Cerejas

Silêncio

A Câmara Municipal está tratando de abolir os barulhos harmoniosos da cidade: os auto-falantes e as vitrolas. [...]
Gosto daqueles móveis melódicos e daquelas cornetas altíssonas. Fazem bem aos nervos. A gente anda, pelo centro, com os ouvidos cheios de algarismos, de cotações da bolsa de café, de câmbio, de duplicatas, de concordatas, de "cantatas", de negociatas e outras cousas chatas. De repente, passa pela porta aberta de uma dessas lojas sonoras e recebe em cheio, em plena trompa de Eustáquio, uma lufada sinfônica, repousante de sonho [...] E a gente pára um pouco nesse halo de encantado devaneio, nesse nimbo embalador de música, até que a altíssima farda azul marinho venha grasnar aquele horroroso "Faz favorrr, senhorrr!", que vem fazer a gente circular, que vem repor a gente na odiosa, geométrica, invariável realidade do Triângulo - isto é, da vida."
Urbano (Guilherme de Almeida), 1927.

4 de setembro de 2019

O samba na caixa de fósforos - adeus a Elton Medeiros

É assim, percutindo com maestria uma caixinha de fósforos, que me lembro com mais nitidez da figura de Elton Medeiros. Ele se apresentava no Programa Ensaio, essa verdadeira enciclopédia audiovisual da nossa música popular. Meus olhos e ouvidos ficaram hipnotizados, incapazes de buscar qualquer outro interesse que não aquele som que poucos, mesmo entre os bambas, conseguem tirar. Descobri nessa mesma noite que Elton era parceiro de Cartola no samba "O sol nascerá" (como ele mesmo explicou, também conhecido como "A sorrir..."), uma dessas pérolas que a gente escuta e não esquece jamais. Talvez por não ser tão consagrado como intérprete, Elton Medeiros não seja tão conhecido e reverenciado quanto parceiros seus como Cartola e Paulinho da Viola.
Por duas ocasiões tive oportunidade de constatar e me postar contra uma certa falta de consideração a seus créditos, justamente por "O sol nascerá". A primeira foi quando assisti a uma apresentação da então presidente do MIS-RJ na Conferência Geral do ICOM, em 2013 na própria capital carioca, em que recebi dela um material institucional relacionado à promoção da nova sede de Copacabana, cuja construção infelizmente ainda não foi concluída. Percebi que a canção era citada com crédito apenas a Cartola, me identifiquei e discretamente lhe chamei a atenção para o erro. Ela me agradeceu protocolarmente mas tenho pra mim que não deve ter gostado muito de ter que responder - como lhe cabia, pelo cargo - pela falha. É muito importante revisar esse tipo de peça gráfica que se reproduz depois aos milhares, pois basicamente é impossível retificar erros. A segunda, foi quando apontei o mesmo erro ao proprietário de uma página de rede social, então bastante visitada, sobre cultura, semiótica, literatura e afins. Ao invés de agradecer e me creditar o auxílio na correção - feito no comentário da postagem- ele simplesmente fez a mudança e deixou a entender que não havia cometido o erro. Isso tem muitos anos, ainda estávamos longe da generalizada disseminação de falsificações de toda ordem que tomou conta da internet, mas me pareceu um ato deplorável, ao qual fiz questão de responder, convidando inclusive alguns amigos que também acompanhavam a mesma postagem a testemunhar a validade da minha intervenção e participar de uma rápida troca de "amabilidades" pelas quais deixei claro que havia o erro e fora a minha intervenção que propiciara a correção. Depois disso, deixamos eu e outros que acompanharam o caso de manter contato com a tal página, cujo nome já nem me lembro.
Quero lembrar mesmo é de Elton Medeiros, de seus sambas inesquecíveis, e daquele som hipnótico da caixinha de fósforos. 












P.S. Este texto não se pretende um obituário, para isso pode-se ler aqui.

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