Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

21 de março de 2018

Bolacha Completa - Minas (1975)

Esse disco fundamental para a história da música brasileira não poderia nunca faltar na coluna Bolacha Completa. Calhou do meu parceiro Pablo Castro escrever o texto que segue e, com o imenso poder de síntese que afinal é mister do cantautor, ainda mais no caso dos bons, como ele, resolver a charada, o enigma da esfinge como certa feita o crítico Renato Moraes denominou Milton. Segue:







"O espetacular disco Minas é o melhor de sua carreira. Vozerios ancestrais assombram o território telúrico daquele vinil. Desde os meninos cantando nanananananana até o coro meio informal que estava Conversando no Bar, depois de um Beijo Partido. A maior das maravilhas de Ponta de Areia, lembrando o que já foi. Uma cidade que é moderna e sonha seus metais traz no lombo , no seu ombro carregando a lona suja do grande circo humano. A costela que vai se quebrar, o mistério que vai se mostrar, coração partido, pena , que pena, que coisa bonita. a palavra que nunca foi dita. Caminho de ferro, velho maquinista com seu boné, mandaram arrancar. Grande é grande a tua coragem , o teu amor. O ouro da mina virou veneno, e aquela criança ali sentada. Dizia o cego ao seu filho.
O nível do adensamento enigmático das palavras e dos sons desse disco ainda me deixam muito impressionado. Um disco que tem cor, sabor e cheiro. Vai pra além do arco das canções, pra além de cada acorde, pra além da elegância, pra além da fluência melódica, pra além das progressões harmônicas. A voz de Bituca vem do alto da mais alta montanha.
Música total e absolutamente imortal.
Milton Nascimento ... mais Nelson Ângelo, Toninho Horta, Beto Guedes, Wagner Tiso, Nivaldo Ornellas, Novelli, Paulinho Braga. Obrigado eternamente. Ronaldo Bastos, Márcio Borges e Fernando Brant. " Pablo Castro




Para o leitor completar a audição com mais imersão sobre o disco, faço algumas indicações de leitura e incluo links e materiais:

Lista as 30 mais geniais, em que o Pablo aborda várias das canções do disco.

Texto O ouro da mina virou veneno, em que abordo a canção Simples.


Texto Saudade dos aviões, em que homenageio Fernando Brant e trato da canção Saudade dos aviões da Panair (conversando no bar).

Episódio do programa O som do vinil, de Charles Gavin, em que o disco da vez é justamente Minas.

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