Muitos estão comentando a entrevista que Milton Nascimento concedeu à Folha, especialmente pela frase bombástica em destaque, "A música brasileira está uma merda" [link]. Apesar de 'n' ponderações que a
fala suscitou, deve estar perdida num tempo imemorial qual a última coisa dita por Milton Nascimento que provocou algum debate consequente. Só por
isso já está valendo. No restante ela sofre do mal da maioria das entrevistas com músicos de quilate que são de uma redundância renitente em relação às anteriores, como já escrevi aqui.
Certamente, com um pouco de
boa vontade, todo mundo está entendendo que o Milton está falando do que
está tocando no rádio e sendo apresentado nos grandes canais de mídia,
quem faz um disco como "E a gente sonhando" não ignora que há música boa
produzida pelas novas gerações. Esse protesto serve bem inclusive para
ajudar a abrir um pouco de espaço. Mas como o Tiago Iorc, a Maria Gadu, o
Criolo, já furaram alguma resistência, claro que seria desejável que
ele falasse nomes que não são conhecidos, aproveitando a voz
que ele ainda tem.
Entrei lá na página oficial Milton "Bituca" Nascimento, vi que tinha gente corroborando e gente questionando. O debate esquentou e surgiu uma explicação, bem protocolar, coisa de assessoria, tentando conter os desentendimentos e alegando que a fala estava circulando fora de contexto, mas por sua vez instigando novas discussões em função de nomes escolhidos para sinalizar algum conhecimento do que seria produzido fora dos canais de sucesso. Ficou patente a parca presença de músicos mineiros entre os que aí foram citados, por exemplo. Acho que
legitimamente muitos estão incomodados porque nessa oportunidade o
Bituca poderia ter remetido a uma música mil vezes melhor que é feita no
Brasil todo, e que certamente ele desconhece ou nem mesmo sua assessoria
lhe ajuda a conhecer. Então ele lançou uma observação certeira mas não
tem muito mais que isso a contribuir com o debate, como fica evidente.
Não que ele seja obrigado. Não acho justo que na idade dele, e com tantos serviços prestados à nossa música, e tanta gente que ele promoveu por toda a carreira, isso seja simplesmente esquecido porque agora ele de algum modo se mostra alheio. Quanto a isso nós podemos muito bem cumprir a
tarefa.
Nesse ponto faço questão de recuperar uma série realizada aqui no blog, com textos do meu parceiro Pablo Castro, o Eldorado Subterrâneo da Canção, contendo "canções de lavra recente, especialmente aquelas compostas por cantautores nossos contemporâne@s da cena mineira que por 'n' razões - que poderão até vir a ser debatidas por aqui - permanecem ainda alheias dos ouvidos de uma parte substancial do público, certamente sem merecer tal destino".
Finalmente, vamos voltar a crítica pra onde está realmente o problema, que é
na indústria e nos meios. Quem não está fazendo a música boa que é feita
no Brasil todo chegar a mais ouvidos são as gravadoras, as rádios, as
televisões, os sites de muito acesso,
etc. Então eu vou
acrescentar que o que está uma merda mesmo são os meios que em outros tempos até faziam a
música maravilhosa que era feita todo dia chegar a mais ouvidos. E o público que não corre atrás nem exige desses meios que costuma
acessar uma programação mais diversificada tem sua parcela também. Sem
paternalismo. Já tratamos disso neste blog em textos como esse aqui. Se essa entrevista aumentar a atenção e consciência das
pessoas para o problema, terá sido muito relevante. Quero terminar falando da velhice. Talvez uma parcela cada vez maior da sociedade esteja confundindo o fato de que não se concede mais uma autoridade automática ao que diz uma pessoa mais velha com uma total falta de consideração ou empatia por uma condição que, como diz o brilhante livro de Ecléa Bosi, faz de todos nós membros de uma comunidade de destino - todos que não partirem cedo irão envelhecer. Nessa condição, muitas vezes, nem sempre será a sabedoria com o peso dos anos a portadora do recado. Pode ser uma molequice desbocada, traquina, a podre delícia na boca do menino que xinga padre e pedra.
Especialmente bonita esta referência à Ecléa Bosi, Balu! abs
ResponderExcluirMeu caro Carlos d'Andréa, grato pela leitura e observação. Estava fresquinha na cabeça porque tinha rolado seminário na minha disciplina na pós que incluía o texto dela. E foi ela que me levou de volta a Saudade dos aviões da Panair, e acabou me inspirando o título. Abs
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