O Rock in Rio (RiR) representou, desde o começo, um novo modelo da geopolítica indústria fonográfica muito mais hegemonista e homogeneizador do que das décadas de 1960-70. O quadro maior, muito resumidamente, era o seguinte, um rearranjo do mercado fonográfico internacional, com a redução de "majors", a decisão de padronizar / centralizar mais a produção, de apostar menos, de radicalizar no jabá, de apostar mais no consumidor jovem - aí se alavanca o crescimento das FMs - e concomitantemente, no Brasil, com o decréscimo do volume e do prestígio dos festivais, ficou muito difícil a renovação de quadros da MPB. Os que já tinham algum lastro resistiram. Nos anos 1980 a balança de venda de discos pendem mais aos estrangeiros, nos anos 1990 voltou aos nacionais, mas aí alicerçada na farofa comercial de axé, pagode e sertanejo.
O RiR a meu ver é sobretudo um evento viralata de grandes proporções, que naquele momento influiu na formação do gosto, especialmente dos jovens daquela época. No imaginário nacional, obviamente, o modelo de festival passou a ser esse, com artistas nacionais abrindo para internacionais, e com a centralidade do rock que naquele momento era o grosso do mainstream pop, fosse qual fosse a "roupagem". Eis a programação completa da primeira edição:
Houve uma articulação entre coisas acontecendo no mercado internacional e no próprio mercado brasileiro, em que fica evidente o enfraquecimento de uma linha que vinha nos anos 1970, quando num dado momento Chico, Elis, Milton, vendiam num patamar muito mais alto, ocupavam o centro da mídia, etc... Mas com o fim dos festivais brasileiros da canção e a mudança de estratégia das gravadoras, eles ficaram "ilhados" em nichos e o catálogo novo passou a ser menos ousado musicalmente e bem mais colonizado.
Existem estratégias de marketing que são explícitas, e para além delas existe uma hierarquia cultural que é preciso ver além da contabilidade. Coisas como ordem das apresentações, atitudes de bastidores, enfim, um sem número de exemplos em que a construção simbólica foi sempre a de que o nacional era preterido em algum nível. Há vários relatos sobre, ou momentos emblemáticos como o confronto do Carlinhos Brown (que ironia esse sobrenome artístico nesse ponto) com o público que esperava por sei lá que banda.
As marcas são as protagonistas desse modelo de espetáculo globalizado, vide depoimento do empresário Roberto Medina, promotor do evento [link]. Se a gente olhar Copa do Mundo, Olimpíadas, qq coisa assim de porte, sempre serão elas que dão as cartas. Reparem que o que elas mais querem é controle. Vide uma "lei geral da copa". Então, girando mais um pouco o parafuso, é o projeto econômico e político das corporações que promove essa vertente de consumo globalizado padrão. RiR é um produto direto disso. Parece que nos últimos tempos houve uma naturalização daquilo que nos anos 1980 era claro que seriam dos grandes agentes opressores do mundo globalizado, as corporações.Os comerciais dos anos 1980 parecem ecoar em meus ouvidos: "Coca-Cola é isso aí! Hollywood, o sucesso!".
A aceitação desavisada, por vezes míope, de teorias e estudos que elevam ao suprasumo tudo que se dá no que, por exercício macunaímico, me permito nomear sumariamente de "o micro", leva a equívocos absurdos como o Ivan Valente louvando o início do Rock in Rio pq uma jovem fez uma justa homenagem à Marielle Franco antes de seu show. Nenhuma palavra do nobre deputado sobre a natureza do evento, tampouco sobre a lamentável cena do "Palco Favela" sob luzes de holofote e ruídos emulando helicópteros, numa alegoria da luta de classe em estado de choque ou êxtase - dependendo do lugar no espaço urbano e social o sujeito se encontra. Essa do helicóptero é nível bolsonaro de escrotice destilada [link]. Eis a mais pura miséria da microscópica política. Estamos virando figurantes de um roteiro distópico hollywoodiano de quinta categoria. Eu conclamo um repúdio massivo a esse negócio demente de ficar romantizando favela, e sobretudo no contexto de um festival famigerado como Roquinrio num momento como esse. Precisamos recuperar nossa dignidade.
A aceitação desavisada, por vezes míope, de teorias e estudos que elevam ao suprasumo tudo que se dá no que, por exercício macunaímico, me permito nomear sumariamente de "o micro", leva a equívocos absurdos como o Ivan Valente louvando o início do Rock in Rio pq uma jovem fez uma justa homenagem à Marielle Franco antes de seu show. Nenhuma palavra do nobre deputado sobre a natureza do evento, tampouco sobre a lamentável cena do "Palco Favela" sob luzes de holofote e ruídos emulando helicópteros, numa alegoria da luta de classe em estado de choque ou êxtase - dependendo do lugar no espaço urbano e social o sujeito se encontra. Essa do helicóptero é nível bolsonaro de escrotice destilada [link]. Eis a mais pura miséria da microscópica política. Estamos virando figurantes de um roteiro distópico hollywoodiano de quinta categoria. Eu conclamo um repúdio massivo a esse negócio demente de ficar romantizando favela, e sobretudo no contexto de um festival famigerado como Roquinrio num momento como esse. Precisamos recuperar nossa dignidade.
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