nos dar uma organicidade para selecionar e ter um julgamento de criação. Dizer que samba só se faz com frigideira, tamborim e um violão sem sétimas e nonas não resolve o problema. Paulinho da Viola me falou há alguns dias da sua necessidade de incluir contrabaixo e bateria em seus discos (...) se puder levar essa necessidade ao fato, ele terá contrabaixo e terá samba(...)” Revista Civilização Brasileira, ano 1, n° 7, mai. 1966, p.378.
Comentando os impasses dos anos 1970 no livro Alegria, alegria
“O som dos setenta certamente só será audível quando nós estivermos perto dos oitenta. Pelo menos só então será identificável. Talvez, pelo contrário, seja ouvido de pronto e fique para sempre inidentificável. O som dos setenta talvez não seja um som musical. De qualquer forma, o único medo é que esta venha a ser a década do silêncio.” (VELOSO, 1977:56)
Discutindo arte e mercado no mesmo livro
“Pra que alguém possa fazer qualquer coisa assim como ‘Jóia’ é preciso que as gravadoras tenham Odair [José] e Agnaldo [Timóteo]: o universitário que tenta me entrevistar e salvar a humanidade fica indignado diante do meu absoluto respeito profissional e interesse estético pelo trabalho de colegas meus como Odair e Agnaldo. Centenas de novos compositores e cantores e dezenas de velhos músicos não encontram lugar no mercado.” (VELOSO, 1977: 174)
Participando de mesa-redonda “A MPB se debate: uma noite com Chico Buarque, Caetano Veloso [que chega mais tarde], Edu Lobo e Aldir Blanc”, no suplemento especial de A revista do homem n°26, “dez anos depois dos festivais” (portanto, provavelmente em 1976).
“Dá a impressão que nós da música popular continuamos adotando uma posição elitista que mantém o peso semântico da palavra poesia como algo erudito, sério, importante (...) o problema da divisão entre música popular e música erudita é muito mais de áreas objetivas de ação que de algo perceptível pela criação (...) Nós, compositores da classe média, não fazemos uma arte erudita mas também não fazemos uma arte popular – ‘popular’ entendido como algo que sai do povo. O povo é tido como uma espécie de produtor puro de coisas não contaminadas por algo que não seja a sua essência. Ver o povo dentro desses moldes é uma atitude medieval.” (p.12-13)
Avaliando o passado em Verdade Tropical
“Em flagrante e intencional contraste com o procedimento da bossa nova, que consistia em criar peças redondas em que as vozes internas dos acordes alterados se movessem com natural fluência, aqui opta-se pela justaposição de acorde perfeitos maiores em relações insólitas. Isso deve muito ao modo como ouvíamos os Beatles (...) Na verdade foi uma composição de Gil, ‘Bom dia’, que sugeriu a fórmula. A lição que, desde o início, Gil quisera aprender dos Beatles era a de transformar alquimicamente lixo comercial em criação inspirada e livre, reforçando assim a autonomia dos criadores – e dos consumidores” (VELOSO, 1998: 169 – 170)
Os trechos que coloquei foram retirados da minha tese, por isso se concentram entre meados da década de 1960 e o final da década de 1970. Os leitores podem acrescentar outros nos comentários, desde já estão convidados!
ResponderExcluirO que seria lixo comercial?
ResponderExcluirAdemar, creio que o Caetano emprega a expressão para se referir ao que a indústria fonográfica produzia de mais descartável, em série, redundante, seguindo modelos repetidos à exaustão. Repare que ele contrapõe a isso um projeto estético que enfatiza a inspiração e a liberdade, com o propósito de realizar uma criação que considera (talvez com excesso) autônoma.
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