Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

11 de julho de 2016

Bolacha completa especial - A música século XX de Jocy

No final de 2015 saiu essa matéria no blog do IMS  (que vem fazendo um belo trabalho de preservação e divulgação de nossa memória musical), muito comentada entre vários amigos cantautores da cena belorizontina. Um disco inusitado, ímpar, e que escapara a ouvidos conhecedores e atentos. Eu mesmo não ouvira falar dele. E ouvir as músicas, disponíveis via soundcloud, só aumenta o espanto. Decidi fazer essa postagem apenas com o intuito reter algo daquele espanto, pois o texto de André Kangussu [completo, aqui] cumpre a incumbência de modo tão completo que no momento não consigo pensar em nada para acrescentar. Destaco alguns trechos:

"Aos 23, idade em que lançou o disco, Jocy já era uma pianista celebrada, tendo sido solista na Orquestra Sinfônica Brasileira e se apresentado na Europa e nos Estados Unidos, sempre sob a regência de seu então marido, o maestro Eleazar de Carvalho. Sua formação nada tinha a ver com música popular, e o álbum foi sua única obra nesse campo. Suas composições futuras seriam todas eruditas e de alto teor experimental.(...)

A música século XX se posiciona de modo ambíguo em relação à bossa: ora se conforma a ela, ora a toma como um estilo a ser revisto, parodiado e deformado. (...)

Ao comentar o escasso reconhecimento de sua obra, Jocy aponta o desprestígio que enfrentavam e ainda enfrentam as compositoras mulheres, em quem, diz, só se reconhece a utilidade de musa ou de intérprete. A esse propósito, ela conta em seu livro Diálogo com cartas (SESI, 2014), recente vencedor do prêmio Jabuti, que sua peça Apague meu spotlight, de 1961, "representou a primeira apresentação de música eletrônica no Brasil", mas que foi "ignorada até hoje por grande parte dos compositores 'eletroacústicos' brasileiros". Segue dizendo que é mais comum encontrar referências no exterior de sua participação entre os pioneiros de multimídia nos Estados Unidos do que nos "compêndios de música contemporânea brasileira assinados pela inteligência acadêmica masculina do país".
A década de 1960 foi decisiva em nossa música. É tentador imaginar a carreira que Jocy teria construído em diálogo com os músicos dessa geração se houvesse prosseguido com a canção popular.
Sobrou-nos, de qualquer modo, um disco. É preciso propor que ele seja reconhecido não só pelo seu diálogo com a bossa nova ou pelo seu caráter de exceção e curiosidade histórica, mas como um álbum de música popular pleno."


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