Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

17 de setembro de 2016

Outras 30 mais geniais do Clube da Esquina - 16. Viagem das Mãos

De volta nas paradas! Depois de longo e tenebroso inverno, que já ia adentrando a primavera, o blog retoma a edição da segunda leva de canções geniais do Clube da Esquina analisadas por Pablo Castro, que atualmente acumula a função de apresentador do quadro "Na curva da esquina" na programação noturna da Rádio Inconfidência, emissora pública do estado de Minas Gerais que completa 80 anos em alta [merece uma postagem isso, hein...]. Agora a expectativa é retomar o ritmo e incluir mais a linguagem dos vídeos próprios.


"Apesar de ser muito fã de Guinga, Jobim, Edu Lobo, Francis Hime e toda as vertentes super sofisticadas do pensamento harmônico subjacente à MPB, sempre nutri especial paladar por harmonias mais ingênuas, singelas, sutil e engenhosamente surpreendentes mas construídas com os materiais mais simples, acordes maiores, menores e diminutos, sem aquela profusão de dissonâncias com que estamos acostumados na MPB mais clássica.
Daí eu estar pirando na descoberta da música de Harry Nilsson, um compositor beatleniano de quem os próprios Beatles eram fãs confessos, ancorada muito nessa maneira delicada com que ele conduz surpresas nos encadeamento de acordes e na forma como ele se apóia singelamente em nonas, e sextas, em suas melodias.
Isso , sei lá porque , me lembrou de Tavinho Moura, e fui tocar uma canção dele que nunca havia tocado antes, chamada Viagem das Mãos, gravada pelo Beto Guedes (a batizada como nome do disco! - ouça aqui) , letra característica de Márcio Borges, ecoando o sol girassol com céu carrossel e tudo o mais. A harmonia de Tavinho é a própria viagem das mãos que vão oscilando de modulação em modulação até voltarem estranhamente ao lar, de onde logo se quer partir ...
A música tem tantas imagens e paisagens que torna a pobreza visual e técnica do vídeo a seguir um lapso perdoável. A cifra dessa música é uma encrenca."
Pablo Castro

Viagem das Mãos (Tavinho Moura e Márcio Borges)
 
Céu carrossel, a roda-ciranda
Enrola teu ser ao meu
Vejo passar o véu da manhã
Tão cristalina luz
Ilumina
Sol, girassol e tudo mais
Tudo por ti
Cigana, meu mal
Rodando a saia
Viagem das mãos
Sapateava meu coração

Céu, carrossel, a roda-cigana

Enrola teu ser ao meu
Tanto lugar
Viagem das mãos
E no limiar do cais
De teu corpo
Concha de mar salina
Não pode ser
Melhor nem pensar
Mas como é sentimento real
Depois talvez o tempo dirá

Céu, carrossel, a roda-cigana (etc.)

Concha de mar salina
Não pode ser
Melhor nem pensar
Mas como é sentimento real
Depois talvez o tempo dirá


Pra fechar, bela versão do disco Cruzada (2002), do Tavinho Moura, com preciosa participação da Marina Machado. 





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