Comemorei ontem a formatura em Economia do meu filho mais velho, e também o nascimento de mais esse rebento, minha nova marchinha em parceria com Pablo Castro, já devidamente inscrita para o nosso adorado concurso "Mestre Jonas". É obviamente "inspirada" por tudo isso daí, mas seu paraninfo, por dizer assim, é Machado de Assis, e o professor homenageado é Chico Buarque. Eu fiz a letra no início de janeiro, em meio à primeira enxurrada de absurdices do atual governo e a antevisão do que seria a sucessão de experiências cotidianos do que chamo de empirismo trágico - que talvez eu pudesse batizar com um nome mais pegajoso e chamativo, como "síndrome de São Tomé". Não sou mais que um "marchista" ocasional, mas considero a tarefa divertida e desopilante, de modos que nesse período do ano, nem sempre a tempo e contento da inscrição para o concurso, me ponho a rabiscar alguma coisa.
Ocorre que eu estava lendo Quincas Borba, de Machado, e ao pensar na consagrada frase usada por seu personagem título, "ao vencedor, as batatas", espécie de máxima que compõe sua sátira do darwinismo social, me ocorreu a adaptação à cor em voga no atual noticiário brasileiro. Ao mesmo tempo andava rondando meus ouvidos desde o final do ano passado a trilha de Calabar, e enquanto eu tateava as rimas para laranja eu sentia subentendida alguma melodia sincopada que me lembrava vagamente "Boi voador não pode" [aqui para quem quiser saber mais do assunto que motiva essa pequena joia do Chico]. Dele mesmo ainda surrupiei, com todo respeito e reverência, o larápio rastaquera de "A foto da capa", e o título de um de seus livros, por sua vez emprestado de uma consagrada expressão da sabedoria popular. Em busca de uma atmosfera propositadamente antiquada, empreguei muitos vocábulos e fraseados em desuso que, se funcionam para criar a sensação retrógrada que remete ironicamente ao reacionarismo corrente, deixam a letra meio inacessível, com jeito pedante, o que paradoxalmente dificulta sua popularização, anseio próprio do espírito das marchinhas. Mas não me deixei apoquentar por esse dilema, fui em frente contando que as situações aludidas na letra, tragicômicas e notórias, compensem essa eventual dificuldade.
O Pablo então assumiu a tarefa de fazer a música, geralmente mais trabalhosa do que a de se letrar uma melodia pronta. Para complicar, à medida que vai acumulando as marchinhas que faz (que já dão para um disco, certamente) lhe aperta a necessidade de não se repetir. Como já é de costume e pelo nosso entrosamento, enquanto ainda tateava acordes e notas ele me demandou umas mexidas na letra e um pouco mais de texto. Nesse caso, a despeito de uma pequena hesitação inicial, saíram rápido as soluções e eu modifiquei o refrão inserindo o tema da faca, o que me fez deslocar outras ideias que acabaram integrando a estrofe nova "do boi" em que consegui espremer muita coisa que ajudou a tornar o inventário de crimes e sandices que nos assolam mais abrangente. No labor de dar às palavras o som, meu parceiro fez algumas sugestões, em geral reiterando rimas internas que eu já tinha bolado - entrando aí o "artista", o "canalha", o "usado" - ajustando a letra à melodia que desenvolveu. Gostei, porque eu já tinha eleito a rima interna como uma prioridade formal e isso ficou reforçado. Finalmente, não me moveu qualquer expectativa quando a êxito no concurso, apenas o prazer de compor. Mas já que entramos, vamos botar na roda, e peço às leitoras e leitores uma colaboração para espalhar a marchinha por aí.
Ao vencedor as laranjas ,
já estás a ver o que arranjas , manjas
Passa na faca o que queiras,
profere tuas mentiras (x2)
Eis a história de um larápio rastaquera
Quem me dera fosse mera anedota
Uma nota na conta do motorista,
olha a lorota, haja lorota desse mito vigarista
A ministra viu Jesus na goiabeira,
eu me pergunto era o Gabeira quando ainda era artista?
Um presidente que já foi paraquedista
caiu no colo do conluio de golpistas
Ao vencedor...
O tal direito que era meu o boi bebeu
A Terra é plana desde que Ol-la-vou eu
Ó céus, na República mais do que velha
Um pastor canalha amealha um milhão de ovelhas
Bolsa de merda e farda cheirando a mofo,
Falta tino, falta estofo pra essa gente tão servil
Não se lamente pelo leite derramado
Dê um pinico usado pro milico ao lado
Ao vencedor...(x2)
Quem me dera fosse mera anedota
Uma nota na conta do motorista,
olha a lorota, haja lorota desse mito vigarista
A ministra viu Jesus na goiabeira,
eu me pergunto era o Gabeira quando ainda era artista?
Um presidente que já foi paraquedista
caiu no colo do conluio de golpistas
Ao vencedor...
O tal direito que era meu o boi bebeu
A Terra é plana desde que Ol-la-vou eu
Ó céus, na República mais do que velha
Um pastor canalha amealha um milhão de ovelhas
Bolsa de merda e farda cheirando a mofo,
Falta tino, falta estofo pra essa gente tão servil
Não se lamente pelo leite derramado
Dê um pinico usado pro milico ao lado
Ao vencedor...(x2)
Muito bom Luiz, como sempre aliás ... Adorei o verso sobre o pseudo filósofo kkkkkkk abraços
ResponderExcluirObrigado, Arthur! Aqui é trabalho, né hehehehe.
ExcluirAmei sua letra, está formidável, com todas essas referências, essa fusão de passado e presente - e os nomes nisso envolvidos! Muito legal.
ResponderExcluirObrigado, Marisa! A intenção era essa! Fica convidada para dar uma volta aqui pelo blog e pelas canções que estão na seção "Produção artística". É só um clique. Abraço!
Excluir