Ainda que com altos e baixos, alguns lapsos e até erros inaceitáveis num
projeto editorial que parece ter consumido muitos anos e trabalho, A
batalha pela alma dos Beatles termina sendo uma leitura razoavelmente
boa e compreensiva que dá acesso ao lado sórdido, obscuro, e
indissociável, de tudo que os cercou como fenômeno histórico e cultural. Ele se mostra particularmente cuidadoso na exumação desses cadáveres escondidos nos cemitérios do sucesso pop. Eis uma passagem muito elegante que mostra como chamar um senhor e Sir de mercenário sem ser desagradável. Narrando a elaboração de Anthology, Doggett informa que George Martin, após apreciar as gravações selecionadas, reagiu negativamente: "Eu escutei todas as fitas (...) há uma ou duas variantes interessantes, mas com exceção disso é tudo inutilizável. Não seria possível lançar nada!". Em seguida ele nos conta que "o potencial financeiro de uma série de lançamentos de arquivo foi explicado a Martin e aos Beatles. E poucos meses depois, Martin concordou em lançar uma caixa de três CDs duplos (...) os depósitos inutilizáveis magicamente se transformaram em arcas do tesouro"(p.390).
Se a um conhecedor ao menos razoável deles não representa nada enquanto
pretenso destruidor de mitologias, ele conclui de acordo com o que era o
desfecho anunciado, assegurando que "a alma dos Beatles não reside na
sala de reuniões da Apple Corps, nem nas contas bancárias de quatro
multimilionários, mas na graça instintiva e natural de suas canções".
Nessa redação estranha ou bem fica subentendido que as contas de John e
George sobreviveram a eles, ou que a propriedade dos direitos por parte
das viúvas deles representa a propriedade das canções. Não é bem isso
que Doggett quis escrever, certamente. Ele só quis afirmar no final o
que passou o livro inteiro procurando nos deixar em dúvida, ou seja, que
o gênio coletivo dos Beatles "criou algo que nem mesmo o dinheiro
poderia destruir".