Acabei agorinha de ler Here, there and everywhere:minha vida gravando os Beatles, de Geoff Emerick (com auxílio de Howard Massey). É basicamente um relato bem franco feito pelo engenheiro de som que desde bem jovem ingressou na equipe da EMI inglesa e esteve ao lado de George Martin na sala de controle em Abbey Road por bons anos como engenheiro de som responsável por encontrar inovadoras soluções para a constante demanda da banda por novos sons para suas gravações. Geoff certamente foi pioneiro e um grande apaixonado pelo que fazia. Mesmo para quem, como eu, já leu e viu mais documentários do que consegue contar sobre os Beatles, há algum detalhe que acrescenta. No começo a escrita é um pouco mais agradável e imaginativa, e depois cai mais para a pura transcrição de memórias. Para quem se interessa especialmente por produção musical e engenharia de som, um prato cheio. É particularmente divertido acompanhar as constantes peripécias que burlavam os protocolos e a vagarosa reação da conhecida gravadora ante mudanças tecnológicas e comportamentais que, a despeito do sucesso sem precedentes da banda, não penetravam facilmente sua rígida estrutura. Sua franqueza conquista, mas talvez passe do ponto, especialmente na sua tentativa de afirmar constantemente que sua evidente preferência por Paul McCartney não era determinante do modo como interagia com o restante dos membros da banda. Suas implicâncias com John, Ringo e especialmente George, são tão renitentes que evidenciam o contrário. Quanto a George Martin ele parece equilibrar um pouco mais as coisas, trazendo à tona atitudes não tão cavalheirescas de alguém que pode parecer um exemplar impecável do garbo britânico. De todo modo, para o apreciador da História dos 4 rapazes de Liverpool que pretende ver um pouco de humanidade no meio desse aparente conto de fadas, o livro é uma ótima pedida, pois não se perde nessa aspereza e mantém o foco em mostrar pelos olhos de quem participou de perto, que toda aquela magia foi simplesmente o fruto do suor, da imaginação e da ousadia de gente de carne e osso.
Espaço que visa divulgar e disponibilizar trabalhos de criação e crítica referentes à MPB e música popular, não apenas para promover o intercâmbio de gostos e opiniões, mas fundamentalmente catapultar o debate sobre o tema.
Cerejas
Silêncio
A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.
A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.
13 de janeiro de 2019
Na estante - Here, there and everywhere:minha vida gravando os Beatles
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Rafael Senra (no facebook) Sua resenha sintetiza o charme desse livro. As preferências dele por Paul dão um ar "novelesco" para a obra, e, em vez de gerar antipatia, acabam por humanizar o relato. Isso serve como contraponto interessante para os detalhes técnicos das gravações. É um livro muito envolvente e indispensável para fãs dos Beatles.
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